Aconteceu comigo, podem crer. Vocês hão de convir, que não acontece sempre de
uma pessoa vir trabalhar na sua casa como doméstica, e ao perguntar qual era a sua
religião, ouvir a resposta: “sou budista”.
Você pode dizer que não se trata de um fato muito corriqueiro, mas pensando bem
é perfeitamente normal. Até porque, vivemos num país onde a liberdade de crenças
é um fato. Cada um professa a religião com a qual sente maior afinidade e é livre
para isso. A religião que uma pessoa pratica, deve ser prática e útil, além de preencher
outros significados na vida de uma pessoa. Uma religião tem que permitir um acesso
ao plano Divino de maneira muito simples. Chegar a Deus nos momentos mais inusitados.
Outras vezes chegar a Deus até mesmo em momentos orgulhosos em que nos sentimos
apenas o máximo. E para chegar a Deus, creio eu, tem que ser com naturalidade. É
vital que isso aconteça, e não se trata apenas de força de expressão. Se não perdemos
a fé e a esperança.
No primeiro dia em que a nossa nova empregada doméstica chegou em casa para trabalhar,
precisava enfrentar um primeiro obstáculo, depois de ser aprovada na entrevista
feita pela minha esposa. Tratava-se de fazer amizade com o nosso cão labrador para
que ela pudesse realizar o seu trabalho em paz. E o mais importante, sem deixar
que ele se intrometa em tudo que alguém está fazendo. Ela disse ter medo de cachorros
e estava preocupada que ele pulasse ou avançasse nela. Quando alguém diz para você
que tem medo de cachorro, trata-se de um problema de foro íntimo. Ou a pessoa não
tem medo e enfrenta com serenidade mesmo um cão desconhecido ou então, a pessoa
tem medo. Nesse caso, tanto faz que seja um mini poodle ou um pastor alemão. O efeito
sobre ela será o mesmo. Pânico e impedimento suficiente para o convívio mínimo necessário.
Tentamos encorajá-la explicando que ele era muito amigável e todas aquelas coisas
que todo mundo que tem um cão em casa dizem para as outras pessoas. Foi preciso
ir até o quintal e trazer-lhe as ferramentas de trabalho como a vassoura e o rodo
e mais panos e mais baldes para o início do seu trabalho.
No dia seguinte pensamos que seria necessário repetir tudo. Ela, no entanto,
mais do que depressa, foi dizendo: “Não se preocupem porque eu fiz uma oração, e
hoje tenho certeza que ele não vai pular em mim e nem eu vou ficar com medo dele”.
“Está bem! consentimos”. E não é que isso de fato aconteceu mesmo? Ele ficou tranqüilo
para que ela entrasse e saísse pelo quintal sem incomodá-la. Também não brincou
pulando para fazer suas estripulias de costume. Ficou dócil e, pela primeira vez
que eu tenha visto, ficou olhando enquanto ela jogava água no quintal sem correr
para frente do balde como os cães gostam de fazer, sem morder o rodo e a vassoura.
Como se diz, parecia gente, entendendo-se com uma pessoa recém conhecida.
Quis saber qual tinha sido a oração. Ela me explicou que a oração era: “ Nam-Myoho-Rengue-Kyo”
e que, fazendo aquela oração ele se comportou muito bem sem dar trabalho. Perguntei
que oração era esta que ela fez para que o cachorro não pulasse nela e nem causasse
medo. Ela me explicou: “a oração não foi para ele não pular em mim, essa oração
a gente faz para que, o que é bom para nós, nos aconteça, que tudo nos vá bem do
jeito que precisamos e que seja tudo que a gente precisa”. Isso nas explicações
da sua simplicidade. Procurei pesquisar um pouco a respeito e consegui, num suplemento
de uma publicação budista, que a evocação Não trata da relação perfeita da vida
da pessoa com a verdade eterna e acumular energia vital e esforçar-se para aliviar
os sofrimentos dos outros. Se praticada essa evocação da verdade, não haverá beco
sem saída na vida. Uma vez que nos basearmos na prática da fé com forte convicção,
poderemos definitivamente transformar nossas vidas para melhor e ultrapassarmos
qualquer impasse.
Percebi então que eu estava muito enganado. Pensei de uma maneira pequena e até
mesmo egoísta, supondo uma oração, como se fosse uma fórmula mágica para fazer um
desejo acontecer, mais ou menos como aquele desejo que pedimos para o gênio da lâmpada
de Aladim, ou como nos ensinam cheios de bom humor e ingenuidade, olhar para uma
estrela cadente e fazer um pedido. Acredito que, muitas vezes, já tenha feito a
minha oração com a expectativa de pedir algo muito específico para Deus. Apenas
abrir as mãos para que Ele me conceda o pedido e preencha a minha esperança. Como
os Espíritos nos respondem a questão 663 do Livro dos Espíritos: “Não obstante,
os vossos justos pedidos são em geral mais escutados do que julgais. Pensais que
Deus não vos ouviu, porque não fez um milagre em vosso favor, quando entretanto
vos assiste por meios tão naturais que vos parecem o efeito do acaso ou da força
das coisas. Freqüentemente, ou o mais freqüentemente, ele vos suscita o pensamento
necessário para sairdes por vós mesmos do embaraço.”
Curiosamente, fatos do nosso dia-a-dia, estão sempre nos lembrando da nossa própria
fé e de como a oração nos conecta ao poder Divino. Para mim, foi uma lição.
20/08/2003