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A Reencarnação no Evangelho

A Reencarnação no Evangelho

No jornal o Estado de Minas, datado de 13.06.1999, na coluna Testemunho
Cristão, um consulente pergunta: “Tenho lido a Bíblia à procura de ao menos uma
frase que seja contra a re-encarnação, etc., cuja resposta da articulista foi:
Entre numerosas evidências, de que são fartas as páginas sagradas, cito-lhe duas
muito incisivas e fortes”. A nossa vida é a passagem duma sombra e não há
regresso depois da morte, porque é posto o selo e ninguém torna” . (Sab 2,5). Na
carta de S. Paulo aos hebreus, lemos: “E assim como está decretado que os homens
morram UMA SÓ VEZ, e que depois disso se siga o julgamento, assim também Cristo
se ofereceu uma só vez…” (9, 27).

Como queremos saber o que pensam outros segmentos religiosos temos por hábito
de, sempre que possível, ler esta coluna. Desta vez, o tema chamou-nos a atenção
e achamos que deveríamos pesquisar na Bíblia as passagens citadas.

Interessante como pegam frases isoladas de um texto para tentar justificar
suas posições, sem levar em conta o contexto em que elas se encontram. O que é
grave nisto é que aos que não têm o hábito de verificar em qual contexto a
passagem se encontra, acabam convencendo de que aquilo é uma verdade, pois,
geral-mente, têm a Bíblia como infalível, não se preocupam de eles mesmos irem
ao encontro da verdade, simplesmente aceitam os pensamentos que lhe são passados
pelos outros.

A primeira passagem que citam como prova de que não existe a reencarnação
inicia-se assim; Dizem, com efeito, nos seus falsos raciocínios: Curta é a
nossa vida e cheia de tristezas, para a morte não há remédio. Não há notícia de
ninguém que tenha voltado da região dos mortos. Um belo dia nascemos, e depois
disso, seremos como jamais tivéssemos sido! É fumaça a respiração de nossos
narizes, e nosso pensa-mento uma centelha que salta do bater de nosso coração!
Ex-tinta ela, nosso corpo se tornará pó e o nosso espírito se dissipará como
vapor inconsistente! E ninguém se lembrará de nossas obras. Nossa vida passará
como os traços de uma nuvem, desvanecer-se-á como uma névoa que os raios de sol
ex-pulsam, e que seu calor dissipa”.

A partir daí, sim é que temos o versículo 5: “A passagem de uma sombra.
Eis a nossa vida, e nenhum reinicio é possível uma vez chegado o fim; porque o
selo lhe é aposto e ninguém volta”.

Daí continua até o versículo 20, onde o autor do livro procura mostrar o que
pensam os ímpios.

Voltemos à narrativa, agora nos versículos 21-23: “Eis o que pensam, mas
enganam-se, sua malícia os cega: eles desconhecem os segredos de Deus, não
esperam que a santidade será recompensada e não acreditam na glorificação das
almas puras. Ora, Deus criou o homem para a imortalidade e o fez à imagem de sua
própria natureza”.

Já vemos neste texto, de absoluta clareza, que não se trata de contradizer a
tese da reencarnação, mas sim é mostrado de que maneira os ímpios pensavam sobre
vida além túmulo, não acreditavam que depois da morte pudesse existir alguma
coisa, para eles era o nada.

Constatamos, assim, que este texto não tem nada que possamos tirar como
contestação da reencarnação, ficando, portanto, derrubado o primeiro argumento.

Vamos agora ao texto de S. Paulo, em Hebreus 9, 27, mas antes devemos saber
que é retirado de parte da carta enviada aos hebreus, onde ele tenta mostrar que
o sangue oferecido nos sacrifícios não pode apagar nossos pecados e que Cristo
ao dar seu sangue, na cruz, pagou os nossos vários pecados. Aí completa:
“Como está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o
juízo, assim Cristo se ofereceu uma só vez para tomar sobre si os pecados da
multidão, e aparecerá uma segunda vez, não, porém, em razão do pecado, mas para
trazer a salvação àqueles que o esperam”.

Devemos sempre ter em mente que na Bíblia não consta tudo e nem toda a
ciência ali está, o próprio Jesus disse: que tinha muitas coisas para dizer, mas
como os apóstolos ainda não eram capazes de compreender, não iria dizer.

Por outro lado, não devemos tomar como leis as opiniões pessoais dos
apóstolos, pois seus pensamentos representam sempre o contexto cultural da época
em que viveram.

Dito isto, vamos verificar que se realmente fosse dado ao homem morrer uma só
vez, as ressurreições constantes do Evangelho (Mateus 9, 18-26; Lucas 7, 11-17 e
João 11, 1-44, da filha de Jairo, do filho da viúva de Naim e de Lázaro,
respectivamente) seriam uma contradição perante esta Lei, pois, nestes casos,
estas pessoas que voltaram à vida tiveram duas mortes, ou não?

Ainda mais, se logo em seguida vem o julgamento. Não vemos nenhum sentido no
juízo final (pensamento deles), pois seríamos julgados duas vezes. Se realmente
houvesse dois julga-mentos estaríamos diante de uma aberração da justiça divina,
pois valeria dizer que um não foi perfeito, o que equivaleria afirmar que Deus
não agiu com perfeição, o que é um absurdo. Na hipótese do espírito ser
condenado ao “fogo eterno” no primeiro julgamento, seria possível que, no
segundo julgamento, ele fosse ab-solvido, ora se isto acontecer fica evidente
que ele foi condenado injustamente. Vemos nisto só incoerência, assim não
podemos, seguindo a linha de raciocínio deles, aceitar os dois julgamentos.

Por outro lado, na nossa percepção do texto, partindo para a essência,
podemos afirmar que Paulo tem a mais completa razão, ou seja, neste corpo que
ora habitamos morremos mesmo uma só vez e o julgamento de nossos atos será
realizado em seguida, e ainda mais, teremos sempre um novo julgamento após cada
desencarne.

Como já dissemos pegam os textos conforme suas conveniências, muitos dos
quais se mostram incoerentes com outras passagens do Evangelho.

Vejamos por exemplo: “Porque sabemos que, quando for dissolvido este
corpo, nossa habitação aqui na terra, receberemos de Deus uma habitação, uma
moradia eterna nos céus, que não é feita pela mão humana. Por isso é que
suspiramos nesta nossa situação, ansiosos por revestir-nos do nosso corpo
celeste: sob a condição, porém, de sermos encontrados ainda vestidos e não
despidos”.
(2 Coríntios 5, 1-3).

Esse texto é do mesmo Paulo que foi citado como base contra a reencarnação,
entretanto ele é frontalmente contra a tese da ressurreição da carne, um de seus
principais dogmas. Aqui ele mostra que temos um corpo celeste e é ele que
teremos após nossa morte. Quanto ao corpo físico, este será dissolvido.

Agora nós é que procuraremos demonstrar o contrário, ou seja, que a
reencarnação fazia parte da cultura do povo hebreu e, principalmente dos ensinos
de Jesus.

Teremos para isto que buscar algumas passagens do Novo Testamento que irão
nos dar elementos de convicção.

“Quando ele ia passando, viu um homem que era cego de nascença. Os
discípulos perguntaram: Mestre, quem pecou, para este homem nascer cego,
foi ele ou seus pais? ” Jesus respondeu:” Nem ele nem seus pais, mas isso
aconteceu para que as obras de Deus se manifestem nele” .
(João. 9, 1-3).

Como um cego de nascença poderia ter pecado? Se a cegueira fosse “castigo de
Deus” pelos pecados daquele homem, onde estaria seu pecado, pois era cego desde
quando veio ao mundo. Para ter lógica, somente poderia ter cometido suas faltas
em existências anteriores. Fato que os discípulos acreditavam, pois só assim
justificaríamos a pergunta deles a Jesus: “Quem pecou, para este homem ter
nascido cego, foi eleou seus pais?

Diante do princípio “a cada um segundo suas obras” (Mateus 16, 27), no
dizer do Mestre, ninguém paga pelo erro do outro, ficando a responsabilidade dos
atos atribuída às próprias pessoas que os praticam.

A resposta de Jesus: Nem ele nem seus pais, mas isso aconteceu para que as
obras de Deus se manifestem nele, poderá ser explicada da seguinte forma: diante
de tanta ignorância e atraso espiritual daquele povo havia a necessidade de
Jesus fazer alguns “milagres”, como os fez, no sentido de despertar as criaturas
para as verdades do Pai. Assim, com Jesus encarnaram vários espíritos que vieram
com a tarefa de auxiliá-lo em sua missão e este homem cego era um deles. Aqueles
que escolheu como apóstolos largaram tudo para segui-lo, atendendo ao seu
chamado, que funcionou como lembrete do compromisso que assumiram, quando
estavam no plano espiritual.

“Tendo chegado à região de Cesaréia de Felipe, Jesus perguntou aos
discípulos:” Quem dizem por aí as pessoas que é o filho do homem? “Responderam:
” Umas dizem que é João Batista, outras que é Elias, outras, enfim, que é
Jeremias ou algum dos profetas ” .
(Mateus 16, 13-14; Lucas 9, 18-19; Marcos
8, 27-28).

O povo também acreditava que uma pessoa que já morreu poderia voltar. Ao
dizerem que Jesus seria João Batista, Elias, Jeremias ou alguns dos profetas
confirmam este entendimento, pois todos eles já haviam morrido, inclusive,
destes, somente João Batista foi contemporâneo de Jesus, entretanto à época
desta narrativa já tinha sido morto por Herodes.

“Nesse ínterim, Herodes, o Tetrarca, ouvia falar de tudo o que fazia Jesus
e seu espírito se achava em suspenso – porque uns diziam que João Batista
ressuscitou dentre os mortos; outros que aparecera Elias; e outros que um dos
antigos profetas ressuscitara. – Disse então Herodes:” Mandei cortar a cabeça de
João Batista; quem é então esse de quem ouço dizer tão grandes coisas? E ardia
por vê-lo”.
(Marcos 6, 14-16 e Lucas 9, 7-9).

Nessa passagem encontramos novamente o pensamento do povo a respeito de
Jesus, entretanto, desta podemos tirar, sem nenhuma sombra de dúvida, que
naquele tempo o conceito de ressurreição é o que hoje chamamos de reencarnação.
Conforme o texto, Jesus, no pensamento do povo, poderia ser João Batista ou
mesmo um dos antigos profetas ressuscitado, o que significa em linguagem clara é
que pensavam mesmo na possibilidade de Jesus ser alguém que viveu anteriormente
reencarnado.

“Havia entre os fariseus um, chamado Nicodemos, dos mais importantes entre
os judeus. Ele foi encontrar-se com Jesus à noite e lhe disse:” Rabi, bem
sabemos que és um Mestre enviado por Deus, pois ninguém seria capaz de fazer os
sinais que tu fazes, se Deus não estivesse com ele”. Jesus respondeu:” Eu te
afirmo e esta é a verdade: ninguém verá o reino de Deus se não nascer de novo “.
Disse-lhe Nicodemos:” Como pode nascer um homem já velho? Pode tornar a entrar
no ventre de sua mãe, para nascer segunda vez? ” Jesus respondeu:” Eu vos afirmo
e esta é a verdade: se alguém não nascer da água e do Espírito, não poderá
entrar no Reino de Deus. O que nasce da carne é carne; o que nasce do Espírito é
espírito. Não te admires do que eu disse: é necessário para vós nascer de novo.
O vento sopra para onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem
aonde vai. Assim é quem nasceu do Espírito”.
(João 3, 1-8).

Antes de nossa argumentação vamos ver o que consta em Atos 23, 8: “É que
os saduceus dizem que não há ressurreição, nem anjos, nem espíritos, enquanto
que os fariseus admitem todas estas coisas”.
Nicodemos era um fariseu, assim
deduzimos que ele acreditava na ressurreição, que conforme mostramos
anteriormente, corresponderia dizer que ele acreditava na reencarnação.

Observemos que Nicodemos entendeu o que Jesus quis dizer com o
“nascer de novo”
a dúvida que lhe ficou era: como isto poderia acontecer.
Razão de suas duas perguntas: Como pode nascer um homem já velho? Pode voltar ao
ventre de sua mãe e nascer segunda vez?

Separa distintamente o corpo físico do elemento espiritual, o que
nasce da carne é carne, o que nasce do espírito é espírito.

Algumas correntes religiosas buscam sustentar que o nascer da água
significa nascer de novo pela água do batismo. Entretanto, o sentido, na época,
da palavra água é bem outro. Sabemos que 2/3 da Terra é composto de água, e que
sem água não haveria vida material em nosso planeta. Assim o elemento água é a
ba-se para a manifestação da vida material, aí incluindo, é claro, nosso corpo
físico.

Além do mais, no período de nossa gestação, ficamos por nove meses
dentro d’água, no útero de nossa mãe. Donde concluímos que, neste sentido,
literalmente nascemos da água, não acham?

Quanto à questão do batismo, no Evangelho só encontramos João Batista
utilizando a prática do batismo, não como um rito de iniciação ou para nos
livrarmos do pecado original, mas somente batizava as pessoas que se arrependiam
de seus pecados, era, portanto o batismo do arrependimento. Tanto é que os
fariseus e saduceus o procuraram para serem batizados ele negou-se a fazê-lo
dizendo: “Raça de víboras, quem vos sugeriu escapardes da cólera que está
chegando? Portanto, produzi frutos que sejam o testemunho da vossa conversão,
sem presumirdes que vos basta dizer dentro de vós:” Temos por pai a Abraão”.

(Mateus 3, 7-9).

Mais ainda, se realmente o batismo fosse algo importante a ser feito,
por que é que Jesus não batizou ninguém? Não seria o caso de dar-nos este
exemplo?

Bem, voltemos ao nosso assunto principal, veremos agora o próprio Jesus
confirmar a reencarnação, fato que não combateu, quando do questionamento dos
discípulos acerca do cego de nascença e a respeito de quem as pessoas pensavam
que ele era.

No Antigo Testamento, o profeta Malaquias (3, 23) anuncia a volta de Elias:
“Vou mandar-vos o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do
Senhor, e ele converterá o co-ração dos pais para os filhos, e o coração dos
filhos para os pais, de sorte que não ferirei mais de interdito a Terra”.

A volta é de Elias e não como querem dar ao termo Elias a conotação de
que quer dizer Messias ou Mensageiro.

Em Lucas 1, 11-14, encontraremos o anúncio da chegada de Elias: “Mas o
anjo lhe disse:” Não tenhas medo, Zacarias, porque tua oração foi ouvida: tua
esposa Isabel vai te dar um filho e lhe porás o nome de João
. E
continuando no versículo 17: “Ele o precederá com o espírito e o poder de
Elias, para reconduzir o coração dos pais aos filhos, bem como os rebeldes aos
sentimentos dos justos. Vai preparar assim para o Senhor, um povo bem disposto”.

Se João estaria com o espírito e o poder de Elias, conclusão lógica
que João era o próprio Elias reencarnado.

E finalmente a confirmação que João Batista era o Elias: “Os discípulos
lhe perguntaram:” Por que dizem os escribas, que Elias deve vir antes?
“Respondeu-lhes: “Elias há de vir para restabelecer todas as coisas. Mas eu vos
digo que Elias já veio e não o reconheceram, mas fizeram com ele o que quiseram.
Do mesmo modo, também o filho do homem está para sofrer da parte deles..
Então, os discípulos compreenderam que Jesus lhes tinha falado a respeito de
João Batista”.
(Mateus 17, 10-13; Marcos 9. 11-13).

Não foi Elias reconhecido por estar reencarnado como João. Se fosse o
contrário Jesus não deixaria que seus discípulos continuassem pensando que João
era o Elias, pois em várias passagens, demonstrou conhecer os pensamentos mais
íntimos das pessoas.

E para que não restasse dúvida alguma quanto a isso, vem ele próprio
confirmar: “E, se quiserdes compreendê-los, João é o Elias que estava para
vir. Quem tiver ouvidos, que escute bem”.
(Mateus 11, 14-15).

Aqui fica bem clara e taxativa a reencarnação, pois é da boca do próprio
Jesus que sai a afirmativa de João ser o Elias que estava para vir antes dele, a
fim de preparar-lhe o caminho.

E como sabia que ainda os homens não teriam o completo entendimento de que
realmente falava era da reencarnação acrescenta: “Quem tiver ouvidos, que
escute bem”
.

Bibliografia

  • Bíblia Sagrada. Editora Ave Maria, 68ª Edição, 1989; Novo Testamento. São
    Paulo, SP, LEB – Edições Loyola, 1984.