O ser humano vive sempre julgando. E o pior, cada um de nós tem a tendência
de achar que faz sempre a leitura correta dos fatos. Infalivelmente. Presos a
paradigmas, somos conduzidos a imaginar padrões de beleza, riqueza e felicidade,
como sendo uniformes e que se enquadram a qualquer um ou a qualquer situação. E
assim, a sociedade em que vivemos define e reduz como sendo beleza aquela pessoa
que tem traços fisionômicos compatíveis com as convenções estabelecidas, em
geral desprezando-se os dotes interiores.
Riqueza é vista como sinônimo de felicidade. Sempre o ter vencendo o ser. Na
realidade, fica difícil para o rico ou famoso avaliar o grau da amizade. Surge a
dúvida se a aproximação é pelo que é, ou pelo que tem ou representa. Movidos
pela generalização, julgamos ser feliz quem tem dinheiro, quem está casado, quem
tem poder, fama… Raramente se valorizam as pequenas coisas, os mini-gestos que
apesar de parecerem insignificantes, às vezes contam muito mais.
A atenção de uma visita ou uma homenagem sincera pode ser mais importante que
um caro presente. Posso até ser mal interpretada por isso, ou mesmo tachada de
contraditória, mas observe bem, em geral a inteligência ou educação são padrões
de comportamentos sempre bem evidenciados, mas pode não ser bem por aí. Sem
pretensão de ferir sua importância há de convir que se mal direcionados podem
ser potencialidades nulas.
Quem arquiteta armas bélicas são pessoas inteligentes, sim, mas de que serve,
se os resultados são nocivos? E os que promovem as fraudes, os golpes?
Inteligências destas naturezas tem valor? Há os que julgam pessoas educadas
aquelas restritas em atender convenções sociais: desejar “bom dia, boa tarde,
boa noite, por favor, obrigado…” Não pretendo tirar o mérito deste modo de
comportamento, mas se for conduzido apenas como força de expressão ou
formalidade…
Acho que educação passa, sobretudo, pelo respeito ao próximo, ao seu modo de
ser e pensar. E assim vamos levando a vida, realizando juízos de valor errôneos.
O que me inspirou a escrever sobre o assunto – as aparências enganam – foi
juntar tudo isso que penso à esta historiazinha que recebi. Quem me enviou
desconhece o autor.
“Um casal tomava café no dia de suas Bodas de Ouro. A mulher passou a
manteiga na casca do pão e deu para o marido, ficando com o miolo. Pensou ela:
– Sempre quis comer a melhor parte do pão, mas amo demais meu marido e, por
50 anos, sempre lhe dei o miolo. Mas hoje quis satisfazer o meu desejo.
Para sua imediata surpresa o rosto do marido abriu-se num sorriso sem fim e
ele lhe disse:
– Muito obrigado por este presente, meu amor. Durante 50 anos, sempre quis
comer a casca do pão, mas como você sempre gostou tanto dela, eu jamais ousei
pedir!”
Comentário do enviado (site Caminhos de Luz): “Assim é a vida… Muitas vezes
nosso julgamento sobre a felicidade alheia pode ser responsável pela nossa
infelicidade… Diálogo, franqueza, com delicadeza sempre, são o melhor remédio”
E agora arremato meu pensamento sobre as aparências que enganam. Veja bem se
o que falei sobre a influência dos paradigmas não tem razão de ser? Somos
felizes pelo que somos, gostamos, optamos ou construímos para nós e não pelo
equívoco do juízo de valor de outrem.
Para finalizar, um detalhe importante: olhar e enxergar são coisas muito bem
distintas. As aparências enganam. E como enganam!
O Norte – 27 de abril de 2003