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Além das Sombras do Muro (Da Lepra à Hanseníase)

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Amilcar Del Chiaro Filho

    Prezado leitor. Se você passar pela Avenida Emílio Ribas, no bairro de Gopoúva, em Guarulhos, rumando pela ordem crescente da numeração, vai passar em frente a um hospital e Pronto Socorro com jardins à sua frente, grandes árvores e uma linda pérgula que já teve o romântico nome de Pérgula dos Namorados. Há algumas décadas ali foi o Sanatório Padre Bento, local de confinamento de portadores do mal de Hansen, chamados na época de leprosos. Embora o Padre Bento tivesse um status melhor do que os outros quatro Asilos Colônias do Estado de São Paulo, o drama da separação familiar e da deterioração das condições físicas também aconteciam freqüentemente. Inserido ao Sanatório havia dois pavilhões grandes para abrigar meninos e meninas. Ali, muitas vezes, molhamos a fronha do travesseiro com as lágrimas de uma saudade pungente de familiares queridos que ficaram distantes. Temos a certeza que não éramos o único a chorar. Não só outras crianças, mas adultos também choravam. Ali, muitos morreram, enterrando consigo sonhos desfeitos. A enfermidade incurável foi parcialmente dominada pela Sulfona e décadas depois pela combinação de três medicamentos que antes eram utilizados separadamente, resultando num efeito muito maior. A lei federal de internação compulsória caiu. O Sanatório foi transformado num hospital de Clínicas e pronto-socorro para toda a população da cidade, mas, se tivéssemos um médium “psicômetra” que tomasse em suas mãos um fragmento de tijolo ou concreto, das antigas construções, certamente veria desenrolar em seu psiquismo histórias dolorosas, dramas épicos. Ali no Padre Bento foram encerradas pessoas que não foram julgadas e nem tinham culpa formada, a não ser o de carregar em seu organismo um bacilo insidioso e cruel. A razão da sua internação, preservar a sociedade sadia de um possível contágio. O motivo desse artigo é o 52º Dia Mundial do Hanseniano, que ocorrerá no último domingo de janeiro, criado para um dia não ser mais necessário. Quando? Não sabemos, pois a hanseníase é endêmica em muitas regiões do Brasil, devido às condições ruins de vida de grande parcela da população. Temos 43 mil casos novos por ano e cada caso diagnosticado corresponde a dois ocultos, atingimos, portanto, mais de 100 mil casos novos anualmente.Se você passar pela Avenida Emílio Ribas, altura do nº 1573, dedique um pensamento de gratidão aos milhares de seres humanos que ali estiveram presos, confinados, para a tranqüilidade dos sadios. Se você professa alguma religião faça uma prece por nós. Mas saiba que além das sombras dos muros aconteceram dramas dolorosos.