Uma das grandes dificuldades que temos reside na falação interna. O vozerio que nos ocupa internamente, discutindo, comparando, discordando, os famosos diabinhos e anjinhos que vivem dentro de nós.
Quantas dificuldades e quantos riscos ocorrem quando pensamos. Todos nós temos de enfrentar os obstáculos que surgem quando precisamos nos concentrar em alguma idéia ou momento de silêncio interior. Podemos pois perceber que os nossos pensamentos estão expostos a vários riscos, e esses riscos estão dentro de nós mesmos.
Um primeiro perigo é a nossa falação interna, o nosso falatório íntimo e pessoal.
São todas as conversas que mantemos conosco mesmos. Kardec, no Livro dos Espíritos, no parágrafo 460 diz: “Vossa alma é um Espírito que pensa; não ignorais que muitos pensamentos vos ocorrem, a um só tempo, sobre o mesmo assunto e freqüentemente bastante contraditórios”. Como você pode experimentar num simples momento de quietude, muitos pensamentos nos vêm à mente. A quietude nos é muito difícil. Atualmente temos, estado fascinados pelos modos e hábitos contemplativos orientais que chegam até nós. Multiplicam-se os cursos de yoga, meditação, relaxamento, valorizando algo que na nossa cultura até então sequer era pensado. Os orientais no entanto, desenvolveram ao longo dos milênios a sabedoria da contemplação, da meditação e da capacidade de aquietar-se. Há pois um longo caminho a percorrer para aprendermos essa quietude.
Um segundo perigo são os conhecimentos que temos.
A nossa bagagem cultural e o conhecimento que acumulamos durante parte da nossa vida, representam outro perigo para o nosso pensamento. Nosso eruditismo, o nosso saber, o nosso cientificismo, as nossas teorias, as nossas chamadas filosofias de vida, representam um grande acervo de conteúdos. Estes conteúdos contribuem para desenvolver muitos diálogos dentro de nós. Esta bagagem, pode disparar em nós certezas e conclusões fechadas quando mais queremos ficar quietos e em silêncio. Os conhecimentos nos tornam mais críticos, mais resistentes a novas idéias e ao pensar livremente. Existe em nós tendências que nos fazem muito apegados às idéias e conhecimentos obtidos.
Um terceiro perigo é o impulso que temos de pensar pelos outros. É muito comum que nos julguemos capazes de pensar pelos outros mais do que eles próprios. Quando dizemos frases como “sabe o que você faz?” ou “se eu fosse você faria isto ou aquilo”, estamos supondo que fazemos melhor pelos outros o que eles mesmos seriam capazes de fazer por si mesmos. Além do mais, isto se chama onipotência. Na medida em que nos portamos assim, surge uma grande dificuldade para sermos bons ouvintes. É um exercício muito custoso o de ouvir as pessoas e permitir que elas exponham as suas idéias ou dificuldades ou mesmo um pedido de ajuda. É uma difícil tarefa, o ser o espelho de alguém, de modo a refletir o outro para ele mesmo. Não se esqueça que o espelho apenas reflete a imagem sem julgá-la e sem fazer comentários . . .
Um quarto perigo são os nossos próprios pensamentos
A quantidade imensa de pensamentos de que dispomos. A nossa mente é infinitamente produtiva, criativa, fantasiosa, imaginativa. O Livro dos Espíritos, no parágrafo 461 ainda nos diz: “os pensamentos próprios são, em geral, os que vos ocorrem no primeiro impulso.” Podemos deduzir desta sua afirmativa que, geralmente, os demais pensamentos que ficamos garimpando na nossa mente, muitas vezes não passam de uma certa poluição mental. A fantasia e a imaginação acrescentam fatos, enfeitam os nossos pensamentos e as idéias que temos. Divergem e distorcem as nossas percepções. Tornam nebulosos os nossos raciocínios ou confusos com tantas e tão variadas informações. Geralmente, não somos econômicos no nosso pensar. A imaginação e a fantasia podem substituir nossas verdadeiras e mais genuínas idéias. As nossas convicções podem se perder. As nossas crenças e valores podem ser desvirtuadas.
Um quinto perigo são as nossas certezas.
As dúvidas, em geral, são nossas amigas. Nos permitem investigar melhor nossos próprios pensamentos, nossas próprias verdades. A dúvida nos faz, muitas vezes, descer da nossa autoridade, da imposição das nossas idéias e pontos de vista. As dúvidas nos ajudam a praticar a humildade do pensamento. Permitem ver que somos especialistas em parcialidades. Só podemos ver o mundo através de nossas lentes, acrescentando apenas o nosso foco. As certezas que construímos pela vida, são fechos, trancas que impedem o fluxo das idéias, das novas perspectivas, das descobertas e dos achados que podemos obter com a busca incessante por novos conhecimentos e a humildade que existe no caminhar errante do ser humano.