O título da presente abordagem é o mesmo utilizado por Allan Kardec no capítulo XVII de A Gênese, obra integrante da Codificação Espírita e publicada em 1868. A significativa expressão engloba estudos de Kardec sobre diferentes passagens anotadas pelos evangelistas e com a perspectiva de previsão, ou anúncio do que vai acontecer, predito, previsto até por conjectura, em recurso didático bastante utilizado por Jesus nos diálogos com seus discípulos.
O capítulo em referência traz diversos subtítulos com essa finalidade de estudo e análise dos textos dos Evangelhos. No item 30, no texto do subtítulo Parábola dos Vinhateiros Homicidas, traz importante advertência às nossas distrações ou negligências com a evolução moral.
Peço ao leitor ler novamente a parábola, que bem é uma predição do comportamento geral humano frente às lições de amor enviadas por Deus aos filhos, por meio de mensageiros diversos em todos os tempos, culminando com a presença viva de Jesus, que não foi compreendido e morto pela ignorância reinante.
O notável texto de Kardec é de uma atualidade impressionante. Ele inicia assim no item citado (30): “O pai de família é Deus; a vinha que plantou é a lei que estabeleceu; os vinhateiros aos quais arrendou a sua vinha são os homens que devem ensinar e praticar a sua lei; os servidores que enviou para eles são os profetas que fizeram perecer; seu filho que enviou, enfim, é Jesus, que fizeram perecer do mesmo modo. (…)”.
Depois prossegue no texto que desejamos destacar pensando nas desorientações generalizadas que encontramos na atualidade do planeta:
“(…) Que fizeram os homens das máximas de caridade, de amor e de tolerância de Jesus? Que fizeram das recomendações que fez a Seus apóstolos para que convertessem os homens pela brandura e pela persuasão; da simplicidade, da humildade, do desinteresse e de todas as virtudes que Ele exemplificou?! Em Seu nome, os homens se anatematizaram mutuamente e reciprocamente se amaldiçoaram; estrangularam-se em nome d`Aquele que disse: “Todos os homens são irmãos”. Do Deus infinitamente justo, bom e misericordioso que Ele revelou, fizeram um Deus cioso, cruel, vingativo e parcial; àquele Deus, de paz e de verdade, sacrificaram nas fogueiras, pelas torturas e perseguições, muito maior número de vítimas do que as que em todos os tempos os pagãos sacrificaram aos seus falsos deuses; venderam-se as orações e as graças do Céu em nome d`Aquele que expulsou do Templo os vendedores e que disse a Seus discípulos: “Dai de graça o que de graça recebestes”.
E conclui com sabedoria:
“Que diria o Cristo, se viesse hoje entre nós? Se visse os que se dizem Seus representantes a ambicionar as honras, as riquezas, o poder e o fausto dos príncipes do mundo, ao passo que Ele, mais rei do que todos os reis da Terra, fez a Sua entrada em Jerusalém montado num jumento? Não teria o direito de dizer-lhes: “Que fizestes dos meus ensinos, vós que incensais o bezerro de ouro, que dais a maior parte das vossas preces aos ricos, reservando uma parte insignificante aos pobres, sem embargo de haver eu dito: Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros no Reino dos Céus?”. Mas se aqui não está carnalmente, ele o está em Espírito, e, como o senhor da parábola, virá pedir contas aos seus vinhateiros do produto de sua vinha quando o tempo da colheita houver chegado.”
Valemo-nos, diante de tanta clareza, todavia, do capítulo XV – Fora da Caridade não há salvação, de O Evangelho Segundo o Espiritismo, onde estão os belíssimos textos da Parábola do Bom Samaritano, da Necessidade da caridade segundo São Paulo e a extraordinária “bandeira” do Espiritismo: Fora da Caridade não há salvação.
É desse luminoso capítulo que extraímos do comentário de Kardec, no item 3: “Toda a moral de Jesus se resume na caridaerrde e na humildade, quer dizer, nas duas virtudes contrárias ao egoísmo e ao orgulho (…)”. É aqui que queríamos chegar. As desorientações em curso, com as perturbações sociais de variados graus de intensidade, com desdobramentos desafiadores, provém do egoísmo e do orgulho.
E Kardec abrilhanta com seu raciocínio objetivo, no mesmo item: “(…) Em todos os seus ensinamentos, ele mostra essas virtudes como sendo o caminho da felicidade eterna. Bem-aventurados, disse ele, os pobres de espírito, quer dizer, os humildes (…)”.
A humildade é a virtude que nos tem faltado ao coração; o egoísmo ainda nos avassala os sentimentos. Paulo, o Apóstolo, nos chama a atenção em sua conhecida Epístola sobre o sentimento contrário ao egoísmo em trecho também destacado por Kardec no mesmo capítulo: “(…) A caridade é paciente, é doce e benfazeja; a caridade não é invejosa; não é temerária e precipitada; não se enche de orgulho; não é desdenhosa; não procura seus próprios interesses; não se melindra e não se irrita com nada; não suspeita mal; não se regozija com a injustiça, mas se regozija com a verdade; tudo suporta, tudo crê, tudo espera, tudo sofre (…)”.
Percebe-se com clareza que o momento aflitivo, de conturbação, com guerras, conflitos, prevalência dos interesses pessoais em detrimento do interesse coletivo, é fruto do egoísmo ainda imperante no comportamento humano. A parábola em referência é bem uma advertência para que prestemos atenção aos “chamados” de fraternidade, incessantemente enviados ao nosso sentimento individual e coletivo.
A conclusão da parábola – que necessita ser entendida além das palavras – é verdadeiramente um predição: “(…) o senhor (…) arrendará a sua vinha a outros vinhateiros, que lhe entregarão os frutos em sua época.”, conforme anotou Mateus no capítulo XXI, v. de 33 a 41.
Por isso, para aqueles que nos consideramos cristãos, o apelo é direto, como afirma o mesmo Paulo, igualmente no mesmo capítulo XV de O Evangelho Segundo o Espiritismo, item 10: “(…) Submetei todas as vossas ações ao controle da caridade; (…) não somente ela vos evitará de fazer o mal, mas vos levará a fazer o bem: porque não basta uma virtude negativa, é preciso uma virtude ativa; para fazer o bem, é preciso sempre a ação da vontade; para não fazer o mal, frequentemente, a inércia e a negligência (…)”.
Ação da vontade! Afinal, conclui o apóstolo: “(…) todos aqueles que praticam a caridade são os discípulos de Jesus, qualquer seja o culto a que pertençam.”