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Bem feito para você

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Enéas Canhadas

 Curiosa expressão é essa que parece afirmar que uma coisa está bem feita e adequada para alguém numa determinada situação, no entanto geralmente é dita com o caráter de imprecação, quase como uma maldição ou praga lançada sobre alguém. Muito mais construtivo, entretanto, é pensar no que fazemos bem feito por opção, vontade própria, até mesmo por um esforço voluntário que exige de nós uma dedicação. O Cardeal de Richelieu, duque e político francês além de primeiro ministro de Luiz XIII rei da França, disse “na minha vida fiz muito bem e muito mal; mas todo o bem o fiz muito mal, e todo o mal o fiz muito bem” demonstrando uma consciência de que o mal feito parece sempre beirar a perfeição, deixando um rastro definitivo de uma intenção destruidora podendo causar danos irreparáveis, enquanto o bem se parece mais com a casa feita de açúcar do conto de fadas que se desfaz com a chuva.

 Já o pensamento de Nicolas Poussin, pintor francês que sofreu muitas rejeições e acabou pintando deuses e personagens que rejeitavam os vícios e os prazeres, e talvez por isso nos ensine dizendo “o que vale a pena ser feito vale a pena ser bem feito”. Tal pensamento nos conduz para outra postura frente à vida, no sentido de buscar fazer com todo o empenho algo que julgamos necessário, importante e ao qual entregamos também a nossa dedicação, o nosso esforço e esmero, aqueles sintomas perfeccionistas que muitos seres humanos possuem, pelo menos um pouquinho. Há também aqueles a quem lhes falta habilidades para fazer algo, o que não os impede de dedicar à suas tarefas também a sua dedicação desajeitada ou menos caprichosa, menos estética e até mesmo, menos exigente.  Certa vez conheci um gerente que tinha uma maneira diferente de questionar um subordinado quando fazia mal feita uma tarefa ou não demonstrava muito esmero na sua atividade. Perguntava ele “por que você não fez bem feito?”. Essa pergunta feita num momento em que o empregado estava esperando uma bronca ou desaprovação pelo que havia feito, geralmente confundia e causava aos indivíduos uma paralisação. Experimente você também. É muito comum que se condene ou reprove alguém dizendo “que papelão!” ou “que serviço mal feito!” ou ainda “francamente, você fez uma tremenda asneira” além das expressões mais ofensivas até mesmo apelando para efeito moral misturando o desempenho da pessoa com suas características morais como “você é mesmo um incompetente!” quando bastaria deter-se no que havia de mal executado naquilo que se realizou.

 Uma confusão surge na expressão “se você quer que seja bem feito, faça você mesmo!” pois esta afirmação está dizendo que tudo que uma pessoa faz por si mesma ou pelas suas exigências pessoais o fará bem feito. Fosse assim não teríamos coisas mal feitas, uma vez que as nossas realizações pessoais são aquelas que julgamos as mais corretas e bem feitas, possuidoras de todas as boas qualidades possíveis. Nesta expressão estão contidas também ideias como “os outros não fazem tão bem como nós mesmos”, “ninguém serve para fazer como queremos”, “ninguém consegue fazer as coisas do nosso jeito” enfim todas elas para dizer que, no final das contas, somos melhores do que todo mundo. Cada pessoa que fizer algo para nos ajudar ou em conjunto, deixará no seu fazer uma marca pessoal, de modo que o “outro” só pode fazer do jeito dele, isto é, da maneira que lhe é própria, assim como você também ao olhar do “outro”. Quiséramos ser capazes de, pelo menos na maioria dos casos, levar em conta o que o outro fez como sendo o melhor que ele pode fazer e assim não julgarmos a sua ação desaprovando ou desmerecendo. Finalizando o nosso papo, lembramos também da expressão “fazer uma só vez e fazer bem feito” ou suas variantes como “fazer bem feito para fazer uma só vez” ou “fazer bem feito da primeira vez”, esta última muito usada nas empresas e seus programas de qualidade, esquecendo de que, paradoxalmente, não é possível fazer bem feito desde a primeira vez. O ser humano aprende, principalmente pela imitação e pela tentativa e erro. Quando alguém faz alguma coisa que podemos dizer “bem feita” geralmente ele já dominou os requisitos como habilidade, conhecimento e até mesmo experiências anteriores que assim tornaram possível sua execução. A criança é a demonstração de como somos pela vida inteira. Aprendendo fazendo ou como se diz vivendo e aprendendo.

 Podemos enfim dizer com Kardec que “o bem é sempre o bem qualquer que seja o caminho que o conduza”? Você responde, mas é bom lembrar que o bem que fazemos não está na nossa realização em si nem por si mesma, mas sim na maneira como o nosso querer nos levou a realizar algo.