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O Espiritismo Visto Por Um Historiador

O Espiritismo Visto Por Um Historiador

O historiador é um homem que, de certa forma, carrega sobre seus ombros as
dores do mundo. Vê mais e, conseqüentemente, sofre mais do que qualquer outro
profissional que questione e se espante continuamente com o ser humano. Se não
tiver acesso ao Espiritismo, a atração que sentirá pela agnosticismo ou pelo
materialismo militante é muito forte. Além disso, tem vários mecanismos de fuga,
sempre à sua disposição, pois pode mergulhar em um tempo que não é o seu, com
facilidades e técnicas especiais. Entre seu eventual alheamento, suas fugas,
seus eventuais sofrimentos pessoais e desencontros com a filosofia, surgem-lhe
as sedutoras propostas do ateísmo que, teoricamente, são um tanto dolorosas e as
mesmo tempo libertadoras das suas inquirições mais profundas, anestesiando-lhe
seu choque diante do mundo. Não fugi à regra e percorri essa etapa.

A fé e ciência percorreram, ao longo da história, caminhos separados, muitas
vezes antagônicos. É com o advento do Espiritismo que esse secular desencontro
está sendo atenuado, com tendência natural ao desaparecimento. William Crookes é
um conhecido exemplo no século XIX e a parapsicologia e a transcomunicação
instrumental são consideradas nesses sentido dois marcos importantes no século
XX. Eu era, como todo agnóstico, cientificista, e o superficial conhecimento que
tinha do Espiritismo levava-me sempre ao falacioso raciocínio de que a teoria
espírita era demasiadamente bem organizada para corresponder à realidade. O
homem, para mim, sempre se havia revelado um espanto de maldade, e nada indicava
que tivesse sido criado por uma entidade superior, personificação de bondade e
justiça. As religiões onde ela inseria, numas mais e noutras menos, constituíam
para mim simples portões para uma fé irracional, sem nenhum compromisso com a
lógica.

Porém, certa vez, nos Estados Unidos, fui assistir a uma conferência de
Carlos Campetti sobre “O Livro dos Espíritos”, para atender ao convite de uma
amiga, Fernanda Wienskoski. Após a conferência, Campetti colocou-se à disposição
do público para responder a perguntas sobre o assunto tratado. Tentei encostá-lo
no canto da parede. Ele respondeu com elegância e lógica. É claro que não me
convenceu naquela noite, mas induziu-me a uma posterior leitura de Kardec, onde
aos poucos obtive respostas convincentes ao problema do ser, do destino e da
origem do homem. O aspecto científico do Espiritismo deu-me o apoio de que eu
necessitava para aceitá-lo como um fato transcendente na minha vida.

Antes de minha aceitação da teoria espírita, eu era pouco complacente, algo
vaidoso, auto suficiente e tinha muita dificuldade em perdoar. Fazia da ironia
uma regra de conduta e do orgulho intelectual um escudo. Depois, é claro, minha
personalidade sofreu grandes transformações. Naturalmente ainda tenho seqüelas
do passado, mas quem não as tem? Percebi, contudo, que havia dado um grande
passo no meu processo evolutivo.

A reação da família, dos amigos e da Universidade à minha aceitação do
Espiritismo, de maneira geral, foi respeitosa. É provável que no ambiente
universitário alguém tenha pensado, ou ainda esteja pensando, que essa
transformação seja fruto natural da velhice. Estando velho eu estaria com mais
medo da morte e através de um mecanismo de defesa ou instinto de conservação,
não aceitava mais o não ser, o desaparecimento total. No ambiente universitário,
que conheço muito bem, é perfeitamente possível esse tipo de raciocínio.

Creio que se chega do Espiritismo através de três caminhos: pelo amor, pela
dor ou pela necessidade intelectual de se obter uma explicação racional para
transcendentes perguntas: quem somos, porque somos, de onde viemos e para onde
vamos. A Filosofia tentou oferecer respostas a essas perguntas e o resultado foi
uma verbalização erudita não explicativa. Aqui e ali, entretanto, houve clarões
que se anteciparam à teoria espírita. Sócrates e Platão, acessíveis somente a
pessoas de certo nível intelectual, são exemplos clássicos desses clarões, porém
a concepção sistêmica de um todo que respondesse logicamente àquelas perguntas a
qualquer pessoas só se tornou possível, nos meados do século XIX, com Kardec.

A revelação da verdade espírita enfrentou – e ainda enfrenta – barreiras
poderosas tais como os cleros organizados de diversas crenças, com fortes
motivações econômicas, antigas tradições religiosas e pautas culturais
sedimentadas há séculos e completamente alheias ao conhecimento científico.
Criam-se, portanto, “establisments” religiosos que, somente com o tempo serão
paulatinamente modificados.

O Espiritismo, historicamente, contrariou interesses econômicos poderosos e
suas implicações políticas. A igreja católica e as diversas igrejas protestantes
refugiadas na sacralização da Bíblia, que supostamente seria “a palavra divina”,
viram-se, com o Espiritismo. Ameaçadas em suas posições como intermediárias
entre Deus e os homens. Todos os absurdos dos teólogos medievais foram
incorporados pela teologia protestante, além de que o antiquado empirismo
religioso judaico, embasado por uma tradição sacralizadora, teve também guarida
no pensamento da Reforma, isso em relação ao Antigo Testamento. Em relação aos
Evangelhos é visível uma grande miopia intelectual, não explicativa, mas em todo
esse processo anti-espírita a força econômica foi de grande importância,
alimentada pela antiga e lucrativa prática do dízimo e uso do poder social
decorrente da acumulação de capital. Muito tempo ainda decorrerá antes que o
Espiritismo se transforme, como já foi previsto, na grande futuro de todas as
religiões. Mas isso inexoravelmente acontecerá.

(transcrito de Jornal Espírita de Pernambuco – Número 52 – Ano V –
Janeiro de 2001)