Culto de Assistência
Por que teria Jesus multiplicado os pães para a multidão que lhe ouvia a
palavra?
Decerto que se o maná da revelação pudesse atender, de maneira total, às
necessidades da alma no plano físico, não se preocuparia o Senhor em movimentar
as migalhas do mundo para satisfazer a turba faminta.
É que o estômago vazio e o corpo doente alucinam os olhos e perturbam os
ouvidos, impedindo a função do entendimento.
O viajante perdido no deserto, atormentado de secura, não
compreenderá, de pronto, qualquer referência à Justiça Divina e à imortalidade
da alma, de vez que retém a visão encadeada à sede que lhe segrega o espírito em
miragens asfixiantes. Ao portador da verdade compete o dever de mitigar-lhe a
aflição com a gota d’água capaz de libertá-lo, a fim de que se lhe reajustem a
tranqüilidade e o equilíbrio.
A obra espírita-cristã não se resume, pois, à predicação pura
e simples.
Jesus descerrou sublimados horizontes ao êxtase da Humanidade,
mas curou o cego de Jericó, refazendo-lhe as pupilas. Entendeu-se com os
orientadores de Israel, comentando a excelsitude das Leis Divinas; entretanto,
consagrou-se à recuperação dos alienados mentais que jaziam perdidos nas trevas.
Indicava a conquista do Céu por meta divina ao vôo das esperanças humanas;
contudo, devolveu a saúde aos paralíticos. Referiu-se à pureza dos lírios do
campo; todavia, não olvidou o socorro aos leprosos, em sânie e chagas.
Transfigurou-se em nume celeste no Tabor, mas não desprezou a experiência vulgar
da praça pública.
É que o Evangelho define a restauração do homem total.
A alma humana é a crisálida do anjo, como a Terra é material
para a edificação do Reino de Deus.
Desprezar a fraternidade uns para com os outros, mantendo a
flama do conhecimento superior, será o mesmo que encarcerar a lâmpada acesa numa
torre admirável, relegando à sombra os que padecem, desesperados, ou que se
imobilizam, inermes, em derredor.
2 – ASSISTÊNCIA COMO DEVER
É indispensável o culto da solidariedade como simples dever.
Todos possuímos algo para dar.
O níquel da assistência consoladora…
A roupa esquecida ou imprestável…
O pão que sobra à mesa…
A frase reconfortante…
O livro renovador…
A bênção de uma prece…
Não nos reportamos, porém, à esmola suplicada. Dizemos da ação espontânea e
constante do amor fraterno que procura os companheiros menos felizes para
socorrê-los nas provas difíceis e deprimentes, copiando a Infinita Bondade
Celestial que não nos aguarda atitudes mendicantes para doar-nos a luz do sol.
Se recolhemos a bênção do Senhor, em cada instante da estrada, é justo
saibamos estendê-la aos que nos cercam, em nome do Cristo Vivo que não nos
desampara.
Precisamos da lídima caridade uns para com os outros, como necessitamos do ar
que nos sustenta.
Caridade sem tributos de gratidão.
Caridade sem ostentação de virtude.
Caridade como saúde da alma
Caridade como hábito justo.
Caridade como inadiável obrigação.
3- ESPIRITISMO E ASSISTÊNCIA
O Espiritismo cria em nossa existência novos costumes e novos modos de ser.
É a renovação da mente em Cristo, integrando-nos na verdade que nos fará
livres através da preciosa escravidão aos nossos deveres.
E estabelecemos novo plano de relações, em nosso campo doméstico e social.
A compreensão pacifica-nos o espírito.
A oração converte-se em alimento de cada dia.
E a caridade aparece aos nossos olhos, em sua função de tutora da paz,
impelindo-nos ao Sumo Bem.
Mas porque admitir que somente poderemos exercê-la, monumentalizando
institutos de salvação?
Porque delegar ao amanhã o serviço de hoje?
A enfermidade observa-nos a saúde.
A carência do vizinho repara-nos a abundância.
A dor, em lágrimas, ouve-nos o cântico de alegria.
Dispomos de estudos freqüentes, de reuniões sistemáticas, de preces
diárias… Por que não instituir em nossas tarefas doutrinárias o culto semanal
da assistência fraterna?
Conhecemos os espinheiros e os pântanos do caminho… E sabendo que todos
somos irmãos, como avançar para a glória da frente, escutando os gritos de
revolta e os soluços de sofrimento de quantos ainda se enleiam à miséria da
retaguarda ?
Jesus passou entre os homens , ensinando e servindo, trazendo o Céu à Terra
ou elevando a Terra para o Céu. Por agora, não podemos dizer ao paralítico
“levanta-te e anda”, mas não devemos esquecer que a migalha de pão, a gota de
leite, a peça agasalhante, o frasco de remédio, a página luminosa, a flor da
amizade, a frase edificante, a visita espontânea e a prece amiga podem realizar
milagres de amor, levantando os companheiros que sofrem para que empreendam em
si mesmos a viagem de retorno das trevas para a luz.
4- APELO FRATERNAL
Quanto possas, assim, ainda que seja por algumas horas de um dia em cada
sete, na equipe dos irmãos de ideal ou simplesmente sozinho, atende ao culto
semanal da caridade como dever.
Faze-o, porém, com amor e humildade, porque somente através da humildade e do
amor, o teu gesto de fraternidade e carinho não se transformará em fel da
vaidade constrangedora.
É imprescindível sejamos entendidos no ato de auxiliar, para que não
tenhamos em troca a desconfiança e a amargura daqueles que nos esperam ternura e
cooperação.
Há companheiros em lutas expiatórias tão extensas e tão complexas que não
dispensam o apoio incessante , enquanto atravessam as faixas da vida física.
Lembra-te, no entanto,do pão e da luz, como que Deus te socorre, todos os
dias, e ajude sempre.
O olvido temporário na carne, enquanto é hoje, não te deixa perceber a medida
dos próprios débitos.
Se agora é o teu momento de dar, amanhã pode surgir a tua hora de receber.
Não te faças representar por outrem, ao lado de quem padece.
Dinheiro e autoridade convencional, respeitáveis embora, não compram na vida
os talentos do coração.
Doarás alimento e remédio, reconforto e carinho aos que jazem nas algemas da
angústia, mas, em troca, todos eles dar-te-ão coragem e esperança, fortaleza e
consolo, valorizando-te, no corpo terrestre, a responsabilidade de agir e viver.
Deixarás a tenda dos tristes, diminuindo a própria tristeza, deixarás os
cegos, louvando os próprios olhos, contemplarás o paralítico, sentindo a graça
do movimento, e despedir-te-ás dos enfermos e dos loucos, dos fracos e
infelizes, agradecendo ao Senhor a ventura de poder ajudar.
Não esperes, desse modo, pelo concurso dos outros para sustentar a fonte do
bem.
Concedeu-te Jesus no Espiritismo que te abençoa a porta de trabalho e
esperança para o acesso à Vida Maior.
Ora e estuda, aprende e ensina a verdade, mas não olvides a leitura do amor
no livro das almas.
Observa as Leis da Vida, entendendo e ajudando os corações que te cercam,
para que te não emaranhes na sombra, ante o esplendor do Grande Caminho… E,
confiando-te à solidariedade como simples dever, perceberás, junto de cada
aflição, a presença do Cristo, o Divino Benfeitor, que resumiu o seu Evangelho
de Luz, no mandamento inesquecível: – “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”
(Mensagem recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier,
em sessão pública da noite de 23 de julho de 1956,
no Centro Espírita “Humildade, Amor e Luz”, da cidade de Monte Carmelo, Minas
Gerais)
Reformador – dezembro de 1956