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O cotidiano, o comum e o normal

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Enéas Canhadas

Perguntaram-me por onde entra a tristeza. A melhor resposta que consegui encontrar foi responder com outra pergunta: “Por onde entra a barata em nossas casas?” Eu sei que as respostas convencionais são as mais fáceis. Elas entram pelos ralos, por debaixo da porta, por fendas e vãos e assim por diante. Mas, uma coisa ainda continua a intrigar: “Por quê nós nunca as vemos entrando?”

Imagino que a tristeza é mais ou menos assim. Existem momentos em nossas vidas em que apenas percebemos quando um sentimento ruim já se encontra instalado. É bem verdade também, que esses sentimentos poderiam entrar em nós, mas não somente como tristeza. Os sentimentos, bem que podiam chegar até nós, também como obrigações das quais temos que dar conta, ou como desafios, até mesmo como alegrias ou pequenos alertas que, podem nos livrar de grandes contrariedades ou enroscos pela vida afora.

Os sentimentos compõem um dos mais poderosos sinais de que somos seres diferenciados dos demais. O valor dos sentimentos está no fato de nos permitir saber que somos conscientes do que sentimos e percebemos, do que nos emociona e do que nos faz vibrar na vida e pelos acontecimentos da vida. Os sentimentos nos ajudam a encarar as experiências como novas oportunidades e como próprias para cada novo dia. Pensar que a tristeza pode entrar sorrateiramente e obrigatoriamente, é lamentar falhas que pensamos possuir, talvez a nossa baixa estima baseada nos outros nos ajude a dar conta disso, falhas que cometemos, de fato, em algum momento do nosso passado. Em geral, a tristeza entra em nós por alguma brecha que abrimos em tempos passados. É um ciclo vicioso lamentar durante a adolescência o que nos faltou quando criança, na juventude o que nos faltou enquanto adolescentes, na idade adulta o que não fizemos na juventude, na maturidade o que não conseguimos ou não tivemos coragem de realizar na idade adulta e, por fim, na velhice, o que não realizamos e nem consolidamos na maturidade.

Cada nova etapa ou fase da vida não anula as anteriores e não nos tira nada, pelo contrário, cada nova etapa nos acrescenta, pois não há como controlar a passagem do tempo, uma vez que a sucessão dos ciclos acontece como algo natural, que deve mesmo, inevitavelmente, acontecer em nossas vidas. Se Albert Einstein está certo, no plano espiritual, o tempo é diferente ou não existe como aqui. Compreenderemos que as fases da vida neste plano, apenas significam que sermos dedicados a diferentes momentos da vida e fazer múltiplas experiências através das várias idades é fundamental e inevitável para o êxito de cada encarnação. Seria como numa viagem, onde vamos conhecer pessoas, lugares, costumes, os mais diversos e inusitados. Cada instante será diferente, por vezes interessante, de outra maneira entraremos em contato com experiências como se fossem novas. Outras serão enfadonhas, outras nos darão a nítida certeza de que já tínhamos visto. Viver as etapas da vida é como viver o tempo de diferentes maneiras, mas todas compondo a nossa vida. Não temos que compreender a vida como uma sucessão de perdas que acontecem para que, assim, e só assim, tenhamos a certeza de que vamos indo para frente. Todos os acontecimentos em nossas vidas significam ganhos e aprendizados vividos a cada passo da existência.

Você pode achar que estou com ataque de otimismo, mas não considero assim. Se o passar do tempo neste plano não existisse, poderíamos escolher viver uma experiência da velhice e em seguida uma da juventude, para depois viver uma da idade adulta e assim por diante. Ao viver na limitação da matéria, cabe-nos saborear, estagiar nas experiências do cotidiano, dentro de uma certa ordem crescente de dificuldades e mais de acordo com o nosso desenvolvimento. É a dimensão pedagógica da evolução. As vivências emocionais guardam os registros de intensidade com que os fatos nos impactaram. Quando nos deparamos com outros fatos que nos relembram aquelas lembranças, imagens, figuras, os fatos que chamamos de negativos e também os alegres e felizes, porém, em geral, com menos intensidade, são de novo lembrados, e freqüentemente nos volta a carga emocional que ficou associada quando do impacto do fato. Por exemplo: quando um ente querido veio a falecer, ou quando algo traumático nos trouxe uma vivência lá na adolescência. As lembranças constituem portais do tempo por onde entramos e somos transportamos para as necessidades de aprendizados que devemos assimilar. As lembranças que, muitas vezes, julgamos tormentos, na verdade compõem a nossa consciência lembrando que as oportunidades de aprendizado e superação estão sendo apresentadas mais uma vez numa determinada hora da nossa existência. É importante que sejamos sensíveis para apreendê-las como situações especiais de aprendizado. Quando assistimos um filme triste, por exemplo. Ele é um portal que nos transporta para uma experiência de nova aprendizagem, que nos obriga a fazer uma reciclagem dos nossos registros de tristeza de experiências passadas, podendo ser referente a esta vida ou outra encarnação. Quando um adolescente sofre porque o pai foi embora de casa, permite que a tristeza entre pelo espaço proporcionado por uma juventude carente.

Um perigo que nos assola é o risco de passar a vida olhando sempre para a felicidade que está “lá na frente em algum lugar” como se tivéssemos um muro na nossa frente e ficássemos tentando, todo o tempo, olhar por cima desse muro procurando enxergar não sei o quê, lá na frente. Assim, nem conseguimos atingir a felicidade e nem conseguimos examinar o muro ou mesmo esquecer dele ou tentar transpor esse muro para poder ir em frente. É muito difícil viver o presente porque não sabemos lidar com uma ambigüidade existente entre Espírito e personalidade que adotamos. Quando dizemos, aqui na Terra, que temos passado, presente e futuro, na verdade é porque temos a consciência de que somos uma história com um número muito maior de acontecimentos e experiências que estão registradas no nosso Espírito, mas por enquanto, não podemos acessar tais arquivos. A personalidade, a nossa maneira de ser é uma limitação para o Espírito, porque está preocupada com alguns aspectos da evolução. O Espírito está preocupado com a evolução como um todo.

Tivemos limitados pela “nebulosidade” de nossa consciência que, temporariamente, esquece que temos uma história maior e mais completa, mas resolvemos isso classificando as coisas em passado e presente. Só que, lembrar mesmo, não é possível por enquanto. Imagine uma grande biblioteca, onde uma parte dos livros são a nossa história presente, outra parte de todos os livros expostos nas estantes, representam a nossa história passada e a terceira parte dos livros contém a nossa história futura. Só podemos viver o presente, mas sabemos que nos outros livros do passado e do futuro, (o plano espiritual tem condições de saber, pelo menos as linhas básicas do nosso futuro) existem muitas outras experiências.

A estada na matéria nos limita para nos obrigar a ficar no presente. As conclusões a que podemos chegar é que, se tivéssemos mais consciência de nós mesmos (o saldo quântico que a física quântica fala) nós poderíamos saltar para a experiência da alegria, exatamente no momento em que uma experiência triste estivesse para nos acontecer, mas ainda não sabemos fazer isso. Imagine que um Espírito, quando percebe que está num lugar não conveniente, simplesmente se transporta para o lugar que ele quer estar. Embora sejamos espíritos, ainda não temos essa capacidade ou competência, então deixamos acontecer uma fase da nossa vida envolta em sentimentos de tristeza enquanto continuamos querendo viver a alegria!