Grupo de Estudos Avançados Espíritas
GEAE – Caro Luiz Signates, frente a importância do tema “Comunicação Social Espírita”, gostaríamos de fazer-lhe algumas perguntas referentes as idéias apresentadas no seu artigo e sua aplicação na Internet.
LS – É com alegria que recebo uma manifestação do GEAE, de interesse por uma temática que, particularmente, considero da maior importância, e para a qual os companheiros espíritas ainda não atentaram o suficiente, porquanto aborda assuntos que ainda não são considerados problemáticos no Espiritismo brasileiro. Neste momento, ainda estou estudando a Internet e a inserção dos espíritas nela, de sorte que as analises ainda não são inteiramente conclusivas. Receba, portanto, minhas respostas como conjeturas, diante das quais estou inteiramente aberto ao dialogo, pelo e-mail signates@writeme.com.
GEAE – Dentro do contexto apresentado em seu artigo como você vê a situação atual da Internet e a inserção dos espíritas nela ?
LS – O que tenho observado na Internet, grosso modo, é que as homepages espíritas são impressionantemente semelhantes, sugerindo que a metáfora do espelho (utilizada no artigo “Espelho dos Espíritas”) pode lhes servir. Outra coisa acontece, contudo, nas listas de discussão, sobretudo naquelas em que os critérios de participação são meramente técnicos, nas quais se discute de tudo, desde duvidas comezinhas de iniciantes até pontos controversos ainda irresolvidos, passando, é claro, pelas discordâncias de adeptos em relação a pontos que, para outros, já são pacíficos.
Entre umas e outras, isto é, entre as homepages e as listas, um espaço intermediário que tenho observado cuidadosamente, nesse estudo, são as chats. Porque reúnem a discussão até certo ponto livre `a condição do dialogo em tempo real, criam momentos de interatividade extremamente interessantes a um pesquisador da comunicação social espírita.
Nesses casos, tenho considerado muito interessantes principalmente dois aspectos: primeiro, os critérios de inserção de conteúdos, sobre os quais os espíritas participantes discordam entre si, alguns defendendo a livre abordagem e outros pretendendo a exclusividade na temática e na apreciação dentro de certos limites doutrinários mais ou menos rígidos; segundo – e mais importante -, a forma de relacionamento que os espíritas instauram uns com os outros e com os eventuais não espíritas que se aventuram a entrar na conversa.
GEAE – Quais são os critérios que norteiam sua pesquisa sobre “Comunicação Social Espírita” e como se aplicariam na analise um veiculo de comunicação especifico dentro da Internet ?
LS – O que denomino “Comunicação Social Espírita” é uma forma de relacionamento, e não uma técnica de “passar a mensagem”. Dai porque comunicação é diferente, sob esse ponto de vista, de “divulgação”. A primeira é centrada nas pessoas, interessa-se pela efetivação de uma relação de fraternidade real entre os indivíduos e grupos. A segunda, é centrada na mensagem, e, embora os espíritas neguem na teoria, na pratica essa atitude objetiva a conversão dos outros `a nossa doutrina.
Observa-se, portanto, que o interesse da pesquisa está centrado no tipo de relacionamento. Tal posicionamento teórico utiliza como critério uma categoria do filosofo alemão Juergen Habermas: a noção de “interação comunicativa”, em contraposição com uma forma de interação do tipo “estrategico-instrumental”. Trocando em miúdos, isso significa que procuro verificar as condições de possibilidade da aceitação da diferença e a capacidade de instauração de diálogos abertos e autênticos com pessoas que pensem diferente. Tais referenciais diagnosticam parcialmente a existência parcial ou não de fraternidade nos relacionamentos.
Como você vê, não é o conteúdo espírita, aquilo que desencadeia uma relação espírita entre as pessoas, mas a forma – essa sim, espírita ou não – como nos relacionamos. Compartilhar conhecimento espírita só é valido se feito de forma espírita, isto é, sem que pretendamos converter o outro `a nossa doutrina, e desde que estejamos dispostos a aprender também. Uma postura identitaria, de auto-valorização extrema, na pressuposição de que estamos no espaço da Verdade e o outro no lugar do erro, mesmo que essa postura esteja vinculada ao Espiritismo, não será, sob esse ponto de vista, uma atitude espírita. Daí a diferença entre “divulgação” (ato informativo, autoritário e centrado na mensagem) e “comunicação” (ato interativo-construtivo, democrático e centrado nas pessoas).
GEAE – Considerando o caso de um grupo de estudos similar ao nosso, como incentivar a participação das pessoas nas discussões ?
LS – Tratando de temas e problemas *delas*, e não dos nossos. Servindo-as.
Isso, contudo, demanda, no âmbito da comunicação social, desistirmos de alguns preconceitos que, muitas vezes, estão incrustados em nos. Num ambiente plural e múltiplo, como a Internet, as pessoas só ficam nas regiões de seu interesse. Sempre que a nossa temática e o nosso linguajar for especifica e exclusivamente espírita, estaremos operando uma segmentação de nosso publico interlocutor, que será ou espírita, ou simpatizante do Espiritismo.
Com quem queremos falar? Quanto mais diferente de nós for o nosso interlocutor, mais ele exigira de nós em termos de concessões de temática e linguagem, para prosseguir interagindo. E quanto mais dispostos estivermos a aprender com eles, melhor eles se sentirão, na interação conosco. Caso contrario, estaremos fundando novamente o espelho: desinteressados a respeito do que pensa e faz o “outro”, projetaremos a nos mesmos, num movimento de circularidade, extremamente pobre em comunicação.
GEAE – Tomando como exemplo a seção “Palestras Familiares de Alem Tumulo” em que procuramos incentivar a analise e discussão das mensagens, para desenvolvimento do senso critico – permita-nos utilizar uma frase sua, critica no sentido filosófico e não no sentido moral – julgamos que o modo mais produtivo de estudo é a participação ativa de todos, que as analises não se restringissem apenas aos editores ?
LS – Para que instauremos um espaço comunicativo de dialogo, quanto menor a hierarquização dos interlocutores entre si, melhor será a comunicação. Uma situação de verdadeira dialogicidade, é um ambiente de permuta, de intercambio, em que todos ensinam e aprendem, ao mesmo tempo. Dai, porque consideramos que a tarefa fundamental da comunicação social espírita é a de *fundar uma esfera publica racional e afetivamente orientada para a dimensão espiritual da vida*, dentro da qual os espíritas ensinem, mas aprendam também. Por tais razoes, consideramos evidente que, tanto no exemplo dado, como nas demais atividades envolvendo a tematização da vida em relação com o Espiritismo, a participação de muitos é sempre melhor do que a de apenas alguns.
GEAE – Nos parece que a “Revue Spirite” é uma fonte importante de exemplos e precedentes para todos que atuam na área de comunicação espírita. Como você analisaria a atuação desse veiculo de comunicação, que inclusive comemora neste mês de janeiro de 1998 seu 140.o aniversario, durante seu período sob direção de Allan Kardec ?
LS – A comunicatividade em Allan Kardec foi expressiva, embora o caráter de sua missão lhe tenha conferido um grau de centralidade talvez impensável para a atualidade, e as condições culturais (leia-se as reações dos “doutos” e “teólogos” de sua época) nas quais estava inserido o obrigaram, muitas vezes, a adotar fortes posicionamentos defensivos, momento em que o espaço do aprendizado mutuo se viu ferido pelas atitudes “estratégicas” dos “oponentes” e, então, a metáfora da guerra substituiu a da comunicação.
É possível observar, apesar disso, que a política editorial adotada pelo codificador incluía analises e opiniões de pessoas não diretamente identificadas com o Espiritismo, e, no caso das vozes discordantes, constituiu a “Revue” espaço proveitoso de debates. Kardec, nesse sentido, esteve inteiramente inserido na cultura iluminista e racionalista da Franca de sua época.
GEAE – O quadro “Jornalismo Espírita e Dialogo Social” propõe o formato reportagem como uma saída para mudar o enfoque da comunicação, de sua centralização no conteúdo para sua centralização nos seres humanos que participam da comunicação, a recomendação permanece para a Internet ? O Jornalismo tradicional é um bom modelo para nos basearmos ou existe no campo da comunicação social outros modelos mais próximos ao ambiente em que atuamos ?
LS – Não, o raciocínio não permanece, porquanto a Internet é mais do que jornalismo – o que, alias, não é novo na historia da comunicação.
O que academicamente vem sendo chamado de “processo de institucionalização da comunicação social na modernidade”, ou seja, o processo histórico de surgimento de uma opinião publica sediada em instituições, que se aprofunda no Iluminismo, começa na forma da Imprensa, dando origem `as formas discursivas do jornalismo, as quais evoluíram para o que conhecemos hoje. Neste século, porem, surgem o radio e a televisão, cuja discursividade não se equipara `a do jornalismo, absorvendo apenas parcialmente os seus formatos, e relacionando-se com outros campos, como o teatro, a musica, etc. Isso é muito mais do que jornalismo, embora não exclua essa forma de relato da realidade, cujo prestigio ainda permanece.
A Internet, por sua vez, é uma nova forma de interação social mediada por ecossistemas técnicos. Há quem diga que não é um “meio de comunicação”, mas um “espaço de comunicação”, o que me parece correto. Por isso, as considerações que fiz a respeito do esquecimento ou a dispensa da reportagem no jornalismo espírita, foi dentro de uma critica (no sentido filosófico do termo, e não no moral – as vezes, os espíritas confundem) ao articulismo e a comentariologia repetitiva da imprensa espírita. Originalmente, jornalismo é espaço de publicização de opiniões e interpretações múltiplas, e não de mera “divulgação”. É espaço do debate franco, porem respeitoso; espaço de construção da inteligência pela palavra publica, que pode, no Espiritismo, tornar-se o espaço de construção da fraternidade pela palavra. Eis porque a reportagem seria um avanço. Ela se remete não `as teorias, mas ao cotidiano das pessoas: é centrada nas pessoas e não nas mensagens (o que não significa o abandono da mensagem, mas a sua submissão às questões praticas do espírito humano).
Tais considerações podem talvez ser validas para o *jornalismo* na Internet, e não para toda e qualquer discursividade na rede. O grande lance da Internet parece ser a interatividade direta, como afirmei anteriormente. É a constituição de uma “esfera publica”, que, em termos da interação espírita, significa espaço de racionalidade da fé.
GEAE – Normalmente na Internet utilizamos os idiomas sem grandes formalidades, de modo coloquial, facilitando o dialogo ? O que isso significa em termos de comunicação social ? Como pode ser considerado, é um aspecto positivo ou não ?
LS – A informalidade é o sinal de que ha vida na rede. De que as pessoas transacionam seus valores e suas praticas, e não apenas suas eventuais teorias, controladas por esse ou aquele “sábio” editor. Por isso, tenho a convicção de que, como aconteceu com o radio e a televisão, a Internet esté constituindo uma linguagem própria, ante a qual os públicos conectados são muito menos passivos. Isso tem repercussões culturais e, até, políticas, que ainda estão por ser compreendidas em sua dimensão e sua complexidade. Fala-se, mesmo, de uma nova solidariedade, capaz de engendrar uma nova sociedade, mais fraterna, mais irmã… Não sei se devemos embarcar num otimismo assim tão exagerado, mas a esperança das pessoas é algo que jamais devemos desconsiderar, pois são os sonhos os artífices do futuro.
GEAE – Pelo que temos visto no grupo, tornou-se evidente que a barreira lingüística é uma das principais dificuldades com que lidamos na ampliação do dialogo entre participantes de diferentes nacionalidades. Na busca de solução para esse problema deparamos com a língua criada pelo Dr. Zammenhof, o Esperanto. Gostaríamos de perguntar-lhe como vê a Lingvo Internacia ? Dentro dos critérios que norteiam sua pesquisa, que impacto teria na comunicação o uso de tal ferramenta ?
LS – Para responder a esta indagação, expressarei um ponto de vista inteiramente pessoal, surgido de meus estudos do Esperanto e minha pequena experiência em comunicação.
La internacia lingvo estas la plej bela kaj la plej inteligenta idiomo de nia mondo. Entretanto, os esperantistas se deixaram levar pelas ilusões da neutralidade, influenciados, parece-me, pelo cientificismo da virada do século, superado pelos epistemologos posteriores. Por isso, conceberam o Esperanto como um mero código interlinguistico, e evitaram comprometimentos ideológicos. Jamais se ouviu dizer que os esperantistas são a favor disso ou contra aquilo, que não seja a utilização do idioma que defendem. Recebem o apoio de grupos culturais (no Brasil, o Espiritismo desempenhou um papel imprescindível), e não se envolvem com os sentidos desses grupos. Houve, no Brasil, um ponderável esforço, em certa época, para “descaracterizar” o Esperanto como “coisa de espírita”, resultando tal descompromisso em uma perda significativa para o próprio Esperanto.
Por tal razão, o Esperanto não tem sido significativo, em termos de interlocução internacional, espaço onde o inglês impera inquestionado. Por esse motivo, de minha parte, não concebo o Esperanto sem o Homaranismo, sem a posição filosófica franca de fraternidade sonhada por Zamenhof, e que pode identificá-lo com o Espiritismo e com outras doutrinas filosóficas espiritualistas.
Os espíritas, por sua vez, não devem dispensar o Esperanto de suas cogitações. E, objetivando a comunicação, igualmente não devem dispensar as demais línguas, compreendendo que, se é extremamente importante dar forca a um idioma intermediário que supere os problemas da dominação cultural operada pela imposição de idiomas nacionais, é mais importante ainda que “falemos as línguas dos nossos interlocutores”, se de fato queremos valorizá-los e estabelecer uma interação comunicativa com eles.
GEAE – Caro amigo, em nome de todos os participantes do grupo gostaria de agradecer-lhe sua atenção e convidá-lo a dizer algumas palavras sobre o modo como vê o futuro da Internet e sua importância para o movimento espírita.
Diz Emmanuel que aquele que dá é o que mais recebe. Por isso, o dever de gratidão, na verdade, cabe a mim, que, neste espaço, estou na condição benfazeja de quem procura doar e que, portanto, é quem mais tem recebido.
A Internet, sem duvida, é o mais aberto e livre campo de interação humana da Historia. O computador deixou de ser apenas uma mega-maquina de calcular, para se tornar um aparelho de comunicação e propiciar a fundação de novo um espaço publico de relacionamento social, cuja configuração ainda está sendo construída.
Entretanto, a Internet ainda é seletiva: feita para alfabetizados (não raro poliglotas) e os melhor situados financeiramente. Talvez por isso se adeqüe tanto aos espíritas, que formam um movimento escolarizado e de classes medias e altas (embora, contraditoriamente, se relacione tanto com os pobres – o que pode indicar, de forma preocupante, que nossa caridade talvez ainda nos separe, mais do que una).
Seria importante se os Centros Espíritas propiciassem, de alguma forma, a seus freqüentadores o acesso `a Internet. Seria interessante se criassem diferentes atividades envolvendo o relacionamento dos espíritas com os diversos campos de conhecimento do mundo. Seria proveitoso, se nos interessássemos não apenas por divulgar o Espiritismo, mas sobretudo por estabelecer esferas de relacionamento fraterno e aprendizado mutuo com os outros, contribuindo tanto para a difusão das idéias espíritas, quanto para seu aperfeiçoamento. Que nós nos tornemos pessoas menos preocupadas com a pureza doutrinaria, em nome da qual `as vezes tanta violência e tanta intolerância é operada, e mais interessadas no exercício cotidiano da fraternidade e do amor.
O mundo anseia por paz, por amor, por afeto autentico. Nenhuma doutrina ou instituição responderá a essa demanda das sociedades (não são as doutrinas e as instituições, mas as pessoas, as capazes de amar), senão aquelas que puderem admitir as crenças e instituições como meros lugares de fala, instrumentos a serviço da felicidade. Isso porque a consecução desse objetivo não será obra dessa ou daquela filosofia ou movimento, mas uma realização concreta da convivência pacifica e respeitosa de todas as filosofias e movimentos, porquanto apenas a relação de afeto, empírica e verdadeiramente vivida, poderá instaurar a fraternidade no mundo.
“Amar a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a si mesmo. Nisto consiste toda a Lei e os Profetas” (Jesus)
(Publicado no Boletim GEAE Número 278 de 3 de Fevereiro de 1998)