As Quatro Nobres Verdades – Parte 10
“Exatamente como as pessoas verificam a pureza do ouro queimando-o no
fogo, cortando-o e o examinando numa pedra de toque, da mesma forma, ó monges,
deveis aceitar minhas palavras depois de submetê-las a um exame crítico e não
por reverência a mim” Buda, citado pelo Dalai Lama no livro “Transformando
a Mente” (ed. Martins Fontes).
“Sua fé deve ser racional, baseada na inteligência, para que quando as
pessoas questionarem e tentarem refutar sua crença e prática você esteja apto
a sustentar seus argumentos; não pode cultivar uma fé cega. Por isso, deve
basear sua crença em um alicerce firme. Com inteligência, você estará
invulnerável a questionamentos. Do contrário, como dizem os mestres Kadampa,
“a fé isoladamente é como um cego, que pode ser levado por outra pessoa a
qualquer lugar se lhe faltar sabedoria”. Assim, a fé sustentada pelo
conhecimento é indispensável à prática budista, enquanto que crença e
compaixão exercidas isoladamente são características comuns a todas as
principais religiões. Por isso, cultivando fé com base no alicerce correto,
você será racional e firme“. Dalai Lama, cap. Principais meditações Lamrim,
O Caminho da Felicidade (ed. Agir).
A doutrina Budista fundamenta-se em constatações feitas por Buda, que podem
ser verificadas por qualquer pessoa. Naturalmente o esforço de verificação exige
longo trabalho de preparação interior – pois o campo de pesquisas é a própria
mente humana e tem por ferramenta a meditação. Com uso da meditação, o homem
pode estudar a si mesmo e os seus processos mentais, desfazendo os enganos que o
prendem a ignorância e ao mesmo tempo transformando-se para atingir a
iluminação.
Do ponto de vista Budista, a meditação é uma disciplina espiritual que
permite controle sobre nossos pensamentos e emoções. Sob controle eles podem ser
analisados e selecionados. Podem ser focados em objetivos determinados, levando
a uma observação mais cuidadosa e profunda. Basicamente há a meditação “shamatha”
– permanência serena – que mantém a concentração da atenção em um só objeto e a
meditação “vipasyana” – discernimento penetrante – em que além da simples
concentração da atenção, há o esforço do raciocínio em compreender o objeto da
meditação.
A importância da meditação e da transformação mental é tão grande no Budismo
que este desenvolveu uma psicologia bastante interessante, com profundos
conhecimentos sobre os processos mentais, sua relação com as leis de causa e
efeito e com a situação do ser no mundo espiritual.
Além da verificação direta e da dedução, o Budismo também reconhece como
critério de verdade o testemunho – ou os ensinamentos – de pessoas fidedignas.
Neste caso, o que torna estas pessoas fidedignas não é o seu conhecimento ou
suas palavras, mas sim sua vivência da doutrina. Mestres espirituais que através
de anos de estudo e de prática dos ensinamentos de Buda atingiram as
experiências de que dão testemunho.
O Budismo não desconhece os fenômenos mediúnicos, que até acabam ocorrendo
como conseqüência das práticas de meditação, mas devido a seu enfoque na
iluminação pelo fim da ilusão do “eu”, na auto-análise, nos fenômenos
interiores, não os faz objeto de seu estudo.
– Espiritismo
“Fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão, face a face,
em todas as épocas da humanidade“, Allan Kardec, Evangelho Segundo o
Espiritismo, FEB.“Na dúvida, abstém-te, diz um de vossos antigos provérbios. Não
admitais, pois, o que não for para vós de evidência inegável. Ao aparecer uma
nova opinião, por menos que vos pareça duvidosa, passai-a pelo crivo da razão
e da lógica. O que a razão e o bom senso reprovam, rejeitai corajosamente.
Mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma única mentira, uma única
teoria falsa. Com efeito, sobre essa teoria poderíeis edificar todo um
sistema que desmoronaria ao primeiro sopro da verdade, como um monumento
construído sobre a areia movediça. Entretanto, se rejeitai hoje certas
verdades, porque não estão para vós clara e logicamente demonstradas, logo um
fato chocante ou uma demonstração irrefutável virá vos afirmar a sua
autenticidade“. Erasto, Influência moral do médium, O Livro dos Médiuns,
FEB.
A ciência espírita se baseia necessariamente na existência dos espíritos e
sua intervenção no mundo material. A verificação destas bases é feita pelo
estudo das manifestações dos espíritos através dos fenômenos mediúnicos. Estas
manifestações podem ser espontâneas ou provocadas. O que caracteriza a
manifestação dos espíritos, frente a grande quantidade de fenômenos físicos
existentes, é a vontade independente e a inteligência que demonstram.
O estudo das manifestações dos espíritos, longe de ser um campo fácil de
investigação, exige grande observação e estudo, pois se lida com seres
independentes e não forças cegas da natureza. Como os fenômenos normalmente não
são reprodutíveis a vontade em um laboratório, há que se dedicar a analisá-los
quando ocorrem e considerar sempre seu conjunto.
Como, em essência, o homem é um espírito encarnado, existem também fenômenos
provocados pelo próprio “médium”, classificados sob a denominação de animismo, e
que devem receber uma grande atenção para não serem confundidos com as
comunicações dos espíritos e levarem a caminhos errados. O inconsciente, e suas
manifestações na personalidade, são também fenômenos anímicos e nesta categoria
são estudados pelo Espiritismo desde o seu surgimento.
O estudo das manifestações dos Espíritos, além do objetivo de comprovação
cientifica das bases da Doutrina, também tem o escopo de aprofundar os
conhecimentos sobre o Espírito, sua situação no mundo espiritual, as leis que
regem seu destino e as que regem a comunicação entre o mundo material e o
espiritual. Este estudo também acompanha o avanço das ciências, de modo que o
Espiritismo esteja sempre a par dos progressos realizados nos demais campos do
conhecimento humano.
Partindo da base fornecida pelas manifestações dos espíritos, o Espiritismo
também estuda as comunicações obtidas através delas. Assim pode se dizer que a “Ciência
Espírita compreende duas partes: uma experimental, sobre as manifestações em
geral; a outra, filosófica, sobre as manifestações inteligentes. Quem quer que
tenha observado somente pelo ângulo da primeira, está na posição daquele que
conheceria a Física apenas pelas experiências recreativas, sem haver penetrado
no fundamento da Ciência. A verdadeira Doutrina Espírita está no ensinamento
dado pelos Espíritos e os conhecimentos que esse ensinamento comporta são muito
sérios para poderem ser assimilados de outro modo que não seja por um estudo
profundo e contínuo, feito no silêncio e no recolhimento; porque só nestas
condições se pode observar um número infinito de fatos e de nuanças que escapam
ao observador superficial e permitem firmar uma opinião” (Allan Kardec,
Introdução ao “Livro dos Espíritos”, FEB).
Um aspecto a ser comentado, é que o avanço de algumas disciplinas cientificas
acadêmicas rumo as realidades espirituais as tem colocado em relação próxima com
o Espiritismo. Assim é comum encontrarem-se Espíritas contribibuindo diretamente
nas áreas de psicologia, com a Psicologia Transpessoal e a Terapia de Vidas
Passadas, e de medicina, com a psicossomática e a homeopatia.
– Análise
Me parece que o Budismo e o Espiritismo avançam para resultados muito
semelhantes tendo dois pontos diferentes de partida. Enquanto o Budismo – dentro
de um contexto cultural oriental – parte dos fenômenos internos ao individuo em
direção a realidade que lhe transcende, o Espiritismo parte das manifestações
dos espíritos, do mesmo individuo liberto da matéria, em direção a mesma
realidade. As duas Doutrinas rejeitam a fé cega e enfatizam a necessidade do
estudo prolongado e sério. Não basta só procurar, há que se saber como …
(Publicado no Boletim GEAE Número 438 de 28 de maio de 2002)