Enéas Canhadas
Certamente você já ouviu e repetiu alguns ditos populares como “a esperança é a última que morre”, ou “quem espera, sempre alcança”. Também já ouviu outros menos otimistas e construtivos como “de tanto pensar, um burro morreu”, ou “quem pensa, não casa” e assim por diante.
Estamos falando de coisas contraditórias dentro de nós. O que esperamos e o que cremos poder esperar e desejar de um lado, por outro, não ir a fundo para entender os nossos desejos porque podemos descobrir incoerências e até mesmo certos absurdos nos desejos que sentimos. Por isso, os ditos populares nos recomendam não pensar muito.
Também não queremos ouvir respostas negativas. Não queremos ouvir “nãos” da nossa própria consciência. Pode acontecer que pensar nos force a fazer distinção entre os desejos e a esperança que existem em nós, esta, a esperança, de natureza mais profunda e arraigada na qualidade da nossa fé. Emmanuel nos diz em Pensamento e Vida que a “a fé não encontra definição no vocabulário vulgar. É força que nasce com a própria alma, certeza instintiva na Sabedoria de Deus que é a sabedoria da própria vida. Palpita em todos os seres, vibra em todas as coisas.”
Na Divina Comédia, Dante (1265-1321) escreveu no portão do Inferno: “deixai toda esperança, ó vós que entrais”. Seria mesmo esse o limite para se perder a esperança? Podemos acreditar no Inferno como um lugar no qual vamos passar a eternidade condenados pelas nossas falhas e culpas. Isso acontece quando precisamos nos auto castigar, auto flagelar pelas dívidas que assumimos. Parece assim que o inferno está dentro de nós, e se aprendemos que temos de sofrer sempre para nos purificar, a nossa mente faz o trabalho de pensar numa culpa permanente, da qual não conseguiremos nos redimir nunca mais. Podemos, de outra forma, compreender o inferno como uma simbologia da desesperança, mas da qual podemos estar livres assim que a esperança nos reconquiste novamente. É assim que inferno e esperança estão dentro de nós. É quando cometemos o erro de confundir o desejo com a esperança. Em geral fazemos dos desejos, sentimentos apenas nossos, interessantes principalmente para nós mesmos. Quando o que desejamos não é satisfeito, rapidamente se transforma em frustração. Os nossos desejos são sempre muito bons e convenientes para nós mesmos, e raramente abrimos mão de não desejar alguma coisa. Fomos educados para desejar tudo do bom e do melhor.
O que geralmente nos salva de nós mesmos, é a fé com que desejamos coisas fundamentais, decisivas e necessárias para a nossa própria vida. Assim, temos chances de perceber a intensidade das nossas intenções. É comum ficarmos surpresos ao nos conhecer melhor porque estamos propensos a “ver” e “pensar” mais nos azares dos desejos não concretizados do que nos resultados que a nossa fé proporciona na medida em que gera a nossa esperança. Por isso podemos afirmar que é a esperança que nos salva. Podemos até mesmo não ter uma aguda consciência de que isso acontece dentro de nós. O nosso espírito, neste plano, não está mesmo no melhor da sua capacidade sensitiva . . . Um jornalista no rádio, disse que a única coisa nova que via nos jornais, era a data . . . Ver o novo em meio a mesmice, parece ser a prova de que temos capacidade de auto-renovação de sentimentos e de propósitos. Tal competência pode ajudar a ver a saída mais escondida, de difícil acesso, mas de sabedoria.
Na nossa mente estão contidas tanto a força primária de sempre esperar como também o germe do desalento quando se perde, em um dia ou momento, toda a capacidade de esperar. O ser humano canta a esperança ao mesmo tempo que sente a tristeza do que ainda não conseguiu e que espera… Na tristeza do que ainda se espera mais uma vez, reside a certeza do que virá. Os versos da música “Ventania” de Geraldo Vandré e Hilton Acioli expressam esses sentimentos contraditórios: “Andei pelo mundo afora, querendo tanto encontrar, um lugar para ser contente, onde eu pudesse mudar, mas a vida não mudava, mudando só de lugar. Que a morte que eu vi no campo, encontrei também no mar, boiadeiro, jangadeiro, iguais no mesmo esperar. Que um dia, se mude a vida, em tudo e em todo lugar… Prá alegrar, tenho a viola, para cantar, minha intenção, para esperar tenho a certeza que guardo no coração …” Será verdade que esperamos, precisamente porque não temos a certeza de conseguir? Esse sentimento, mais do que o próprio fazer e conseguir, parece existir desde antes de qualquer coisa, e depois de conseguir algo ou chegar a algum objetivo, a esperança continua existindo. A nossa esperança parece ignorar o que nos acontece de novo e as novidades que encontramos. Alguém disse sabiamente que estamos separados da felicidade por um “se” e este “se” parece chamar-se esperança!