Responsabilidade Pessoal
Os povos cristãos vêm sendo instruídos, séculos pós séculos, que “nossos
primeiros pais” haviam sido criados justos, inocentes e imortais, mas que, por
haverem cedido à tentação demoníaca, desobedecendo a Deus, perderam o estado de
graça, foram expulsos do éden, tornaram-se ignorantes, propensos ao mal,
expostos a toda sorte de misérias e condenados a morrer.
Essa culpa, conquanto pessoal, não prejudicou apenas Adão e Eva.
Transmitindo-se a todos os seus descendentes, por geração natural, danificou
todo o gênero humano, que nascendo já estigmatizado pelo erro, jamais poderia
salvar-se por si mesmo.
Deus, porém, apiedou-se dos homens e alguns milênios depois houve por bem
enviar à Terra seu filho unigênito, Jesus-Cristo, para que pudesse oferecer-se
como vítima expiatória e, assim, os libertasse da escravidão do demônio e do
pecado, reconquistando-lhes o direito que tinham ao céu.
Em síntese, o que acima foi dito poderia ser resumido nestas duas
proposições:
- Adão e Eva pecam
e a Humanidade é condenada. - Vem o Cristo,
sofre o martírio da cruz e a Humanidade é salva.
Uma pergunta, então, se impõe:
Nesse jogo, qual o papel da Humanidade mesma, uma vez que tudo se realiza por
substituição?
Temos, para nós, que a razão pela qual o Cristianismo não há produzido, até
agora, tudo aquilo que de bom e de belo dele se deveria esperar, só pode ser
atribuída a essa falsa idéia de que somos redimidos do pecado, graciosamente,
“pelo sangue do cordeiro de Deus”.
Fosse isso verdadeiro, alcançassem os homens, realmente, a purificação por
efeito da morte de Jesus, e o mal já devera ter desaparecido da face da Terra.
Não é tal, entretanto, o que se observa. A ambição, o orgulho, a vaidade, o
roubo, a injustiça, o farisaísmo, a crueldade, os vícios e as paixões continuam
a dominar grande parte das criaturas, impedindo seja estabelecido entre nós um
clima de paz, de alegria e de fraternidade.
Enquanto supusermos que o “Cristo morreu por nós” e que “a efusão de seu
sangue nos limpa de toda culpa”, sem empreendermos qualquer esforço sério no
sentido de vencermos nossas fraquezas e imperfeições; enquanto não
compreendermos, também, que o que Deus quer de nós não é “adoração”, mas
trabalho de cada qual em benefício de todos, visando a eliminar A DOR pela AÇÃO,
as coisas não se modificarão e o sofrimento continuará infelicitando indivíduos,
famílias, comunidades e nações.
O Espiritismo, recusando fé à lenda da “queda do homem”, porquanto queda
jamais houve, e sim evolução do homem das cavernas para o homem nômade e deste
para o homem civilizado de nossos dias, o que torna insubsistentes as doutrinas
da “expiação”, da “propiciação”, do “pecado original” etc., diz-nos, baseado nos
ensinamentos do Evangelho, que “a cada um será dado segundo as suas obras” e que
nossa felicidade, neste mundo ou no outro, depende da conquista da Virtude e da
prática do Bem, ou seja, de nossos próprios méritos, erigindo, destarte, a
responsabilidade pessoal em princípio fundamental de sua filosofia de vida.
Quando toda a Humanidade venha a pensar e a agir deste modo, então,
certamente, a Terra se transformará no paraíso com que sonhamos.
(De “Páginas de Espiritismo Cristão”, de Rodolfo Calligaris)