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Espiritismo e Cristianismo

Espiritismo e Cristianismo

Recentemente, tive acesso, pelo jornalismo
espírita, a uma interessante crítica sobre a linha de atuação da CEPA – Confederação
Espírita Pan-americana, organismo que, a pretexto de kardequizar o movimento espírita,
vem sistematicamente rejeitando a ascendência espiritual de Jesus sobre a Codificação.

Não que eu seja dogmático. Ao contrário, admiro intensamente a feição científica
do Espiritismo, não deixando de dar-lhe a atenção devida. O que é certo é que Kardec,
na introdução de O Livro dos Espíritos, item XVII, na tradução de Salvador Gentile,
diz expressamente que a ciência espírita compreende duas partes: uma experimental,
sobre as manifestações em geral, outra filosófica, sobre as manifestações inteligentes.
Aquele que não observou senão a primeira, está na posição daquele que não conhece
a física senão por experiências recreativas, sem ter penetrado no fundo da ciência.
A verdadeira Doutrina Espírita está no ensinamento dado pelos Espíritos (…).

Ora, então temos a Ciência Espírita latu sensu, que se divide
em ciência experimental (estudo das manifestações em geral) e em filosofia (estudo
das manifestações inteligentes). Esta última, a filosofia, segundo o próprio mestre
lionês, é que constitui a verdadeira Doutrina Espírita. Da aplicação dessa filosofia
à vida cotidiana é que surge a religião, seu terceiro aspecto.

Na mesma obra, Kardec assevera que O Espiritismo se apresenta sob três aspectos
diferentes: o fato das manifestações, os princípios de filosofia e de moral que
dela decorrem e a aplicação desses princípios. Daí três classes, ou antes, três
graus entre os adeptos: 1) os que crêem nas manifestações e se limitam em constatá-las;
é para eles uma ciência experimental; 2) os que lhe compreendem as conseqüências
morais; 3) os que praticam ou se esforçam por praticar essa moral.

Ora, aí se vê que os adeptos do pensamento da CEPA se enquadram,
em sua maioria, na primeira das categorias citadas pelo Codificador. Vêem o Espiritismo
como ciência experimental.

Continua Allan Kardec: Que importam, aliás, algumas dissidências que estão mais
na forma que no fundo! Observai que os princípios fundamentais são os mesmos por
toda parte e devem vos unir num pensamento comum: o amor de Deus e a prática do
bem.

A moral espírita, qual é? É a própria moral do Cristo! Kardec
e os Espíritos da Codificação nenhuma moral nova criaram. Justo assim que se tenha
Jesus como figura central da Doutrina, tendo Kardec e os Espíritos da Codificação
ao lado. O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo I , item 7, expressa que a
Doutrina Espírita É, pois, obra do Cristo, que o preside, como igualmente anunciou,
a regeneração que se opera, e prepara o reino de Deus sobre a Terra. Se a CEPA e
seus ilustres adeptos pretendem kardequizar o movimento espiritista brasileiro,
precisam antes apreciar mais detidamente a obra do Codificador, a fim de assegurar
sua plena compreensão no que respeita à vinculação entre Espiritismo e Cristianismo,
e portanto entre ciência e religião.

No capítulo XVII de O Evangelho Segundo o Espiritismo, ao tratar
dos bons espíritas, Kardec afirma com todas as letras:

O Espiritismo bem compreendido, mas sobretudo bem sentido, conduz forçosamente
aos resultados acima, que caracterizam o verdadeiro espírita como o verdadeiro cristão,
que são a mesma coisa. O Espiritismo não criou nenhuma moral nova; facilita aos
homens a inteligência e a prática da moral do Cristo, dando uma fé sólida e esclarecida
àqueles que duvidam ou vacilam.

A alegativa de que a vinculação ao Cristo apequena a Doutrina
Espírita não resiste a uma análise mais cuidadosa. Kardec acentua na introdução
de O Evangelho… (item I) que foram reunidos nessa obra os artigos que podem constituir,
propriamente falando, um código de moral universal, sem distinção de culto e portanto
válido para toda a Humanidade. Isso por uma simples razão: a moral do Cristo não
é particular a um povo, a uma época, a um lugar, ou a uma religião. Jesus nos trouxe
a moral universal, que já nos havia sido apresentada antes por Sócrates e Platão,
por Krishna e Sidarta Gautama, por Maomé e depois por Gandhi e Sai Baba e muitos
outros. Todos esses seres vieram à Terra a serviço do Amor. A nomenclatura sob a
qual vieram ou a forma como se apresentaram pouco importa. Vale a essência do ensinamento,
que é a mesma.

É inevitável admitir, assim, que o Espiritismo adquire, de fato,
conotação de religião, de religião universal, como se pode depreender do seguinte
trecho de O Evangelho…, in verbis: Esta obra é para uso de todos; cada um nela
pode achar os meios de conformar sua conduta à moral do Cristo. (…) A lei evangélica,
ensinada a todas as nações pelos próprios Espíritos, não será mais letra morta,
porque cada um a compreenderá, e será incessantemente solicitado a praticá-la pelos
conselhos de seus guias espirituais. As instruções dos Espíritos são verdadeiramente
as vozes do céu que vêm esclarecer os homens e convidá-los à prática do Evangelho.
Que é isso senão uma religião, cristã e universal?

Ademais, na definição de Aurélio Buarque de Holanda, religião
(oitava acepção) é qualquer filiação a um sistema específico de pensamento ou crença
que envolve uma posição filosófica, ética, metafísica etc., conceito que se adapta
perfeitamente ao Espiritismo que é religião sem templos, sem ritos, sem dogmas,
conforme a definiu o Codificador.

Para arrematar, lembremos mensagem do Espírito de Verdade, constante
do capítulo VI, item 5, de O Evangelho…: Espíritas! amai-vos, eis o primeiro ensinamento;
instruí-vos, eis o segundo. Todas as verdades se encontram no Cristianismo; os erros
que nele se enraizaram são de origem humana (…). Assim, creio que kardequizar
o Espiritismo é preservar sua inteireza, tal como Kardec o codificou: como ciência,
como filosofia e como religião, que é a filosofia posta em prática.

Devemos, sim, é assegurar a pureza doutrinária, para que não se
enraízem na doutrina hábitos e conceitos católico-romanos ou esotéricos, como tem
ocorrido no país. Porque o Espiritismo não é apenas mais uma religião cristã; o
Espiritismo é a religião cristã por excelência; é o Cristianismo Redivivo, para
difusão universal, o que não impede seu desenvolvimento nas frentes filosófica e
científica, como pretendem os irmãos da CEPA. O que devemos evitar são os cismas,
as cisões e dissensões radicais. Há espaço para todos no seio desta maravilhosa
Doutrina, sempre com Kardec e com Jesus.