Cura da Mágoa
Interessante caso de uma jovem de apenas 13 anos, obsedada pela própria avó da
atual encarnação e mãe em existência anterior, está descrito por Allan Kardec na
Revista Espírita de janeiro de 1865 (edição Edicel, tradução de Júlio Abreu Filho).
A mágoa, no caso, está com o espírito obsessor, devido a situações vividas na
existência imediatamente anterior e também no plano espiritual. Mas o relato está
completo, suprimidos os detalhes desnecessários e incluídas as situações dramáticas
de violência sofridas pela jovem; as manifestações do espírito obsessor e mesmo
os diálogos mantidos pelo esclarecedor; estão também na exposição as causas da obsessão,
os procedimentos para a cura e finalmente o êxito dos recursos espíritas para solução
do caso.
Em todo o episódio, que emociona e evidencia com clareza a importância da prece
e das reuniões de esclarecimento a desencarnados, fica patente a dinâmica do amor
na recuperação psicológica dos que se deixam envolver pela mágoa e direcionam sua
vontade para a fixação da vingança e do ódio.
O fato registrado pelo Codificador em sua Revue traz significativa contribuição
ao tratamento de casos idênticos ou pelo menos semelhantes e que ocorrem com muita
freqüência na atualidade, muitos deles atendidos por Centros Espíritas. São daqueles
casos difíceis de serem atendidos, pois que o obsedado apresenta-se possuidor de
força sobre-humana que requer mobilização de muitas pessoas para conter sua violência.
Normalmente esses casos geram muita comoção popular, trazem enorme sofrimento
aos familiares e desafiam a capacidade de experimentados esclarecedores de reuniões
mediúnicas, em sua capacidade de amar e atender esses espíritos em situação de superlativo
sofrimento.
Para motivar o leitor na pesquisa e leitura imediata do texto completo (o Codificador
ocupou quase 15 páginas para relatar o caso completo), transcrevemos trechos importantes
para apreciação do leitor. O texto recebeu o título de Nova cura de uma jovem
obsedada de Marmande e inicia-se com correspondência recebida por Kardec do
relato de cura considerado notável. E conforme há o avanço natural do texto, encontramos
as observações lúcidas do Codificador.
Os textos que destacamos são os seguintes:
- Os espíritos superiores que orientaram o atendimento afirmaram: “(…) Que
os próprios pais tenham a certeza: a prece sincera é o único remédio que deve
libertar a menina (…)”. - Kardec observa diante da dificuldade do espírito em aceitar auxílio: “(…)
somente quando vencido o seu endurecimento pelo cansaço é que lhes fazem entrever
um raio de esperança, como alívio às penas; é preciso que voluntariamente voltem
os olhos para Deus. Mas os bons espíritos não os abandonam; esforçam-se para lhes
inspirar bons pensamentos; espiam os menores sinais de progresso e, desde que
vêem neles surgir o germe do arrependimento, provocam instruções que, esclarecendo-os,
podem conduzi-los ao bem (…). Tal a razão pela qual a intervenção dos homens
muitas vezes é requerida para a melhora e o alívio dos Espíritos sofredores, sobretudo
nos casos de obsessão (…)”. - Em determinado diálogo, afirma o espírito obsessor comunicante: “O que mais
me agrada é que me falais sem me injuriar, sem me repelir (…)”. E Kardec acrescenta:
“Com efeito, a experiência prova que as palavras duras e malévolas são um meio
impróprio para se desembaraçar dos maus Espíritos, elas os irritam, o que os levam
a maior encarniçamento”. - Quase no final do belo e atualíssimo texto, uma instrução dirigida ao grupo
encarnado e assinada por Vossos Guias, afirma: “(…) Trabalhai a moralização
dos vossos irmãos encarnados e a dos Espíritos atrasados; não vos contenteis de
pregar as consolações do Espiritismo; mostrai a sua grandeza e poder por vossos
atos; é a melhor refutação que podereis opor aos adversários. As palavras voam
e os atos fortificam e levantam (…)”.
Trata-se realmente de um caso notável. O belo texto incluído por Kardec em sua
Revue merece acurado estudo de todos nós, espíritas, sejamos esclarecedores
em reuniões mediúnicas ou não. Isto por uma simples razão: os argumentos vão direto
aos sentimentos humanos que devem ser respeitados. E Kardec aproveita o exemplo
para falar dos benefícios da prece e do intercâmbio com o plano espiritual.
E antes que nos magoemos por futilidades, tratemos também de comentar o assunto
em nossas reuniões públicas, em palestras ou encontros, para que mais e mais pessoas
livrem-se desse mal que tantos prejuízos causa: a mágoa. Por efeito dela, o exemplo
trazido na Revue traduz bem quanto tempo perdemos na fixação de idéias desnecessárias.
Libertemo-nos, pois, da mágoa, curando-a em nós, pela prece. E ajudando nossos
irmãos, sejam encarnados ou desencarnados, também com a prece e com a divulgação
dessas notáveis instruções.
Matéria publicada originariamente na Revista Internacional de Espiritismo, edição
de março de 2004.