Doação de Órgãos
Um projeto de lei que prevê a doação compulsória de órgãos quando do
falecimento de uma pessoa, salvo prévia manifestação explícita em contrário, foi
aprovado pelo Congresso Nacional.
Não consigo entender a razão de tanta celeuma em torno de algo que pode
trazer tantos benefícios a milhares de pessoas que aguardam, ansiosas, por uma
chance de permanecerem vivas, valendo-se de um gesto de solidariedade de um
doador ou de sua família que, embora enlutada, nada mais pode fazer no campo da
matéria.
Não autorizar a retirada dos órgãos para doação, é tirar do potencial doador,
a chance de somar a tudo o que ele fez na existência, a grandeza de fazer de sua
morte, uma homenagem à vida. Embora triste, torná-la bela e, “uma bela morte
toda uma vida honra”, ensinou o poeta italiano Francesco Petrarca.
Alguns alegam que não querem seus entes queridos mutilados, outros alegam
motivos religiosos, mas todos parecem desconhecer que a única forma de prolongar
ainda, por alguns anos, uma lembrança viva da criatura amada, é permitindo que
seus órgãos pulsem em outra pessoa, criatura essa, cuja gratidão superará a da
maioria dos parentes e amigos.
Será que as pessoas contrárias à doação desconhecem o que se passa com um
corpo após o sepultamento?
O bisturi da solidariedade, apenas preserva em outrem, os órgãos que seriam
inexoravelmente, consumidos pelos agentes da própria natureza.
Thánatos, o deus grego da morte, empresta seu nome a um segmento da medicina
forense, a tanatologia, que mostra como a morte biológica é implacável com o
corpo humano, transformando-o minuto a minuto, até chegar à decomposição total,
inclusive dos órgãos que poderiam estar propiciando vida, alegria, solidariedade
e acima de tudo, eterna gratidão.
Desculpem-me a crueza, mas estou falando em defesa da vida e, em se tratando
de vida, não é possível usar meias palavras.
Há os que alegam que tal lei poderá dar margem ao tráfico de órgãos, mas se
isso fosse argumento válido, a medicina teria que abandonar o uso das drogas na
busca da cura, porque alguém as usa erroneamente; teríamos que proibir o uso de
veículos, que muitos usam como armas; enfim tudo o que é bom, se desvirtuado,
pode tornar-se ruim; até a vida.
Não foi o medo do fracasso que nos trouxe até o limiar do terceiro milênio.
“Miserável é o estado de ânimo daquele que
poucas coisas deseja e muitas teme”
(Francis Bacon).