Entre o Bem e o Mal
Os males de toda sorte, físicos ou morais, que afligem a humanidade se apresentam em duas categorias que importa distinguir: são os males que o homem pode evitar e os que são independentes de sua vontade. Entre esses últimos é preciso colocar os flagelos naturais.
O homem recebeu como dote uma inteligência com a ajuda da qual pode afastar, ou pelo menos atenuar grandemente os efeitos de todos os flagelos naturais; quanto mais adquire saber e avança em civilização, menos esses flagelos são desastrosos; com uma organização social sabiamente previdente, poderá mesmo neutralizar as conseqüências, ainda que não possam ser evitadas inteiramente. Assim mesmo esses flagelos que terão sua utilidade na ordem geral da natureza no futuro, mas que também afligem no presente, Deus deu ao homem meios de paralisar seus efeitos, pelas faculdades das quais tem sido dotado seu Espírito.
Devendo o homem progredir, os males aos quais está exposto são um estimulante para o exercício de sua inteligência, de todas suas faculdades físicas e morais, incitando-o à busca dos meios de se sustentar. Se não tivesse nada a temer, nenhuma necessidade, não iria à procura do melhor; seu espírito se embotaria na inatividade; não inventaria nada e não descobriria nada. A dor é o aguilhão que impulsiona o homem para adiante na via do progresso.
Mas os males mais numerosos são aqueles que o homem cria por seus próprios vícios, aqueles que provém de seu orgulho, de seu egoísmo, de sua ambição, de sua cupidez e de seus excessos em todas as coisas: aí está a causa das guerras e das calamidades que acarretam, das dissensões, das injustiças, da opressão do fraco pelo forte e enfim da maior parte das doenças.
Deus estabeleceu leis plenas de sabedoria que não têm por objetivo senão o bem; o homem encontra nele mesmo tudo o que precisa para as seguir; seu caminho está traçado por sua consciência; a lei divina está gravada no seu coração; e, além disso, Deus o faz recordá-la sem cessar, por seus messias e profetas, por todos os Espíritos encarnados que têm recebido a missão de o esclarecer, moralizar e melhorar e, nesses últimos tempos, pela multidão de Espíritos desencarnados que se manifestam de todas as partes. Se o homem se conformasse rigorosamente às leis divinas, não há dúvida que evitaria os males mais pungentes e que viveria feliz sobre a Terra. Se não o faz, é em virtude de seu livre arbítrio, e disso sofre as conseqüências.
Mas Deus, pleno de bondade, colocou o remédio ao lado do mal, isto quer dizer que mesmo do mal ele faz sair o bem. Chega um momento em que o excesso do mal moral se torna intolerável e faz ao homem sentir a necessidade de mudar de vida; instruído pela experiência, é impulsionado a procurar um remédio no bem, sempre por efeito de seu livre arbítrio; quando entra em um caminho melhor, é por sua vontade e porque reconheceu os inconvenientes do outro caminho. A necessidade o constrange então a se melhorar moralmente visando ser mais feliz, da mesma forma como esta mesma necessidade o tem constrangido a melhorar as condições materiais de sua existência.
Pode-se dizer que o mal é a ausência do bem, como o frio é a ausência do calor. O mal não é um atributo distinto tanto quanto o frio não é um fluido especial; um é o negativo do outro. Aí onde o bem não existe, existe forçosamente o mal; não fazer o mal já é o começo do bem. Deus não quer senão o bem; apenas do homem vem o mal. Se houvesse, na criação, um ser predisposto ao mal, ninguém o poderia evitar; mas sendo o homem ELE MESMO a causa do mal, e tendo ao mesmo tempo seu livre arbítrio e por guia as leis divinas, ele o evitará quando quiser.
Se estudarmos todas as paixões, e mesmo todos os vícios, vemos que eles têm seu princípio no instinto de conservação. Este instinto existe em toda sua força nos animais e nos seres primitivos que se aproximam mais da animalidade; aí domina sozinho, porque, entre eles, não há ainda por contrapeso o senso moral; o ser ainda não nasceu para a vida intelectual. O instinto se enfraquece, ao contrário, à medida que a inteligência se desenvolve, porque esta domina a matéria.
O destino do Espírito é a vida espiritual; mas nas primeiras fases de sua existência corporal, ele tem apenas as necessidades materiais a satisfazer, e para este fim o exercício das paixões é uma necessidade para a conservação da espécie e dos indivíduos, materialmente falando. Mas saído deste período, tem outras necessidades, necessidades de início semimorais e sem imateriais, depois exclusivamente morais. É então que o Espírito domina a matéria; se conseguir sacudir o jugo, avança na sua via providencial e aproxima-se de seu destino final. Se, ao contrário, se deixa dominar por ela, retarda-se continuando assemelhado ao bruto. Nesta situação, o que era outrora um bem, porque era uma necessidade de sua natureza, se torna um mal, não somente por não ser mais uma necessidade, mas porque se torna nocivo à espiritualização do ser. O que é qualidade entre as crianças, se torna defeito entre os adultos. O mal é assim relativo, e a responsabilidade é proporcional ao grau de adiantamento.
Todas as paixões têm, então, sua utilidade providencial. É o abuso que constitui o mal, e o homem abusa em virtude de seu livre arbítrio. Mais tarde, esclarecido por seu próprio interesse, livremente escolhe entre o bem e o mal.
Vale a pena anotar:
O mal não tem existência própria. Ele é o estado de inferioridade e de ignorância do ser em via de evolução.
Para saber mais:
- O Problema do ser e do destino de Léon Denis (2ª parte, cap. XVIII, O problema do mal)
- A Gênese, os milagres e as predições de Allan Kardec (cap. III, O bem e o mal)
- O ser subconsciente do Dr Gustave Geley (2ª parte, cap. I, Explicação do mal)