Tamanho
do Texto

A Pedagogia Espírita

A Pedagogia Espírita

Dora Incontri

Palestra Virtual Promovida pelo Canal #Espiritismo (http://www.irc-espiritismo.org.br) em conjunto com o Centro Espírita Léon Denis (http://www.celd.org.br)

Rio de Janeiro

09/07/1999

Organizadores da palestra:

Moderador: “Caminheiro” (nick: Moderadeiro)

“médium digitador”: “Brab” (nick: Dora_Incontri)

Oração Inicial:

 Nosso Pai, muito querido, pedimos, neste momento, que a luz do alto se faça presente em nossos corações, de forma que nossa palestrante esteja plenamente envolvida pelos guias espirituais e que cada um de nós esteja aberto a receber os conhecimentos e ensinamentos que serão proporcionados. Dá-nos, Pai, sabedoria! Envolve-nos em bençãos e educa-nos no amor! Assim seja.

Apresentação do palestrante:

 Boa noite, estou especialmente excitada por fazer a minha primeira palestra pela Internet. Pedagogia espírita é o tema com o qual tenho me relacionado já há vários anos. Sou jornalista, mas desviei-me para o campo da educação, fiz mestrado na USP sobre Pestalozzi, estou fazendo doutorado sobre Pedagogia Espírita, também na USP. Tenho escrito vários livros a respeito e ando falando Brasil afora sobre esse tema. Nasci em família espírita, sou médium desde 11 anos de idade e as duas grandes influências na infância e na adolescência que me levaram para a educação espírita foram a minha mãe e o Professor José Herculano Pires, de quem me considero discípula. 

Considerações iniciais do palestrante:

A pedagogia espírita está entranhada nas obras de Kardec e tem sua origem nos antecessores do Espiritismo, que são os grandes pedagogos que antecederam o Mestre de Lyon. Na Antiguidade, Sócrates e Platão, depois Comenius no Século XVII e Rousseau e Pestalozzi, todos eles deram contribuições importantes que desembocam numa proposta espírita de educação, mas a prática da pedagogia espírita começou no Brasil com Eurípedes Barsanulfo, em Minas Gerais, no começo do Século XX, depois vieram outras experiências e outros teóricos, entre eles Herculano Pires, que foram dando suas contribuições para a elaboração de um pensamento pedagógico espírita. Atualmente, cabe-nos sistematizar melhor todas as idéias esparsas e darmos corpo à pedagogia que deve formar o homem do futuro.

Perguntas/Respostas:

 Baudelot e Establet falam de uma função altamente reprodutora da escola e da educação. De que forma age neste tópico a pedagogia espírita – o tópico da “reprodução”?

 A pedagogia espírita deve formar um homem novo e a escola espírita deve ser uma escola completamente revolucionária, rompendo com o sistema vigente, pois a educação tradicional já não atende as necessidades do homem à beira do terceiro milênio. A escola deve ser antes renovadora do que reprodutora do Status Quo.

 Dora, li quase todo seu livro “Kardec Pedagogo”, no qual você deixa entrever que as preocupações do Codificador para com a educação já era meio que uma premonição da tarefa que ele desempenharia mais tarde, como Espiritismo. Pode ampliar um pouco esse pensamento?

 Acredito que Kardec só poderia mesmo ser um educador para realizar a tarefa de codificar o Espiritismo, porque a própria Doutrina é uma proposta pedagógica e pretende promover a educação do Espírito. Se tivesse sido um cientista na forma tradicional, talvez o Espiritismo tivesse ficado apenas nos fenômenos de efeitos físicos. Se fosse um filósofo de gabinete, talvez o Espiritismo tivesse pendido para uma especulação excessiva da metafísica. Se fosse um sacerdote, talvez o Espiritismo tivesse se tornado uma seita a mais entre as tantas que existem. Sendo educador, Kardec direcionou o Espiritismo para a sua verdadeira função: de sintetizar o conhecimento humano reunindo todas as áreas e, ao mesmo tempo, propor ao homem um caminho de auto-educação. 

 O exemplo de Summer Hill – de Neil – nos apresenta a possibilidade de uma educação liberal e libertária, que respeita, acima de tudo, o educando, suas vontades e suas características pessoais. Estaria aí um exemplo do que deveria/poderia ser uma escola espírita?

 A liberdade é uma das facetas essenciais da pedagogia espírita. Pestalozzi, em Yverdon, praticava essa liberdade de ação em que as crianças podiam escolher atividades e até poderiam entrar e sair do castelo à vontade. Nos EUA, na década de 30, outra experiência interessante, a do padre Flanagan, também mostrou que a liberdade é fator preponderante inclusive na recuperação de crianças e adolescentes considerados delinqüentes. Flanagan fundou a cidade dos meninos, onde os próprios adolescentes geriam a comunidade, trabalhavam e tinham plena liberdade de entrada e saída. No caso de Summer Hill, o fator liberdade é bastante elogiável, mas do meu ponto de vista faltou a Neil a afetividade e a concepção espiritualista que tanto Pestalozzi quanto Flanagan possuíam, porque a preponderância moral de ambos garantia que a liberdade tivesse um resultado positivo. 

 De que forma podemos expor nossos conhecimentos espíritas àquelas pessoas sofredoras, mas não seguidoras da Doutrina?

 Um dos princípios essenciais do Espiritismo é o respeito à consciência alheia. Assim, seja para pessoas sofredoras ou não, a nossa postura de espíritas nunca pode ser proselitista, doutrinante. Se indagados sobre o conteúdo da Doutrina, expliquemo-lo da melhor maneira possível, mas nunca devemos impor a ninguém a nossa visão de mundo. O nosso exemplo é que deve contagiar e atrair. 

 Dora: poderia explicar de forma bem pragmática o que significa sua frase: “A escola deve ser antes renovadora do que reprodutora do Status Quo”?

De maneira bem pragmática: enquanto permanecerem carteiras enfileiradas com uma lousa na frente, as crianças sentadas, passivas, apenas ouvindo falar coisas que elas não sabem de onde vem, nem para que servem e nem se algum dia vão usar; a escola estará formando pessoas sem iniciativa, sem espírito crítico, sem ímpeto de liderança, e sem possibilidade de mudar o mundo. A escola precisa mudar para formar pessoas que possam mudar as coisas. 

 E essa liberdade toda, não diminui a responsabilidade das crianças? Como aprender e ter, ao mesmo tempo, responsabilidade?

 Dizia Herculano Pires que a “responsabilidade é uma flor delicada que só nasce no solo da liberdade”. Ninguém aprende a ser responsável apenas obedecendo ordens. Ninguém aprende a agir moralmente agindo sempre sob coerção. A virtude moral só pode brotar da livre escolha do indivíduo. Aliás, a própria pedagogia Divina age assim conosco, ela nos deixa aprender com nossos próprios erros, para alcançarmos a moralidade no clima da liberdade. 

 Na direção de uma escola eminentemente espírita devemos exortar os educandos a seguir nossa visão de mundo ou educá-los apenas com o exemplo?

 A pedagogia espírita pode e deve ser praticada com pessoas (sejam crianças, adolescentes, jovens, adultos) de qualquer credo ou visão de mundo. A pedagogia espírita é uma visão da educação, é uma proposta diferenciada de praticá-la. Não significa, necessariamente, ensinar o conteúdo espírita. Esse conteúdo só deve ser ensinado àqueles que assim o desejarem. Refiro-me à escola, que é um lugar que deve acolher pessoas de qualquer origem ou religião. Não se dá o mesmo na família, onde os pais espíritas têm o dever de mostrar aos filhos a sua cosmovisão. 

 Paulo Freire defendeu a educação como forma de conquista de liberdade para os homens. Jesus, o Magnífico Educador, nos disse que quando conhecêssemos a verdade, ela nos libertaria. Seria a educação espírita um caminho para se atingir o conhecimento dessa verdade? Quais as implicações sociais de uma educação espírita, do ponto de vista da libertação do educando?

 Em primeiro lugar, a pedagogia espírita reconhece que estamos sempre lidando com uma vontade livre quando lidamos com o educando. O que o educador pode e deve fazer é convidar, contagiar, estimular, despertar essa vontade para que ela se assuma no sentido da evolução moral e intelectual. Quanto maior o amor, a doação, o desinteresse, a abnegação do educador, maior poder ele terá de conquistar a adesão livre do educando para que ele mesmo promova a sua auto-educação.

 A escola espírita é, então, uma das grandes opções para receber os espíritos que estão reencarnando e que possuem uma inteligência que, para muitos, é considerada acima da média?

 Sem dúvida alguma os Espíritos que estão voltando para semear os novos tempos não estão mais se adaptando ao esquema tradicional da escola. Tanto isso é fato que qualquer professor hoje sabe dos problemas de disciplina e desinteresse que existem nas escolas. Esses problemas demonstram que a escola não está adequada às atuais gerações. É preciso uma escola muito mais ativa, dinâmica, que respeite a inteligência das crianças, mas é também preciso uma escola que saiba que a criança é um ser reencarnado e a finalidade da sua educação não é apenas moldá-la para o mercado de trabalho, mas para a sua realização humana, para o cumprimento da sua missão e para a sua transcendência. 

 Devemos educar para que as crianças sejam pessoas transformadoras do mundo ou de si mesmas? Qual é mesmo a proposta da pedagogia espírita?

 A pedagogia espírita jamais poderia ser uma pedagogia conservadora, do ponto de vista social e mesmo político. Basta ler alguns trechos das Leis Morais de “O Livro dos Espíritos”, como, por exemplo, os itens referentes à igualdade, à liberdade, etc, para vermos que o Espiritismo tem uma proposta de reforma social bastante explícita. Minha mãe, Cleusa Beraldi Colombo, já desencarnada, fez uma tese na PUC-SP sobre as idéias sociais espíritas, estudando o componente de reforma que o Espiritismo propõe. Essa tese está publicada pela minha editora (Comenius), sob o título “Idéias Sociais Espíritas”. 

 Snyders é um filósofo da educação bem bacana! Ele defende o fim da “carranquice da escola” em seu livro “A Alegria na Escola”. Morando na periferia de S. Paulo, vejo as escolas públicas funcionando como locais de encontro da comunidade. Sem dinheiro para outros programas, os adolescentes se arrumam, maquiam, perfumam; para irem à escola. Fazem dela o “point da turma”. Como deve o educador espírita ver e viver seu papel na escola pública da periferia (em relação ao educando, aos demais educadores e à comunidade)?

<Dora_Incontri> É verdade que a escola deve recuperar a alegria, a vitalidade, o estímulo e deixar de ser essa prática chata e monótona de que nenhuma criança gosta. Porém, acho que essa sua observação nas escolas de periferia de São Paulo demonstra antes uma ausência de uma proposta de fato educacional. O educador não pode ser coercitivo, mas deve se empenhar para despertar um processo de aprendizagem prazeroso, porém sério e produtivo. (t)

 O que dizer então das escolas de evangelização do setor 3 da Fraternidade dos Discípulos de Jesus, quanto à passividade com que se ouve palestras lá, quase sem poder discutir? Como essa proposta que você nos traz afeta os moldes da evangelização infantil e juvenil, no movimento espirita de hoje?

 O movimento espírita está muito longe de praticar uma pedagogia espírita. Tem simplesmente adotado os moldes tradicionais de educação de forma autoritária em que o freqüentador dos cursos é sempre tratado de forma paternalista. É preciso que, no centro espírita, quando quisermos ensinar um conteúdo espírita, esse conteúdo seja trabalhado dentro de uma proposta pedagógica espírita. Isso significa incentivar a participação, a interação, o diálogo, o debate livre, o estudo em grupo e abolir todas as formas de coerção. 

 Ao falar das escolas da periferia, desejei ir além da questão pedagógica, enquanto um questão apenas para a sala de aula. Ao pensarmos numa escola voltada para a comunidade como um todo, desejei questionar a história de uma escola antes para toda a comunidade que apenas para as crianças. Nãos seria essa uma proposta pedagógica realmente inovadora?

 Considero, sim, que a escola deve estar conectada com a realidade à sua volta, fazendo pontes com a comunidade para que a educação recupere a sua ligação com a vida. Atualmente, a escola vive de abstrações desconectadas de qualquer experiência concreta, de qualquer conteúdo real. 

 Na Escola de Aprendizes do Evangelho temos horário e presença rígida, a partir de 7 faltas no 1º ano o aluno é obrigado a repor as aulas perdidas e a partir de 14 faltas ele tem que repetir o ano novamente. O que nos diz deste método de disciplina?

 Dou um curso de pedagogia espírita no Instituto Espírita de Estudos Pedagógicos em São Paulo de que sou um dos membros fundadores e lá funciona da seguinte maneira: os alunos começam a assistir o curso no período do ano em que desejarem. Se perderam os primeiros meses, eles os fazem no ano seguinte. A freqüência é controlada apenas pró-forma, não há notas, não há provas, não há questionários. Os alunos adoram o curso, se interessam, participam. Para mim é a melhor prova de que estão aprendendo algo. Na Sociedade de Estudos Espíritas de Paris, dirigida por Kardec, os freqüentadores eram tratados com o mesmo respeito à sua liberdade. 

 A educação, como se processa atualmente, perde em qualidade em relação aos tempos antigos, quando era ministrada ao ar livre?

 Desde Rousseau sabemos que uma das exigências mais prementes para a educação é conectar o homem novamente com a natureza. Tanto é que considero uma escola espírita, nos moldes aqui discutidos, necessariamente, cercada de verde, com aulas ao ar livre, com espaço vital para que a criança possa se expandir e interagir com a Natureza. 

 Pensando em educação espírita dentro da casa espírita, o que pensar do construtivismo como metodologia e objetivo na evangelização? Como aplicá-lo ali?

 O construtivismo está muito em voga no Brasil como se fosse uma grande novidade pedagógica. Entretanto, ele vem desde o tempo de Sócrates e Platão passando por Rousseau e Pestalozzi. A idéia central do construtivismo é a de que o indivíduo constrói o seu próprio conhecimento e só pode fazê-lo através da ação. Essa idéia é absolutamente verdadeira. Mas o construtivismo geralmente aplicado e estudado entre nós é um construtivismo materialista, porque é baseado em Vigotsky e Piaget, ao passo que o construtivismo desses outros autores que antecederam o Espiritismo é um construtivismo espiritualista. Poderíamos, portanto, dizer, a grosso modo, que a proposta de pedagogia espírita é um construtivismo espiritualista. 

 Levando-se em conta que a educação convencional atende a certos interesses, digamos, “oficiais”, de que modo a pedagogia espírita poderia colaborar com o sistema de ensino vigente?

 Acredito que as reformas verdadeiramente revolucionárias só poderão ocorrer fora do sistema oficial. O Estado é um entrave ao progresso da educação porque tem muitos interesses imiscuídos. Também as escolas particulares dependem da mentalidade de quem as paga, portanto, dos pais e estes nem sempre estão sensibilizados para as mudanças necessárias. Talvez a solução sejam escolas em forma de cooperativa, onde nem o Estado pode colocar limites e nem o dinheiro entre como fator que regule a pedagogia. 

<Moderadeiro> Duas perguntas que se relacionam: [19] <Chiz> A evangelização espírita realizada nos centros desconhece a pedagogia espírita? [20] <Alfie> Se nas escolas dos centros espíritas a pedagogia espírita não é aplicada, como poderíamos preencher essa lacuna entre os nossos próximos, para o ensino da doutrina?

 Já foi dito aqui que infelizmente os centros espíritas ainda não praticam a pedagogia espírita. Precisamos recuperar o tempo perdido estudando seriamente as propostas educacionais espíritas e aplicá-las com crianças, adolescentes, jovens e adultos. 

 O Exemplo vivo da Doutrina estaria relacionado à pedagogia espírita?

<Dora_Incontri> Sim. Antes de tudo, o educador deve ser aquele que exemplifica e contagia o educando. O exemplo arrasta e as palavras somem ao vento. 

 O que pensar do tema “Alfabetização de Adultos” nas casas espíritas? Muitos templos religiosos cedem seus espaços para isso. Deveríamos fazer o mesmo nos centros de que participamos? E como relacionar essa alfabetização de adultos com pedagogia espírita?

 O Centro Espírita não só deveria fazer a alfabetização de adultos como promover todos os tipos de educação e de incentivo à cultura. Disse o Espírito da Verdade na mensagem que ditou a Kardec e que consta em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”: “Espíritas, amai-vos e instruí-vos”. Assim, o movimento espírita deveria fazer muito mais do que faz para instruir o povo e dar-lhe os instrumentos necessários à sua evolução moral e intelectual. Mas todas as propostas educacionais deveriam ser inspiradas numa visão espírita de educação, o que implica métodos participativos e respeitadores da individualidade dos alunos. 

 Considerando que moral é algo que varia entre povos, raças, épocas, etc.; podemos então dizer que a pedagogia espírita visa implantar no homem a ética e não a moral?

 Não é verdade que a moral varia entre povos, raças e épocas. Este é um conceito relativista da moral, não é o conceito espírita. Basta ver que em “O Livro dos Espíritos” há toda uma parte dedicada às leis morais e essas leis são consideradas atemporais e supra-culturais porque estão inscritas na consciência humana. O que variam são os costumes, são as diversas interpretações da moral. A ética é o ramo da filosofia que estuda a moral e, popularmente, poderíamos dizer que ética e moral são uma e a mesma coisa, apenas a palavra “moral” anda desgastada e é muitas vezes vista como moralismo e por isso muita gente prefere usar a palavra ética. Parece mais “chique” e menos piegas. 

 A metodologia espírita de ensino seria aplicada de forma invariável, independente da classe sócio-econômica dos educandos que freqüentam a escola?

 A pedagogia espírita não é como a pedagogia marxista, que considera o ser humano diferente dependendo da classe social de que ele se origina. Pedagogia espírita dirige-se ao espírito eterno. É evidente que há componentes sociais, influências do meio, que deverão ser consideradas na aplicação de uma pedagogia espírita. Porém, ela é muito mais universal que classista. 

 Skiner nos ensinou que o condicionamento seria um caminho viável de transformação do ser humano. Será que se fundássemos comunidades espíritas, conseguiríamos aí, dentro delas, condicionar nossos filhos dentro de uma educação verdadeiramente voltada para os ideais espíritas?

 Skiner, com a sua Teoria do Condicionamento, é simplesmente aquilo que mais se opõe a uma pedagogia espírita. Ele via o ser humano apenas como um ser animal cujo comportamento deveria ser condicionado na base da coerção ou do estímulo. A pedagogia espírita vê o homem como um ser espiritual livre e transcendente que deve usar a sua razão para construir o seu ser e para conquistar a sua moralidade. 

 Em que pontos coincidem as pedagogias espírita e marxista? Haveria algum ponto em que ambas se toquem ou se devessem tocar?

 Desculpe, mas como anarquista não sou muito simpatizante do dogmatismo marxista. Acho que aquilo que Marx teve de positivo em suas teorias ele as tirou dos socialistas utópicos que o antecederam e as mesmas teses aparecem também nas propostas anarquistas, com a diferença de que Marx, no fundo, era autoritário. A visão marxista reduz o homem ao seu aspecto social, vendo nele apenas o produto do seu meio. A visão espírita, evidentemente, leva em conta o ser social, mas enxerga o homem transcendente. Esse ponto de partida diferenciado é que provoca as divergências. 

 Dora, poderia nos dizer o que pensa sobre educação religiosa nas escolas públicas?

 Êta tema polêmico! Mas vou adotar uma opinião que geralmente não é a opinião do movimento espírita. Acho que a dimensão religiosa na educação é essencial. Tirar a religião do conteúdo do ensino é amputar um dos aspectos fundamentais do ser humano. É evidente que nem na escola pública, nem e em nenhuma outra escola, a religião deve ser objeto de doutrinação. Precisaríamos preparar professores que soubessem dar aulas de religião comparada, respeitando as diversas manifestações da religiosidade humana, e, considerando aquilo que existe de comum em todas elas. Eu mesma já realizei experiências interessantes nesse sentido com crianças de todas as idades numa escola particular em São Paulo. 

 Gostaria de pedir à Dora que fale sobre Eurípedes Barsanulfo e Dr. Thomás Novelino. E gostaria também que ela fale sobre a pedagogia do amor e sobre a pedagogia de Jesus.

 Nessa resposta poderia escrever um livro. Eurípedes Barsanulfo foi, na minha opinião, o maior educador espírita brasileiro. Foi ele que dirigiu o primeiro colégio espírita do mundo, Colégio Allan Kardec, e lá se praticava de fato uma pedagogia diferente. O Alessandro, que está aqui comigo e faz parte do Instituto Espírita de Estudos Pedagógicos está atualmente realizando uma pesquisa a respeito de Eurípedes. Tomás Novelino, que foi discípulo de Eurípedes, fundou o Educandário Pestalozzi, uma escola espírita em Franca que também abriu caminhos para a pedagogia espírita. A pedagogia do amor é a pedagogia espírita. Falamos aqui já em liberdade, em moralidade, em autonomia, mas aquilo que realmente vai promover a educação do homem, garantindo que ele direcione a sua liberdade para o bem é a força do amor que o educador tiver por ele. Exemplo desse amor está em Jesus. Há milênios que ele trabalha pela evolução da humanidade, sendo o mentor e o Mestre da nossa educação, mas não usa conosco nenhum meio violento ou impositivo. Ele nos ama, se sacrifica por nós, trabalha incessantemente e espera a nossa adesão ao seu projeto de estabelecer o Reino de Deus na Terra. 

Dora, em seu livro “Educação Segundo o Espiritismo”, você afirma que “o homem é um ser interexistente”. O que significa isso e que tem a ver com educação?

 Esse termo “interexistente” foi criado por Herculano Pires, significa que o homem não existe apenas no mundo como um ser carnal, mas interexiste como ser carnal e como ser espiritual. Ele não vive apenas mergulhado na matéria, mas expande-se, está em constante sintonia com o mundo espiritual, seja através do sono, da mediunidade, da percepção intuitiva, etc. Aplicando-se isso na pedagogia, devemos educar o indivíduo para que ele possa construir-se tomando consciência de sua interexistência e não se considere apenas um bicho da Terra cujo destino é o pó. 

 Que papel pode exercer uma sala espírita de “chat” na educação das pessoas, desde o ponto de vista de uma pedagogia espírita?

 É muito importante que todos os recursos tecnológicos sejam usados para que a idéia espírita brilhe na sua proposta pedagógica e cultural. É fundamental que tudo aquilo que divulgarmos para o mundo não tenha um caráter puramente religioso e nem caia numa linguagem excessivamente mística. É verdade que o Espiritismo tem a sua dimensão religiosa, mas ela é parte integrante de um todo mais abrangente.

 Como libertar a educação da utopia, ao falar-se em “educação reprodutora do Status Quo”? Como “fazer-se a cabeça” dos professores de nosso tempo?

 Por que libertar a educação da utopia? Não entendi bem a sua pergunta. A utopia é aquilo que nos move para o progresso, é o ideal que nos inspira, é uma visão do futuro. Portanto, a escola tem que propor uma utopia. Só assim sairíamos da mesmice e da passividade em que nos encontramos. Os professores precisam se tornar conscientes do seu papel de agentes transformadores e formadores do futuro. Devem estar embebidos de uma visão utópica para que a sua prática possa ganhar qualidade e eficácia. 

 O método espírita de ensino seria aplicável nos institutos de instrução militar? Como conciliar a força do amor com a força das armas?

 Considero que a proposta espírita seja uma proposta pacifista. A pedagogia espírita não tem conciliação possível com a disciplina militar, rígida, opressora da individualidade, doutrinadora das consciências. Ghandi, o maior espírito do século XX e um dos maiores já reencarnados na Terra pregou a não-violência como forma de atingirmos uma sociedade ideal. Acredito que todo espírita tem o dever de aderir à não-violência, porque é a não-violência a própria essência do Cristianismo. (t)

 Que conselhos você daria afim de facilitar a aplicação da pedagogia espírita em um canal de IRC?

 Linguagem acessível, dinâmica, postura crítica e aberta, objetividade, rapidez de raciocínio e conhecimento profundo de Kardec. 

 Como você vê a criação de escolas regulares de orientação espírita? Pode isso ajudar ou atrapalhar os objetivos doutrinários?

 Já tardamos muito em nosso dever de criar escolas espíritas. Entendendo-se, porém, que essas escolas não são escolas proselitistas, onde todas as crianças deverão ser ou se tornar espíritas, mas devem ser escolas onde se aplique uma pedagogia espírita, onde todas as crianças devem ser vistas como espíritos reencarnados e tratadas como tal.

Considerações finais do palestrante:

Adorei participar. As perguntas foram inteligentes, os interlocutores estão de parabéns e a mensagem final é de que devemos nos conscientizar de que o Espiritismo é, em si mesmo, uma proposta pedagógica. Podemos melhor entendê-lo e melhor praticá-lo quando assim o consideramos, deixando os vícios igrejeiros do passado e trabalhando por uma civilização nova onde a cultura seja elevada e espiritualizada. (t)

Oração Final:

 Pai Amado, humildemente nós lhe agradecemos pelas instruções que recebemos na noite de hoje. Possa, Senhor, estas belas palavras entrarem no mais profundo dos nossos conscientes, para que, ao compreendê-las em sua profundidade, possamos, também, colocá-las em prática. Sejamos, Pai Querido, os exemplos de alunos e mestres para as futuras gerações, com todo o conhecimento que esta amada doutrina nos dá. Aproveitamos, Senhor, para pedir-lhe que ilumine sempre os caminhos de nossa irmã Dora, para que ela possa levar avante este trabalho de elucidação de seus irmãos. E que teus mensageiros divinos estejam sempre conosco, a nos orientar, também. Sê conosco, Senhor, agora e sempre. Que assim seja!

 

Unidades Feal

FUNDAÇÃO ESPÍRITA ANDRÉ LUIZ |||

Feal

Você gostou deste conteúdo?

Há décadas a FEAL - Fundação Espírita André Luiz assumiu o compromisso de divulgar conteúdos edificantes voltados ao bem estar dos seres humanos gratuitamente e, com a sua ajuda, sempre será.

Podemos contar com você?
logo_feal radio boa nova logo_mundo_maior_editora tv logo_mundo_maior_filmes logo_amigos logo mundo maior logo Mercalivros logo_maior