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Abra a cabeça, homem!

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A expressão usada como título é bastante comum nos conflitos de relacionamento e mesmo em situações descontraídas dos diálogos. O que ocorre é que nem sempre os argumentos ou os fatos vencem e os pontos de vistas divergentes, as maneiras diferentes de enxergar ou entender a vida e suas ocorrências, as circunstâncias, e mesmo os condicionamentos e vícios que muitas vezes nos permitimos – que somados às resistências e paradigmas que criamos – criam barreiras quase instransponíveis para que nos “caia a ficha”, lembrando expressão popular recente.

Mas isso tudo é muito natural. Vimos de experiências, tempos e bagagens diferenciadas, o que cria procedimentos, visão e atitudes completamente diferentes. Se pensarmos, então, em termos de multiplicidade de existências – como ensina claramente o Espiritismo – o assunto agiganta-se porque os traumas e dificuldades do passado, vícios e condicionamentos exercem enorme peso no comportamento atual que se agrava com as dificuldades atuais.

Na Revista Espírita – publicação fundada por Allan Kardec em 1858 –, em sua edição de março de 1865, Allan Kardec, no artigo inicial do exemplar intitulado Onde é o céu?, indica:

  1. (…) A encarnação é necessária ao duplo progresso, moral e intelectual, do Espírito: ao progresso intelectual, pela atividade que está obrigado a desdobrar no trabalho; ao progresso moral, pela necessidade que os homens têm uns dos outros. A vida social é a pedra de toque das boas e das más qualidades. A bondade, a maldade, a doçura, a violência, a benevolência, a caridade, o egoísmo, a avareza, o orgulho, a humildade, a sinceridade, a franqueza, a lealdade, a má fé, a hipocrisia, em uma palavra, tudo o que constitui o homem de bem ou o homem perverso, tem por móvel, por objetivo e por estimulante as relações do homem com seus semelhantes; para aquele que vivesse só, não haveria nem vícios nem virtudes; se, pelo isolamento, se preserva do mal, ele anula o bem. (…)

 

O trecho faz estudar e entender a importância das relações humanas, ainda que conflitantes. É exatamente pelo convívio que aprendemos uns com os outros, desde que tenhamos a humildade de reconhecer as próprias fragilidades e carências para tentar progredir e alterar vícios e condicionamentos que todos ainda teimamos em manter. Por isso muitas vezes somos obrigados a ouvir – em quaisquer diálogos sobre qualquer assunto –, descontraidamente ou em divergências: abra a cabeça, homem!

Note-se a clareza de Kardec: “(…) A vida social é a pedra de toque das boas e das más qualidades. (…) tudo o que constitui o homem de bem ou o homem perverso, tem por móvel, por objetivo e por estimulante as relações do homem com seus semelhantes; (…)”

E é exatamente por esta razão, em virtude das bagagens diferenciadas de cada espírito em seus estágios próprios de progresso, que encontramos jovens maduros e idosos fechados ou criaturas em idade bastante madura com comportamento juvenil ou quase infantil e pessoas com idade avançada, quase às vésperas da desencarnação com vícios e condicionamentos que resistem aos fatos. Afinal o que se espera de um homem ou mulher em idade avançada é que despertem gratidão, admiração, no legado de exemplos que deixaram às novas gerações. Mas nem sempre isso ocorre, fruto dos condicionamentos que nos deixamos escravizar, chegando ao final da existência despertando sentimentos contraditórios.

É muito triste constatar suicídios de idosos ou vícios e condicionamentos que chocam pela aspereza, crueldade e resistência, quando a finalidade da existência é exatamente aparar nossas arestas morais.

Isso me faz lembrar o amigo Augusto Zugliani, homem afável, suave, que partiu para o mundo espiritual aos 99 anos, deixando nos corações a recordação de um autêntico homem de bem, despertando admiração e gratidão em todos que o conheceram.

Por outro lado é também emocionante verificar jovens com comportamentos admiráveis que dignificam a experiência humana.

Há que se dizer também que títulos nada representam espiritualmente. Vemos todos na sociedade humana atual autênticos estragos morais perpetrados em todas as áreas da política e seus desdobramentos, ou em outras áreas que nem é preciso citar, por homens e mulheres reconhecidos apenas por seus títulos. Como há também o oposto: homens sem nenhuma formação acadêmica e muitos deles quase analfabetos com exemplos que superam moralmente muitos outros com extensa lista de formações. Basta observar os estragos feitos pelo egoísmo, que abafam os títulos e fazem os estragos da sociedade atual. E claro, nem é preciso dizer, que um espírito honrado e bom com títulos acadêmicos em mãos, apenas reforçará sua bagagem para atuar em favor do progresso de si mesmo e de seus irmãos de caminhada.

Isso significa, em outras palavras, que nossa condição social no planeta pouco significado tem. O que permanece mesmo é o estágio moral do espírito que aplica em sua vida o que ele realmente é.

Voltemos a Kardec, no mesmo artigo em referência:

  1. (…) Uma única existência corpórea é manifestamente insuficiente para que o Espírito possa adquirir tudo o que lhe falta em bem, e se desfazer de tudo o que é mau nele. (…).

 

É a lógica da reencarnação!

Ela abre as perspectivas de progresso ao espírito.

Retornando ao mundo espiritual, pela desencarnação, o espírito entra em contato com suas próprias reflexões – agora livre dos condicionamentos que se permitiu, pois que enxerga a realidade dos próprios equívocos – para novamente programar ações que o livrem das amarras advindas do orgulho e do egoísmo, imperfeições morais que ainda nos correm a alma. E retorna ao planeta para novas tentativas de progresso.

A presente abordagem comporta ainda reflexões sobre a Lei de Liberdade, o livre-arbítrio, a negligência, a boa vontade ou a falta dela nas ações necessárias, o orgulho que nos trava a visão, o egoísmo que desconsidera o esforço alheio, a paixão que nos cega e outros desdobramentos que merecem estudos mais extensos.

Sugiro ao autor conhecer o texto integral de Kardec, acima referido. As ponderações do Codificador são muito oportunas e capazes de “nos abrir a cabeça” se o lermos sem o espírito preconcebido do orgulho que ainda teimamos em manter.

Concluo que com frase do mesmo texto, para nossa consideração coletiva de estudiosos e leitores espíritas: (…) A felicidade suprema não é o quinhão senão dos Espíritos perfeitos, de outro modo dito, dos puros Espíritos. Não a alcançam senão depois deterem progredido em inteligência e em moralidade. O progresso intelectual e o progresso moral raramente caminham de frente; mas o que o Espírito não faz num tempo o faz em um outro, de sorte que os dois progressos acabam por alcançar o mesmo nível. É a razão pela qual, frequentemente, se vêem homens inteligentes e instruídos, moralmente pouquíssimo avançados, e reciprocamente (…).

Portanto, digo inclusive a mim mesmo e partilho com os leitores a frase popular, sábia, prudente e oportuna: Abra a cabeça, homem! Muita coisa deixamos passar porque ainda teimamos, orgulhosos e presunçosos, em olhar apenas pelo nosso estreito ponto de vista. E porque agimos assim, criamos sistemas próprios de agir, nem sempre coerentes ou comumente travadores do progresso e, pior, gerando antipatia e despertando sentimentos alheios que teremos fatalmente que resgatar um dia, em condições mais difíceis.

Melhor pensar como espíritas, já que espíritas no dizemos! Afinal, quantos anos de existência física ainda temos pela frente? Alguns meses, anos ou decênios? É para pensar mesmo e abrir a cabeça ao novo tempo de regeneração, que nos pede um comportamento melhor.