Carlos Antonio Fragoso Guimarães
A questão do Inconsciente e do Espiritismo
“(…) o desenvolvimento do tema exigia que eu refutasse, baseando-me em fatos, a inefável objeção anti-espirítica segundo a qual, não se podendo assinar limites às faculdades supranormais da telepatia, da telecinesia, da telestesia, também nunca será possível demonstrar experimentalmente, portanto, cientificamente, a existência e a sobrevivência do espírito. (…) As provas de identificação espirítica, fundadas nas informações pessoais fornecidas pelos mortos que se comunicam, longe de serem as únicas que se podem conseguir para a demonstração experimental da sobrevivência, mais não são que simples unidade de prova, dentre as múltiplas provas que se podem extrair do conjunto de fenômenos metapsíquicos, mas, sobretudo, das manifestações supranormais de ordem extrínseca, as quais, de ninguém dependendo, resultam independentes dos poderes do inconsciente”.
Ernesto Bozzano, “Animismo ou Espiritismo?”, 1937
Hoje já é medianamente conhecido a uma parcela dos meios espíritas e no meio mais culto da população em geral a polêmica, travada normalmente por intermédio da mídia, sobre a questão da natureza e origem dos assim chamados fenômenos paranormais (etimologicamente, fenômenos ao lado ou paralelos aos considerados fenômenos normais).
Assunto polêmico por várias e complexas razões, transcendendo mesmo a soma dos fatos e evidências positivas colecionadas nos últimos 144 anos, tanto pelo espiritismo na sua vertente científica, quando pelos vários pesquisadores dos fenômenos psíquicos, ou psi, em especial a partir da célebre Society for Psychical Research britânica, fundada em 1880, atravessando a Metapsíquica francesa de Geley, Richet, Bozzano e Sudre, a atual Parapsicologia anglo-americana de Rhine, Bender e Pratt, a Psicobiofísica do professor Hernani Guimarães Andrade e a Psicotrônica (nome dado aos estudos psi no antigo bloco socialista do leste europeu), a questão da realidade dos fenômenos paranormais, apesar de seu conjunto de evidências, possui dos frontes principais de polêmicas de difícil solução, pois que é este um dos raros campos de conhecimento onde fica mais visível o posicionamento perante idéias adotadas a priori e calcadas em um determinado paradigma ou metafísica da realidade que propriamente baseadas e correlacionadas a fatos positivos, enormemente coletados, classificados e descritos nos últimos 144 anos, o que pode ser exemplificado por inúmeros exemplos.
O estudo dos fenômenos psíquicos nas Universidades
Tomemos como ilustração os estudos sobre telepatia e clarividência executados na década de 20 do século passado pela Universidade de Groningem, na Holanda, em cooperação com a Universidade de Harvard, sob a direção, na primeira, do Dr. H. J. Brugmans, e, na segunda, com o Dr. G. H. Estabrooks, com a cooperação do célebre professor William McDougall.
A coleta de evidências pró-realidade dos fatos da Telepatia e da Clarividência foi de tal monta, que o Dr. McDougall, que era membro da Society for Psychical Research (sociedade privada, não ligada à academia, embora plena de célebres docentes das mais variadas áreas) chegou a transferir-se de Oxford para Harvard e, posteriormente, para a Universidade de Duke, com o fim de dedicar grande parte do seu tempo ao estudo destes fenômenos, onde, em 1930, com a ajuda de dois talentosos orientandos seus, Joseph Banks Rhine e sua esposa, Louise Ella Rhine, fundaria o primeiro laboratório acadêmico para o estudo do que passaria a ser chamado de Parapsicologia.
O grande problema porém, foi o fato que as evidências coletadas tanto em Groningem, quanto em Harvard e, posteriormente, em Duke e vários outros centros acadêmicos posteriores não foram aceitos plenamente pelos psicólogos, médicos e outras áreas científicas, embora fosse particulamente bem vista pelos físicos teóricos de ponta, em especial os voltados para o estudo da Física das Partículas, ou Física Quântica. Isto representa o primeiro front de polêmicas, ou seja, da aceitação de fatos e evidências que superam os limites da visão de mundo do modelo de realidade estritamente mecânico da ciência clássica, o que levou o Dr. Rhine a dizer: “hoje, ao volver o olhar para estas experiências, torna-se difícil compreender como uma mente verdadeiramente científica pôde permanecer indiferente ao problema apresentado por trabalhos tão minunciosos como os que foram efetuados pelos Doutores Estabrookes e Brugmans. A ciência também é cega quando não quer ver” (citado em MUNTAÑOLA, RYZL et al, 1978, p. 223).
O segundo front, porém, é encontrado dentro da própria área dos estudos psi, desde o seu início. É constituído pelos trabalhos coletados e/ou experimentados por inúmeros célebres pesquisadores, que, apesar de aceitar a realidade dos fenômenos psíquicos ou mediúnicos, se dividem, porém, quanto à interpretação das causas dos mesmos, constituindo duas escolas antagônicas e uma que tem elementos de ambas:
- A primeira é a escola espiritualista, que se caracteriza pela aceitação, ao menos teoricamente falando, de que os fatos paranormais, em parte ou em seu todo, tem por causa ou substrato um fator espiritual, que domina a matéria e escapa aos limites de tempo e espaço ao qual esta está submetida. Entre seus membros mais destacados temos Camille Flammarion; Gustave Geley, Ernesto Bozzano. Ela admite que várias faculdades psi são inerentes aos seres vivos.
- A segunda é a escola mecanicista, que postula que os fenômenos são produtos excepcionais da combinação orgânica do organismo com seu meio, tendo o sistema nervoso e, em especial, o cérebro, papel fundamental nos fenômenos psi. Entre seus membros mais famosos temos René Sudre, Robert Amadou e Susan Blackmore;
- A Escola holística, em que seus membros aceitam ambas as explicações como necessárias ao entendimento do universo dos fenômenos psíquicos, porém dando ênfase ao aspecto não físico –fator psi- dos fenômenos paranormais. Esta não as entende, porém, as explicações espiritualistas e mecanicistas como antagônicas, mas como complementares, ambas necessárias, podendo uma ou outra se aplicar melhor a cada caso. Entre seus membros estão muitos ou todos os da primeira escola, em especial Bozzano e Geley, mas também J.B. Rhine, Roca Muntañola, Hernani Andrade, Ramon Simó, Ian Stevenson, Erlendur Haraldsson, Karlis Osis e Charles Richet, este, em especial, em seus últimos anos, como podemos ver em seus livros A Grande Esperança e No Limiar do Mistério.
Provavelmente, a melhor e mais equilibrada postura seria a da última escola, mas é necessário perceber que a adoção de uma abordagem teórica tem muito a ver com a educação recebida e a filosofia de vida da pessoa que a adota, sendo pois, como diria Max Weber, uma ação com sentido, pessoal e emocional, mais que uma adoção racionalizada a partir de fatos.
A questão dos posicionamentos radicais
Tornou-se relativamente conhecida no Brasil a questão do uso do conceito do inconsciente, próprio da Psicanálise a partir dos trabalhos profundos de Sigmund Freud (1856-1939), por determinados estudiosos, em especial ligados à Igreja Católica, para a explicação de fenômenos paranormais, eliminando a possibilidade causal deste serem provocados por consciências não físicas, ou espíritos, que escapariam aos limites teológicos de sua tradição religiosa. Seja como for, esta abordagem tem sido tema de discussões nas salas e corredores das faculdades de Psicologia, já que o conceito de inconsciente adotado por tais estudiosos parece ser tudo, menos o inconsciente psicanalítico de Freud ou Jung, ou bem pouco ligado ao conceito clínico de inconsciente. Na verdade, como bem falam os psicanalistas, o uso do termo “o inconsciente” por algumas pessoas lembram mais o uso de um conceito vago para explicar coisas de que não se sabe nada. Ademais, é problemático se substantivar o “inconsciente”, bem como o “consciente”. Não existe um objeto espacial, físico, chamado “o inconsciente”, nem um que seja “o consciente”. Sabemos que áreas no cérebro que são ligadas à funções fisiológicas precisas, mas uma área específica da memória e do pensamento parece ser difícil de ser encontrada. O que existem são processos de memória, processos de pensamentos, processos conscientes e processos inconscientes pelo simples fato que o foco da consciência é limitado, o que não impede que material em certo momento desconhecido não seja conhecido em uma mudança de estado de consciência, como o prova a Psicologia Transpessoal.
Convém aqui lembrar as palavras do grande Psicanalista Carl Gustav Jung sobre o abuso que se vem fazendo com o conceito de inconsciente, em uma entrevista filmada com o psicólogo e professor Richard Evans, em 1957:
Quando dizemos “inconsciente” o que queremos sugerir é uma idéia a respeito de alguma coisa, mas o que conseguimos é apenas exprimir nossa ignorância a respeito de sua natureza.
Para os que adotam reducionisticamente a abordagem do “onipotente” inconsciente parapsíquico, este seria o responsável pelos fenômenos parapsicológicos autênticos, sendo suficiente para explicar tudo o que não for obra de fraude. Porém, a questão parece quase que se resumir ao fato de que se usa uma palavra, um termo, do qual não se sabe bem a que se refere, para explicar algo que escapa, quase sempre, aos conceitos correntes de realidade a que fomos educados ordinariamente pelo sistema científico atual. Ou seja, usa-se um conceito vago sobre algo cuja pretensa orientação causal escapa ao entendimento atual, procurando-se ajusta-lo a conceitos familiares. Mas a ciência normal mesma dá o exemplo que está menos interessada no porquê dos fenômenos e mais no como estes se dão, os descrevendo e expondo suas associações fenomênicas. Portanto, adotar como explicação dos fenômenos psíquicos como – à exceção das fraudes – causados unicamente pelo inconsciente é tão reducionista quanto dizer que todos eles são causados unicamente por fatores espirituais, ambos os posicionamentos sendo, portanto, radicais.
Cabe, agora, tentar perceber os limites das duas polaridades antagônicas, o extremo mecanicismo (ou o extremo materialismo) e o extremo espiritualismo. Comecemos pelo primeiro.
Será mesmo que é sempre o inconsciente individual (mera palavra que nada explica em termos paranormais se não se estabelecer claramente a sua natureza. Se é um epifenômeno fisiológico, como a bílis é produto ou epifenômeno do fígado, deveria estar limitada às leis convencionais de tempo e espaço que condicionam todos os fenômenos biológicos, mas as faculdades paranormais quebram amplamente estes limites. Se é um ente, como o postula Rhine e Thouless, independente da matéria e que a condiciona – o fator psi -, então caímos nas explicações espiritualistas, apenas adaptadas ao modelo científico contemporâneo e em tentativa de escapar ao clima religioso que a palavra espírito geralmente assume, e o inconsciente nada mais seria que as capacidades do espírito humano dos quais seu ego, em estado de vigília, não tem plena ciência) é responsável pelos efeitos conseguidos? Isso é uma hipótese? Uma teoria científica? Se for, pode ser testada e passar pelo crivo da falibilidade. Se não, temos um dogma, um posicionamento filosófico que propõe uma “explicação” irrefutável, exatamente por não poder ser testada e, ainda mais, por ser indemonstrável.
Vejamos, agora, como os posicionamentos antagônicos dentro dos fenômenos paranormais se expressam nas chamadas fotos transcendentais, onde se inserem as fotografias de fantasmas e as fotografias do pensamento (escotografia).
Fotos de Fantasmas
Ora, geralmente médiuns, sensitivos e paranormais provocam fenômenos ou dão informações que estão bem além dos conhecimentos deles e da assistência. Sem problema, os adeptos reducionistas radicais responsabilizam sempre e unicamente o paranormal, ainda que este aja “inconscientemente” e apontam para a criptestesia (conhecimento adquirido pela percepção extra-sensorial) onde o inconsciente do informante capta a informação existente em algum outro lugar (pela telepatia ou pela clarividência), para o sucesso de seus atos. Se este conhecimento é expresso em algum tipo de ação física, entra em ação a psicocinesia ou telecinesia (capacidade de afetar a matéria pela “mente”).
Bem, a foto acima foi tirada nos Alpes austríacos no final da década de 90. Sem que ninguém esperasse em uma foto tradicional de amigos, aparece um busto de uma pessoa desconhecida de todos, inclusive do fotógrafo, que parece atravessar a mesa. Para os adeptos do inconsciente “paranormal”, alguém do grupo teria “inconscientemente” provocado o fenômeno. Mas o problema é que este tipo de argumentação é irrefutável exatamente por não ser provável. Como é que se pode provar que inconscientemente alguém desejava que uma figura aparecesse na fotografia “atravessando” a mesa? E mais, a foto foi batida sem flash, o que levou o fotógrafo logo depois, em segundos, a repetir o processo, e na segunda foto o “busto” já não aparece. Outra, havia um clima de descontração entre as pessoas e ninguém se lembra de ter se esforçado ou desgastado fisicamente (características típica de muitos paranormais que conseguem fotografias do pensamento, como Ted Sérios, geralmente obtendo siluetas ou figuras pouco nítidas) ao bater a foto. Mesmo assim, a desculpa da escotografia é usada e assim pretensamente explica tudo. Veremos, porém, que os poucos casos autênticos conseguidos voluntariamente apresentam características bem distintas dos casos espontâneos de fotografias de fantasmas, ou fotografias espirituais.
O vigário K. F. Lord da Igreja de Newby, perto de Yorkshire, em 1963 apenas queria registrar a foto do altar da Igreja, acabou depois por ver na chapa revelada um fantasmagórico, realmente assustador, espectro, em uma foto hoje famosa (foto acima), no qual aparece uma figura semelhante a um monge (alguns mais impressionáveis dizem que é a figura da morte), em processo de semi-materialização. Mas ai fica a pergunta: como ter certeza de que o inconsciente do fotógrafo estava realmente preocupado, planejando e materializando a foto do fantasma, e por quê? Como se mede o “pensamento” intencional do inconsciente? Como ele atua? Sai da “cabeça” da pessoa (ou alguma outra parte) para dar às caras às câmeras? Como podem eles ter a certeza de que, neste e em outros casos, isso foi fruto da ação do “inconsciente”? Por que ambos os fotógrafos não mais conseguiram repetir fotos semelhantes tendo um inconsciente tão talentoso?
O famoso Pe. Quevedo e seus discípulos (como o Pe. Juarez Farias, Márcia Côbero e outros) usam e abusam do fato de que um americano, chamado Ted Serios, demonstrou suas faculdades paranormais de escotografia em vários experimentos e pretendem que todas as fotografias de fantasmas, quando não são fraudes, seriam nada mais nada menos que escotografias inconscientes. Mas o que Quevedo não diz é que para conseguir as Escotografias (e muita gente acha que nem sempre todas as fotos conseguidas por Serios, geralmente silhuetas, eram autênticas, embora um bom conjunto delas dificilmente sejam explicadas por fraude, ainda que possam ser simuladas artificialmente), Serios se punha em um estado de grande tensão consciente para obter as fotos e, conforme GARCIA FONT, “com as veias prestes a rebentar, a suar e a beber whisky” (MONTAÑOLA, RYZL et al, 1978, vol. 1, p. 264), e freqüentemente punha uma ou as duas mãos em contato com a objetiva da câmera ou encostava a cabeça na lente da câmera. Ao lado esquerdo, uma foto de Ted Serios em ação e, à direita, uma de suas escotografias, de um prédio realmente existente.
A escotografia, portanto, existe, mas apenas em pessoas especialmete dotadas que se esforçam conscientemente para obter as fotos psíquicas. Coisa que não acontece com as fotos de fantasmas. Na maior parte das fotos de fantasmas acidentais, as pessoas não pensavam em obter as figuras, muito menos entravam em um nervoso estado de tensão conscientemente provocado. Aliás, existem fotos obtidas por circuitos internos sem que pessoa alguma estivesse presente, o que já deixa a teoria da escotografia de fantasmas igualmente em cheque: Quevedo e discípulos dizem que sem um sensitivo, paranormal ou qualquer que seja o nome dado, não existem fotos paranormais sem que a pessoa causante esteja presente até pouco mais de 50 metros de distância. Que dizer então da seguinte foto (trecho de um vídeo de um circuito fechado de tv), em um estacionamento vazio pelo circuito interno eletrônico de tv nos Estados Unidos, em uma área de mais de 150 metros, sem que ninguém estivesse presente, onde um fantasma está planando acima dos carros?
“Animismo ou Espiritismo, qual dos dois explica o conjunto dos fatos? Fácil se me tornou responder, nos termos seguintes:
“Nem um nem outro logra, separadamente, explicar o conjunto dos fatos supranormais. Ambos são indispensáveis a tal fim e não podem separar-se, pois que são efeitos de uma causa única e esta causa é o espírito humano que, quando se manifesta, em momentos fugazes durante a encarnação, determina os fenômenos anímicos e, quando se manifesta mediunicamente, durante a existência desencarnada, determina os fenômenos espiríticos”
Ernesto Bozzano, Animismo ou Espiritismo?, p. 9
Bibliografia:
BOZZANO, E. Animismo ou Espiritismo? 1995, Feb, Rio de Janeiro
EDSALL, F. S. O Mundo dos Fenômenos Psíquicos. 1999, Editora Pensamento, São Paulo.
MacKENZIE, A . Fantasmas e Aparições. 1986. Editora Pensamento, São Paulo.
MONTAÑOLA, J. R.; RYZL, M. Et al. Enciclopédia de Parapsicologia e Ciências Ocultas. 1978, RPA Publicações Ltda. Lisboa
TEIXEIRA DE PAULA, J. Enciclopédia de Parapsicologia, Metapsíquica e Espiritismo. 1972. Cultural Brasil Editora, São Paulo
(Publicado no Boletim GEAE Número 474 de 27 de abril de 2004)