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Coisas de criança

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Enéas Canhadas

Há bastante tempo li um artigo sobre as coisas que crianças fazem e que, geralmente incomodam muito os adultos. Ao reler o artigo fui tomado por uma surpresa ao mesmo tempo em que fazia uma constatação: os comportamentos das crianças que tanto incomodam os adultos, são praticamente os mesmos praticados pelos próprios adultos. Fiquei me perguntando se foram as crianças que não cresceram ou se foram os adultos que, mesmo tendo crescido, permaneceram como crianças. Senão, vejamos.“Não há coisa mais chata do que, no meio da conversa, uma criança interromper a mãe aos gritos até que receba atenção”. Este comportamento é de criança que está sendo socializada, ou vemos isso nos adultos a todo momento? Foram crianças birrentas que permaneceram assim ao crescerem e, de repente, nos surpreendem, falando alto e contando a sua história como sendo a maior novidade ou a coisa mais importante. Você, certamente já esteve numa roda de mães que estão falando sobre como alimentam os seus filhos. Cada uma sabe uma receita melhor e mais necessária de preparar a papinha para o seu rebento! Mas não é só nesse caso. É muito comum sermos interrompidos por pessoas que vem nos impor a sua fala, nem mesmo desconfiando que interrompeu abruptamente uma conversa ou invadiu o diálogo ou a intimidade da conversa entre duas pessoas. Na verdade, deve se tratar de uma pessoa carente de amigos ou mesmo de aprovação. São pessoas que, certamente, devem possuir uma baixa auto-estima e assim invadem uma conversa tentando mostrar a sua infelicidade ou o quanto estão se sentindo isoladas ou abandonadas. Não seria um problema muito grande se fossem crianças, mas a grande dificuldade é que são adultas, e mesmo já entrando na velhice! É provável que não tenham mais tempo de aprender isso em suas vidas! <br> No caso das crianças, certamente poderíamos recomendar paciência, mas em se tratando de adultos, é difícil resolvermos a questão dizendo para você ter paciência com um colega de trabalho que age dessa maneira. O que provavelmente vai acontecer é que essas pessoas, por mais carentes que sejam, acabarão sendo postas de lado no seu grupo de trabalho, ou no grupo de amigos do clube ou em qualquer comunidade em que venham a conviver. Difícil pensar que os amigos, parentes, vizinhos, colegas terão a paciência necessária.

Até certo ponto, para as crianças, recomenda-se o uso da chupeta, em especial quando se trata de acalmar ou distrair uma criança que se mostra insatisfeita ou impaciente. Talvez se tais crianças não tivessem chupado chupeta, pudessem ser transformados em melhores adultos. Crianças mimadas, cujos pais tem o hábito de colocar qualquer coisa em sua boca para que ela fique calma ou dê sossego, pode ser representado por infinitas maneiras de se tapar a boca de alguém. Muitos adultos parecem ficar calmos e quietos facilmente se lhes fazemos as vontades. Empregados que vivem choramingando, amigos que apenas reclamam da vida, colegas que são chatos consumados e parentes que nos pegam em qualquer canto para falar dos seus azares ou de como as coisas não dão certo em suas vidas, podem ficar quietas se lhes damos um pouco de atenção, mesmo que essa atenção seja uma pseudo-atenção ou mesmo que lhes demonstremos uma atitude de falsa atenção. Comparo essa situação a uma conversa com um bêbado. Basta que o ouçamos e concordemos para que ele fique falando das suas mazelas como se o nosso gesto de atenção fosse uma chupeta que tapasse a sua boca. Pessoas que se sentem infelizes, passadas para trás, azaradas, vitimizadas pela vida e esquecidas por Deus agem dessa forma. O hábito infantil de chupar o dedo pode ser representado, quando adulto, pelo hábito de roer unhas ou até mesmo o vício do cigarro. Tiques nervosos como, abanar-se muitas vezes, ficar dando pequenos sopros ou piscando muitas vezes em seguida ou em seqüências numéricas constantes, precisam ser compreendidos nas crianças para que não permaneçam até a idade adulta. São indicativos de estados emocionais alterados que, quando adultas podem assim permanecer e tornarem-se comportamentos praticamente permanentes. Serão adultos que acabarão por envergonhar-se de tais tiques ou hábitos e isso contribuirá para desajustes sociais, além de serem alvos de críticas e até mesmo de segregação.  “Carregar paninhos: comum em crianças pequenas que, talvez não estejam aceitando a separação da mãe. O paninho funciona como substituto da figura materna”. Os apegos que adultos possuem a certos objetos, além de significar comportamentos compulsivos também podem se comparar a paninhos que vivemos carregando pela vida. Podem tornar-se pessoas inseguras, que se sentem ridículas por não apresentarem comportamentos de desembaraço, desenvoltura pessoal, atreladas que estão a hábitos constrangedores ou apegos que não lhes permitem ampliar a vida e vivê-la como pessoas responsáveis que se apropriam devidamente do seu caminho e das suas vidas. Pessoas escravizadas por uso de objetos como amuletos ou que entram em desespero porque o broche que ganhou da avó não está na gaveta certa, podem ser sintomas. Podem tornar-se verdadeiros colecionadores de quinquilharias das quais jamais conseguirão separar-se acumulando cada vez mais. Tantos serão os cacarecos que tentam carregar consigo quanto forem suas lembranças ou frustrações. É claro que estou exagerando um pouco para chamar a atenção, mas crescer e tornar-se adulto, significa sermos capazes de, vez em quando, jogarmos fora os paninhos que ainda carregamos para nos dar segurança ou melhor estado de espírito nesta ou naquela situação. Quando somos capazes de realizar limpezas periódicas nos nossos guardados, temos mais chances de tocarmos em frente os projetos que, realmente, nos cabem administrar e concluir nas nossas vidas.  “Dormir na cama dos pais: criança com medo vai procurar abrigo na cama dos pais que, por cansaço, acabam permitindo. Muitas vezes, quando o marido não está em casa, a mãe deixa que a criança durma com ela”. Esses hábitos não são saudáveis mesmo na vida infantil, mas se permanecem podem também transportar complexos emocionais e comportamentais para a idade adulta. Questões relacionadas à sexualidade quando adultos, podem ter origem em experiências dessa época, seja no sentido de confundir sentimentos com relação às experiências sexuais, seja no sentido de pensar que a proteção do pai ou da mãe, significa proteção contra o sexo seja do parceiro ou do cônjuge. Crianças que precisam dormir com a mãe depois de grande, podem estar demonstrando seqüelas de questões emocionais e de experiências e medos mal vividos ou mal resolvidos quando crianças. Encontrar segurança em dormir com a mãe, depois de grande, pode representar uma pessoa medrosa e que não está se sentindo capaz de planejar e conduzir a sua própria vida. No caso de adultos que se casam ou que passam a viver em uniões consensuais, podem agir como se a cama do casal fosse para proteger-se de suas inseguranças pessoais. Podem assim permanecer perdidos da sua verdadeira identidade quanto às escolhas, decisões, análise de situações problemáticas e ações que tenham que tomar em suas vidas.

“Falar palavrões: o uso de palavrões é mais comum entre os meninos, como forma de se impor frente aos amigos. Atenção: a criança só vai repetir o que ela escutar, principalmente dos adultos”. O palavrão é um recurso que usamos quando precisamos afirmar algo. Através da palavra, nos fazemos mais fortes e nos tornamos capazes de ir além do que a nossa atitude serena e adequada possa demonstrar. Falar palavrões, depois de adulto, soa como extensão das nossas atitudes e dos nossos comportamentos, como se assim a nossa determinação fosse melhor demonstrada ou atestada por quem está nos vendo e ouvindo. É claro que censuramos muito mais o palavrão nas crianças do que nos adultos, pois dizemos que as crianças ainda não sabem o que estão dizendo. Isso quer dizer que os adultos, ao dizer palavrões, então sabem muito melhor o que estão dizendo? Se disse sim, então estamos concordando com o fato de que os adultos são mais fortes, potentes e competentes quando falam palavrões ou que os palavrões transformaram-se em instrumentos de afirmação de suas ideias! Nenhuma das respostas é convincente nem justifica o hábito. Quanto maior for o uso de palavrões, mais significa que precisamos de artifícios para afirmarmos nossas idéias e pontos de vista. Não se trata de ser feio dizer palavrões como ensinam psicólogos especializados em educação infantil. Trata-se de aprender que, dizer palavrão não expressa com precisão o que você está precisando ou querendo dizer. Trata-se de aprender que o uso do palavrão apenas expressa, de forma não clara e pouco precisa para não dizermos incorreta, a raiva, indignação, inconformação ou até mesmo alegria que estamos sentindo. E isso é distorção na expressão dos nossos comportamentos.

“Pegar objetos dos colegas: algumas crianças, por volta dos cinco anos, aprendem a ter noção de que cada um possui seus próprios objetos. E que podem pedi-los emprestado por algum tempo, mas jamais devem levar para casa o que não é seu. Outras vão aprender somente mais tarde”. Não podemos dizer que esse comportamento é normal, no entanto é muito comum. Quase chega a parecer próprio de uma fase da infância. No entanto, adultos e pessoas responsáveis, passam a agir pensando que pegar um ou outro objeto, ou apenas subtrair do seu colega a caneta que ele nem vai perceber que foi perdida, demonstra que tais comportamentos da infância ainda não desapareceram. Isso informa sobre a imaturidade da pessoa ou mesmo uma falha de caráter que precisa ser corrigida. Além do mais, querer brinquedos ou objetos dos outros são reproduções de situações vividas na infância, mas adquirem significados de luta, competição, combatividade e até mesmo demonstração de caráter forte quando manifesta num alto executivo ou quando aparece como característica marcante de um negociador na hora de fechar um negócio. No entanto, o irmão ranheta que briga por que quer o caminhãozinho do seu irmão, pode ser o mesmo adulto que não abre mão de algo que deveria compartilhar com o seu amigo ou com um necessitado que se tornou seu empregado ou seu sócio numa empreitada. Esse mesmo adulto poderá sentir mais dificuldade de compartilhar coisas e repartir bens em prol de uma causa justa e meritória. Comportamentos em adultos autoritários, mimados, que não possuem noção clara dos seus limites e mostram-se sovinas e apegados, podem ter sido as crianças que gostavam de pegar objetos dos colegas.

1) As frases em negrito constantes desse artigo estão formuladas no artigo de Juliana Lolato sob a consultoria da mestra em Psicologia da Saúde, profª. Eliza Helena Ercolin. O restante do texto fazendo as correlações entre os comportamentos das crianças e dos adultos, são de autoria do colunista.