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Elogios: a nova mania espírita

De uns tempos para cá, exacerbou-se de forma preocupante o hábito  dos espíritas
em elogiar e exaltar personalidades em público. É um tanto incompreensível que uma
Doutrina fundamentada na humildade de espírito, possa ter caído nesse lugar comum,
próprio das seitas dominadas pela irracionalidade.

Vamos narrar alguns fatos sem, no entanto, citar nomes para não ferir susceptibilidades.
A situação é grave e está contribuindo sobremaneira para ridicularizar o Espiritismo.

Dias atrás, num programa de televisão, certa personalidade espírita estava concedendo
uma entrevista. O entrevistador, cuja conduta na imprensa é a de fazer muitos elogios,
aproveitou a oportunidade para ouvir do seu entrevistado algo que apoiasse a própria
postura no vídeo. A pergunta mostrava claramente sua intenção:

– E quanto ao elogio, não se deve elogiar, estimular, incentivar alguém que
realiza grandes obras, grandes eventos?

A pergunta, além de colocar o elogio e o estímulo no mesmo patamar, era também
induzida. Isso é, trazia em si a resposta que ele, o entrevistador, gostaria de
ouvir.

O entrevistado não separou as coisas e acabou envolvido pelo clima que dominava
a situação. A resposta que deu foi no mínimo estranha. Primeiro, disse que o elogio
tinha mesmo um comprometimento. Não citou qual. Depois, trocando o termo “elogiar”
por “estimular”, fez um verdadeiro discurso argumentando a favor do elogio.

Começou dizendo que todos precisam de estímulos e indaga o por quê de só se apedrejar
e nunca se estimular. Infelizmente, neste caso, trocou alhos por bugalhos, pois
estímulo é uma coisa e elogio outra bem diferente. Se alguém vem a público dizer
que uma pessoa é “maravilhosa”, “fantástica”, “brilhante”, “inesquecível”, “insubstituível”
e outras coisas mais, certamente está elogiando e não estimulando, no sentido que
o entrevistado quis dar à palavra. Neste caso há sim um estímulo, mas ao ego da
criatura.

A seguir, o entrevistado citou um pensamento de uma jovem rosa cruz, que disse
ser pessimista:  “Quando alguém cai, a humanidade cai com ela”. Afirmou que
pensa ao contrário. Segundo ele, quando alguém se levanta, a humanidade se levanta
com ele.

À primeira vista esse pensamento pode parecer correto, mas se o analisarmos cuidadosamente,
vamos verificar que traz em si um equívoco: o de se preocupar só com as coisas boas
e deixar de lado as ruins. Ora, mas é das coisas ruins que devemos nos ocupar no
Espiritismo, pois são as que destroem as boas coisas. A bandeira do verdadeiro espírita
é a do autoconhecimento, conforme nos coloca Allan Kardec:

“Examinai os vossos defeitos, e não as vossas qualidades, e se vos comparardes
aos outros, procurai o que existe de mau em vós”
– (Evangelho Segundo o Espiritismo,
Cap. 27:4).

A jovem rosa cruz estava certa, pois centrou sua preocupação nos problemas do
ser que luta e cai. Quando faz isso, alerta para que todos façamos um esforço para
não deixar os nossos irmãos caírem. É o amor ao próximo, conforme nos exorta o Evangelho.

A seguir, o entrevistado fala uma coisa no mínimo estranha: “A inveja não
deixa sermos parceiros da pessoa jubilosa, mas o prazer nos leva a ter compaixão
porque exalta o ego. Nós nos tornamos benfeitores”.

Declaração de puro sofisma. Esmiuçando, diz que aquele que não é parceiro da
pessoa “jubilosa” é um invejoso. Depois, que o prazer, (de ser jubiloso?) leva-nos
a ter compaixão, porque exalta o ego e nos torna benfeitores. Benfeitores por estimular
o ego?

Ora, mas o Espiritismo não tem como fundamento combater a exaltação do ego? Não
é o ego exaltado o responsável por todas as desgraças humanas? Não é através dele
que se fortalece o orgulho, a vaidade e o egoísmo? Pelo menos é isso que está nos
livros espíritas.

Em outra ocasião, esse mesmo entrevistado já afirmou que seu guia espiritual
tem o seguinte pensamento: “quando nos conhecemos, os elogios não nos exaltam”.
Sem comentários!

No final da questão, o entrevistado saiu-se com outra idéia não menos estranha,
dizendo que não haveria qualquer problema em se bater palmas para alguém. Disse
mais: que só aplaudia aqueles que ele gostasse do trabalho. Se a pessoa se envaidecesse,
seria uma fraqueza dela. Ensina que o problema do elogio está no elogiado ser vaidoso
ou não. Ora, mas é a vaidade ou o elogio que é o problema central?

Vejamos. Se o elogio não tiver qualquer problema no tocante à alteração da personalidade
humana, os traficantes de droga também estarão isentos de seus crimes. Eles podem
argumentar que oferecem os tóxicos nada mais. Se alguém vira viciado, o problema
é dele. Então quem é mais nocivo: o tóxico ou a tendência ao vício que algumas pessoas
possuem? O tóxico, claro, pois ele é o elemento de estímulo do vício.

No caso das drogas, temos de fazer um trabalho de esclarecimento para conscientizar
as pessoas da infelicidade que é transformar-se num alienado mental pelo seu uso.
Mas é preciso também combater o tráfico e a droga em si.

No caso da vaidade, estamos frente a uma situação de maior gravidade, pois quase
todos possuímos tendências ao orgulho e egoísmo. Além de alertarmos para os danos
da vaidade e do orgulho na felicidade do Espírito, precisamos lutar contra tudo
que pode estimulá-los. Daí o elogio ser tão nocivo.

Quanto ao bater palmas para esse ou aquele expositor que visita a casa espírita,
isso já se tornou um hábito desagradável e pelo que se vê, defendido pelos que deveriam
trazer o esclarecimento. Vimos centros onde se batiam palmas até para quem fazia
a prece de abertura. No meio da palestra, se o expositor discorre sobre assunto
edificante e é mais enfático em sua explanação, haja aplausos…

Infelizmente, entre nós espíritas, cumprir a tarefa de expositor passou a ser
motivo de “júbilo” e não de prestação de serviço. A exposição doutrinária transformou-se
em pedestal de auto-realização. Certas imitações de oradores conhecidos, que se
fazem em todo o país, é uma vergonha.

Para acertarmos no caso do aplauso, basta usarmos o bom senso. Se estamos fazendo
um  evento doutrinário não convencional, não há motivos para se deixar de aplaudir
o convidado, mesmo que não gostemos de sua apresentação. Fazê-lo, faz parte da educação.
No entanto, se alguém vier falar numa reunião pública convencional, não há qualquer
motivo para aplaudi-lo. O orador estará explicando a Doutrina Espírita ao povo,
como se faz em outros dias de reuniões. Por que, pois, aplaudi-lo? Não é necessário.
É preciso que tenhamos cuidado para que os trabalhos públicos não se transformem
em fábrica de vaidades.

Recentemente, num evento promovido no Nordeste, um renomado expositor fez a palestra
de encerramento. Ao finalizá-la, saiu do palco de apresentação entre pétalas de
rosas, cânticos e lágrimas! Outro, em comemoração aos seus muitos anos de serviço
na causa, adentrou um estádio lotado de pessoas que acenavam com fitas brancas.
Será que isso é normal? Existe alguma outra religião ou filosofia racional que age
assim? Não estaria havendo exageros da parte de quem organiza? Os homenageados não
estariam sendo coniventes com tais coisas? São situações claras de estímulo à idolatria
de vivos, lamentavelmente.

Já fizemos críticas nesta coluna aos títulos de cidadania que são distribuídos
a oradores, pois é uma cerimônia politiqueira que nada acrescenta ao Movimento,
a não ser fortalecer a idolatria em torno dos envolvidos. Mas tudo continua como
se não fosse com eles. Os expositores de renomes são cercados por admiradores fanáticos
que, para agradar seus ídolos, promovem tais descalabros. Freqüentemente, eles criam
o próprio espaço à sombra do idolatrado. São procurados para intermediarem favores
e visitas apostolares. Uma boa oportunidade para criarem também o próprio mito.

No interior de São Paulo, ficou conhecidíssimo o caso do dirigente que distribuiu
cartas na região, sugerindo aos centros espíritas que levassem placas de prata ao
homenageado da noite, pois com isso eles entrariam para os “anais da história”.
Isso não faz o menor sentido. Não estaremos nos dando muita importância e sentando
nos primeiros lugares da festa, como nos alerta o Evangelho?

O maior exemplo de postura cristã ainda está encarnado. Trata-se de Francisco
Cândido Xavier. Ele é quem fez o Movimento no Brasil. Embora muitos o idolatrem,
ele nunca se deixou envolver nessas estapafúrdias homenagens. Hoje, goza dos frutos
do seu trabalho. Sempre se colocou como um “burro manco”, a serviço do Senhor. Por
que não imitarmos a sua humildade e simplicidade de espírito? Precisamos pensar
nisso seriamente.

Certa feita, um mulher tendo ficado tocada pelas pregações de Jesus, gritou em
meio à multidão: “Bem-aventurados os peitos em que mamastes”. E o Senhor
lhe respondeu: “Mais bem-aventurados são os que fazem a vontade de meu Pai”.

O Mestre, nosso modelo por excelência, não admitia sequer que alguém lhe chamasse
de “bom”. Bom é Deus, dizia. Por que motivo estamos nos deixando levar por esse
espírito de vaidade? Não se estaria repetindo a atitude garbosa dos antigos fariseus?
Essas pompas e grandiloqüências, observadas à volta de alguns expoentes, não seria
a repetição dos faustos da Igreja Católica?

Todos somos criaturas imperfeitas. Se algum Bem conseguimos fazer, certamente
ele deve ser creditado a Deus que a tudo realiza.  Paulo de Tarso, em umas de suas
advertências, disse que nem o que planta nem o que rega é coisa alguma, mas Deus,
que dá o crescimento. Procuremos imitar esses mestres em sua conduta.

A humanidade decadente oferece condições para que a iniquidade se multiplique.
O momento que vivemos é de muita gravidade e os dirigentes espíritas sérios precisam
tomar nas mãos as rédeas de suas casas, para dirigi-las com retidão e coragem.

O Evangelho espírita é o guia moral de todos nós. Nas grandes questões da vida,
é a ele que precisamos recorrer. Evitemos deixar nos envolver nas armadilhas do
momento, que estão sendo colocadas para atrair incautos, venha de quem vier.

(Jornal A Voz do Espírito Edição 88: Novembro-Dezembro de 1997)