Paulo da Silva Neto Sobrinho
Recebemos, há pouco mais de um ano, um e-mail em que uma pessoa contesta o nosso texto “Espiritismo é Cristão?”. Omitiremos o seu nome, pois não vem ao caso, já que o mais importante são as suas idéias, que achamos serem a de muitos outros.
—– Original Message —–
From: xxxxxxxxxxx
To: pauloneto@ghnet.com.br
Sent: Thursday, February 28, 2002 11:08 AM.
Subject: Bom dia PauloBom dia Paulo, recebi em meu email sua mensagem “Espiritismo é Cristão?” de uma colega de trabalho. Bem tenho algumas perguntas e colocações a fazer, pois quero ter certeza do que você crê.
Vamos lá.
A Bíblia é dividida em 2 partes sendo que estas divisões tem suas subdivisões que não entrarei em detalhes. Essas divisões são Antigo e Novo Testamento, sendo que das duas o Espiritismo só leva em conta uma o Novo Testamento. Como e porque acreditar na metade da Bíblia, que é um livro histórico com abordagem de todos os temas e resposta a mais diversas perguntas de uma sociedade e, o que é mais importante, inspirada pelo próprio DEUS.
E Deus? Quem é Deus para o espírita? Um Deus infalível como você disse no artigo? Um Deus que nem é capaz de criar aqueles que o seguem? Acho que não. O deus do espírita me parece mais um político, que prega o amor, igualdade a todos e justiça. Se ser deus e se deus se resumi a isso vocês espiritas estão longe de conhecer ao verdadeiro Deus. Conhecer o Deus que pode transformar corações de pessoas infelizes, amarguradas e que pode através do Sangue de Nosso Salvador Jesus Cristo no redimir e perdoar nossos pecados. Porque todos nós pecamos e precisamos de perdão, do perdão do nosso Criador, O Deus que pode Curar, Jesus o filho que pode madiar entre o Pai e o Espirito Santo que estará entre nós até o fim dos dias.
Última pergunta como vocês podem seguir a Cristo e seus ensinamento que estão na Bíblia e negar a morte de Jesus na cruz que está na mesma bíblia??
Desculpe Paulo não leve nada para o lado pessoal. Você colocou no site a sua posição e crença eu só estou colocando a minha!!
Um abraço! E fique com Deus – o Verdadeiro. 🙂
R.A.M.
Caro R.A.M,
Antes de qualquer coisa, gostaríamos que observasse bem que, em nosso texto “Espiritismo é Cristão?” (*), não estamos querendo convencer ou converter a quem quer que seja, nós estamos apenas exercendo o nosso direito de defesa aos ataques gratuitos que o Espiritismo sofre, principalmente, por aqueles que se acham os únicos capazes de interpretar a Bíblia.
Você não verá um verdadeiro espírita atacar qualquer religião. Na verdade, não nos preocupamos se os profitentes de outras religiões aceitam ou não os nossos princípios, pois como disse Kardec: “O Espiritismo se dirige àqueles que não crêem ou que duvidam, e não àqueles que têm uma fé e que essa fé basta; que não diz a ninguém para renunciar às suas crenças para adotar as nossas”.
Entretanto, o difícil de se entender é porque atacam tanto à Doutrina Espírita, já que ela, em seu aspecto científico, vem justamente provar o que dizem todas as religiões, qual seja, que o Espírito é imortal.
E só mais uma coisa: sabe porque nos tornarmos Espírita? É porque não queremos abrir mão do nosso direito de pensar pela nossa própria cabeça. Não aceitamos qualquer tipo de imposição, uma vez que a verdade não necessita ser imposta. Quem quer impor alguma coisa é porque, acreditamos, não está com a verdade.
Na questão da Bíblia então nem se fala, pois a maioria dos profitentes de outras correntes religiosas, a aceita como de total inspiração divina. Nisso só vemos puro fanatismo religioso e, em alguns casos, mais que isso, é puro interesse dos líderes religiosos em manter sob domínio seus fiéis. Com seu terrorismo religioso, amedrontam seus adeptos, que para ficarem livres do “fogo do inferno” lhes pagam, através de dízimos ou doações “espontâneas”, pensando com isso se safarem da “ira” divina.
Quando alteram, interpolam ou adulteram passagens da Bíblia, será por acharem que, naquela narrativa, Deus não tenha sido feliz na colocação?
No nosso livro “A Bíblia à Moda da Casa”, provamos categoricamente que, apesar dela conter revelações divinas, está impregnada de contradições, mitos, lendas, coisas que, perante a ciência, são impossíveis de acontecer, tendo como base de nossos argumentos as próprias informações que os tradutores colocaram nela. Isso sem falar nas adulterações dos textos bíblicos, feitas com o objetivo de denegrir o Espiritismo.
A Bíblia é realmente, como você mesmo diz, um livro histórico, é a história do povo judeu (Antigo Testamento), essa é a maior parte dela, e de Jesus (Novo Testamento). Por aí já se pode ter uma idéia porque seguimos o Novo Testamento. Somos cristãos, e para nós é cristão todo aquele que diz ser, e, por conseqüência lógica, procuramos seguir os ensinamentos de Cristo, segundo a nossa maneira de entendê-los, não abrimos mão disso, repito, e não como querem os teólogos descompromissados com a verdadeira mensagem do Cristo, que mais buscam “o que as traças corroem e os ladrões roubam”.
Você poderá dizer que Jesus disse: “Não vim destruir a Lei e os profetas”, argumentando, com isso, que Ele tenha sancionado a Bíblia. Entretanto, recentemente, num estudo que fizemos, percebemos que há um crasso erro teológico na interpretação dessa passagem, pois não é a isso que Jesus se referia. Várias vezes Ele disse: “Aprendestes o que foi dito (Antigo Testamento), eu porém vos digo (Novo Testamento)”, modificando e, em alguns casos, revogando ensinamentos anteriores da Lei Mosaica, tidos como provenientes de Deus. Na nossa concepção só se muda o que não tenha ficado bom, é por isso que não aceitamos como provindas da divindade. Mas, a esse respeito fizemos um texto intitulado: “O Antigo Testamento foi revogado por Jesus?” (*), que lhe sugerimos ler.
E, para os que querem que sigamos a Bíblia de maneira incontestável, recomendamos, além do nosso livro, já citado, o nosso texto: “A palavra de Deus na Bíblia” (*).
Sei que você poderá até ficar horrorizado com algumas das nossas afirmações, mas só podemos lhe dizer que se Deus nos dotou de inteligência é para que nós a utilizemos, heresia é não utilizá-la.
A primeira pergunta que Kardec fez aos Espíritos foi: “O que (e não quem) é Deus?” Recebendo como resposta: “Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas”. Completando, mais à frente, que os atributos de Deus são: Eterno, imutável, imaterial, único, todo-poderoso e soberanamente justo e bom.
O que temos observado é que as pessoas, de um modo geral, pensam pequeno em relação a Deus. Têm-nO não como o criador do Universo infinito, mas como Criador apenas do insignificante planeta Terra, e com essa visão distorcida atribuem a Deus tanta coisa mesquinha que é difícil de se acreditar. Mas, infelizmente, o fanatismo os cega.
Para nós como Ele não faz acepção de pessoas, ama a todos os espíritos que criou. E, aliás, a criação dos espíritos é atribuição exclusiva de Deus, nós os seres humanos somente criamos corpos (“O que é nascido da carne é carne, o que é nascido do espírito é espírito”). O espírito é imortal, ou seja, não morre nunca. Teve um princípio, não sabemos quando nem como, e ao passar por várias experiências de vida, em cada uma delas com um novo corpo físico, vai progredindo até atingir a perfeição absoluta, podendo então ser recebido no “reino dos céus”.
Veja, que quem pensa assim não é exclusivista e nem egoísta, já que reconhece que todos os seres humanos, um dia, estarão juntos ao Criador. Dentro disso estamos com Jesus quando Ele diz ser Deus “Pai-Nosso”, ou seja, um Pai que ama a todos indistintamente, que sempre dará uma nova oportunidade aos que erram, já que Ele não quer que ninguém se perca, mas que todos sejam salvos. Não aceitamos de forma alguma esse Deus do Antigo Testamento que querem nos apresentar, pois lá Ele é descrito como um carrasco, sanguinário, incoerente, indeciso, parcial, ciumento, sempre irado, como cansamos de ver quando lemos o Antigo Testamento.
Ele para nós é isso, ou seja, um Pai, se você quer ver nisso que Ele é um político, que prega o amor, igualdade a todos e justiça, você está muito longe do conceito dos atributos de Deus. Veja que até a legislação humana quer igualdade e justiça a todos, e isso para nós é uma evolução, pois antigamente, prevalecia a lei do mais forte, o que vem comprovar que o homem já compreende a questão “amar ao próximo como a si mesmo”.
Jesus disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Ora, isso pressupõe que teremos que fazer alguma coisa, pois a idéia de caminho indica a necessidade de se seguir este caminho, consubstanciados em seus ensinamentos. Se Ele tivesse dito: “Eu sou a salvação, a verdade e a vida”, poderíamos até aceitar que o “sangue de Cristo” tenha remido nossos pecados. Mas, não podemos aceitar pelas seguintes razões:
a) Se o sangue de Cristo remiu os pecados da humanidade, pouco importa o que faremos já que estamos remidos.
b) Isso contraria o que Ele afirmou de outra feita: “A cada um segundo as suas obras”.
c) Por não ser coerente com os costumes de Sua época, pois naquele tempo, os sacrifícios de expiação pelos pecados (ofereciam: touros, cordeiros ou cabritos, é justamente isso que querem que Jesus tenha sido), eram para expiar os pecados já cometidos, não para pecados futuros. Assim, sendo, teremos que encontrar outro “Cristo” para expiar pelos pecados da humanidade, cometidos depois de Sua morte até os dias de hoje. E, futuramente, as gerações que nos sucederão terão que fazer a mesma coisa, e assim sucessivamente.
d) E, pelo ridículo da afirmativa, pois estaríamos diante do seguinte absurdo: Jesus (=Deus), encarnando na Terra, morre na cruz, em sacrifício a Deus (=Jesus), ou seja, Deus oferece a si mesmo para pagar os nossos pecados.
Jesus em momento algum disse que entraríamos no reino dos céus pelo perdão divino, sempre disse que pela prática da caridade, ou seja, amor ao próximo como a nós mesmos, é que seremos julgados: “a cada um segundo as suas obras”. Idéia reforçada pela parábola do bom Samaritano, pela recomendação ao moço rico (vá vende tudo o que tens e doa aos pobres), pela passagem onde diz que os bodes serão separados das ovelhas (os que ajudaram ao próximo em suas necessidades, para um lado e os que não ajudaram, para outro) e, quando, Ele disse: “Nem todos que dizem Senhor!, Senhor! Entrarão no reino dos céus. Só entrarão no Reino dos Céus os que ouvem a palavra de Deus e a põem em pratica”. Os exemplo são claros demais, mas porque não falam disso, será que é porque são aqueles “que não entram no reino dos céus e nem deixam os outros entrarem”?
Veja, que por isso não podemos simplesmente aceitar que, só pelo fato de Jesus ter morrido na cruz, nós estamos salvos. Sabemos que morreu na cruz, o Evangelho é disso testemunha pelos seus autores, não há como negar. Entretanto, se só por isso seremos salvos, é fazer o tempo voltar para que Jesus seja o nosso “Cordeiro expiatório”. Aliás, nós procuramos especificamente seguir o que Jesus deixou em vida pelo seu exemplo e ensinamento, do que aceitar Sua morte como remissão dos pecados, já que foi para essa finalidade que veio.
Da morte de Jesus, podemos tirar: completa obediência à vontade de Deus, total resignação diante dos sofrimentos, assumiu sozinho toda a culpa, já que poderia incriminar os seus discípulos, como é comum no ser humano, não quer ir sozinho para “a forca”, e, que sua morte, na verdade, ocorreu por intransigência dos sacerdotes de seu tempo, pois foram eles que tramaram a morte de Jesus, talvez até para fugir deste estigma é que os judeus difundiram a idéia que Ele tenha morrido para nos salvar, pois viam em Jesus um herético em relação à Lei Mosaica, que seguiam incontinenti. Esse foi realmente o motivo da morte de Jesus na cruz.
E, para finalizar, quero realçar que não fomos nós que colocamos o texto no site, até porque não somos responsáveis por ele, mas pessoas amigas que o leram e usando do direito de defesa o colocaram lá. Acreditamos que pensam da mesma forma que nós. Entretanto, não tem por objetivo impor nossas idéias a quem quer que seja, até mesmo porque isso seria além de falta de caridade, seria falta de respeito ao direito dos outros de pensarem como bem entendem.
E fique com Deus, o de Jesus (NT); Pai-nosso e, não com o dos judeus (AT); senhor dos exércitos.
Um abraço.
Paulo da Silva Neto Sobrinho
Abril/2003.
Bibliografia:
- Bíblia – Mensagem de Deus, Edições Loyola, São Paulo, SP, 1984; Revista Espírita, ano 1863, IDE, Araras, SP, 1ª edição, 2000; O Livro dos Espíritos, IDE, Araras, SP, 37ª edição, 1987.