Enéas Canhadas
Tenho observado nos atendimentos terapêuticos e também no trabalho com os grupos fatos que me muito me chamam a atenção. Entre eles, com perplexidade (que bom que ainda podemos nos surpreender!) um que pode trazer luz para as nossas consciências enquanto homens e mulheres.
Temos aprendido sobre as energias masculinas e femininas presentes em todas as personalidades, tanto do homem como da mulher. Até aqui já parece possível admitir essa verdade ainda que, às vezes, algum espanto se apodere de nós. Então, vamos logo ao assunto em questão.
As mulheres tanto se justificam como também nos espantam (aos homens) como são presas da condição de cuidadoras. Querem cuidar de tudo e de todos. Cuidam de todos os seus afazeres, do seu corpo, do seu tesão, de todos os papéis que ocupam na vida, cuidam da casa, da profissão, da lição dos filhos, do quintal, do cachorro, dos filhos propriamente, e é claro, dos seus maridos. Como não evocar Chico Buarque? “Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas. Vivem pros seus maridos…”
Isso me chama a atenção, principalmente nos casos em que a mulher está para tomar atitudes quanto a dissolução do seu próprio casamento. Pode ser que ainda esteja presa na preocupação com os filhos ou com a família, mas geralmente descobre o quanto está presa no seu marido. Não nos enganemos com aquelas que têm coragem de odiá-los com todas as suas forças por tantos sofrimentos, nem com as que já conquistaram sua autonomia financeira. Há uma sombra que paira sobre a mulher que está para se separar. Esta sombra é o medo de que, um dia, eles podem ficar doentes ou simplesmente não vão aguentar. Homem aguenta menos que as mulheres, você já ouviu isso. Será quando eles vão precisar de suas mulheres, nem que for como enfermeiras hábeis e dedicadas. Nesse momento as mulheres levam um susto que muito bem pode fazê-las estacar ou até mesmo retroceder. No entanto, há uma conclusão, geralmente simples onde chegam. “Bom, se for preciso, cuidar eu até posso”. Aí está a armadilha, não no ter ou render-se ao cuidar do ex marido, mas ao se verem presas do impulso de cuidar. É a prisão do papel de cuidadora.
Vejamos agora a armadilha que prende o homem. Ainda não vi o homem que não se deixe derreter pelo colo maternal de uma mulher. Como emerge com facilidade e até mesmo com naturalidade o homem que se descontrai e relaxa na condição de estar sendo cuidado!. Como se entrega à condição de filho frágil ou carente, de coração acelerado quando frente a um desafio ou exausto esvaído na suas forças, culpado ou alegando inocência, irado e potente ou amedrontado acuado nos seus medos, sadio ou doente, inteligente e alerta ou chucro diante de um obstáculo! e então são presos como filhos que precisam da mãe com urgência, como quando a chamavam numa briga de escola dizendo que “o fulano me bateu!”. Vítima e salvador, o humano e a quase divina, assim se encontravam para confirmar as armadilhas onde ambos permanecem presos: a cuidadora incondicional e o indefeso sempre condicionado às frestas desse cuidado. Acabara de chegar o avatar (Avatar vem do sânscrito aval, que significa “aquele que descende de Deus”, ou simplesmente encarnação na crença hinduísta, descida de um ser divino à terra, qualquer espírito que ocupe um corpo de carne em forma materializada; particularmente cultuados pelos hindus são Krishna e Rama, avatares do deus Vixnu; os avatares podem assumir a forma humana ou a de um animal.)
No entanto, não vamos nos deixar sucumbir por este ou aquele orgulho do gênero, seja o masculino ou feminino. Muitas piadas sobre os neurônios de um ou de outro, em maior ou menor número, são sintomas de como os números podem indicar superioridade ou inferioridade em comparações que procedem de nenhum fundamento. O fato é que ambos são presos, retidos nas inconsciências dos seus níveis de consciência, e como disciplinados presidiários, facilmente se transformam em perenes penitenciários a expurgar culpas e sentimentos de dever não cumprido, motivos para não aceitarem a própria evolução e os novos caminhos que a vida insiste em oferecer.
Para ascender a um outro nível de consciência há que integrar tal consciência da condição de preso a tais armadilhas. Libertar-se das armadilhas, acarreta por um tempo a marca e a dor da gargalheira (fabricada em ferro, composta por dois semicírculos, usada como coleira para prender o escravo, dificultando a sua fuga) ou a marca do grilhão (instrumento de suplício da época da Escravatura, formado por dois semicírculos, colocado em torno do pescoço do escravo que se queria punir, cujas hastes de 46,3 cm de altura terminadas em pontas curvas que se erguiam acima da cabeça, existiam para impedir que o negro fugido se acoitasse no mato cerrado).
etapa mais complexa do desenvolvimento é que as marcas não residem somente nos corpos, mas também e mais profundamente nos corpos etéreos que já nos serviram. Fica mais fácil e mais ecumênico pensar em marcas existentes na alma. Exagero do autor? Estou certo que não pelo que tenho visto e ouvido há um quarto de século. São as terapias trazendo à luz o que as almas retêm.