A humildade é uma qualidade dos que são modestos, consistindo em silenciar os
méritos possuídos. Em razão deste entendimento, assim conceituado, certa vez, procurado
por um amigo, disse-nos ele: – Quando Jesus afirmou ser humilde de coração, não
teria faltado Ele a este princípio, mostrando-se, assim, sem humildade? Naquela
oportunidade, tecemos algumas considerações contrárias ao pensamento do consulente.
Depois, resolvemos escrever as razões ora apresentadas.
Há instantes em nossas vidas em que a virtude maior consiste em dizermos de alguma
boa qualidade que tivermos, constituindo o silêncio a seu respeito grande mal. Isto
acontece, por vezes, na experiência de cada dia, geralmente entre os grandes homens,
responsáveis pela direção de setores importantes para o público. Em tais casos,
silenciar seria levar prejuízos à existência de muitos, principalmente quando estes
ainda se alimentam na confiança, na segurança, fortaleza e fé que possuem nas palavras
daqueles que lhes incutem tais sentimentos.
Os próprios pais, quando, isentos de orgulho e vaidade, no desejo de corrigirem
seus filhos, desviando-os de erros ou invirtudes, falam de alguma boa qualidade
possuída, não pecam eles contra a humildade. Esta deve ser compreendida como ausência
de arrogância e vaidade. É irmã gêmea da simplicidade. Os soberbos não sabem ser
simples. Sempre ostentam orgulhosamente o quanto sejam ou possuem.
Se vencermos, em nós, a arrogância, obteremos vitória sobre nosso egoísmo, causa
maior dos grandes males da Humanidade. Estaríamos a vitoriar sobre nós mesmos e
sobre o próprio mundo. Passaríamos a ser criaturas sinceras, fraternas, caridosas,
vendo no outro o nosso próximo.
Se fôssemos realmente fraternos, encontraríamos a todos como irmãos, e não mais
nos sentiríamos inimigos de quem quer que seja. Se nos conduzíssemos numa linha
de inteira fraternidade, com certeza, fugiriam de nossos corações empáfia e vaidades.
Então, a própria humildade seria o veículo por onde trafegariam todas as nossas
boas qualidades.
Quando Jesus assentou ter vencido o mundo (João, 16:33), quis-nos dar exemplo
de desprendimento e advertir-nos sobre o quanto ainda nos arrasta a sentimentos
inferiores, negativos. Sendo Ele Embaixador do Pai, entre todos nós proclamou grande
verdade, ao dizer: “(…)aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração
(…).” (Mateus, 11:29.)
Por existirmos em nossos desníveis, vivenciando quedas morais, temos, em geral,
dificuldades no entendimento de certas passagens da vida de Jesus. Em tudo, porém,
foi Ele humilde de coração, visto jamais podermos imaginá-lo orgulhoso, carregando
vaidade, como se ainda possuído das mesquinharias humanas. De igual modo, se alijarmos
de nós a montanha de nossas deficiências, também seremos naturalmente humildes,
porque a simplicidade passará a cimentar nosso modo espontâneo de ser. Sem essa
compreensão, jamais iríamos alcançar muitas outras palavras, tais como. “Eu sou
o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (João, 14:6); dado
que, em verdade, Ele é a luz do mundo e quem o seguir “não andará em trevas, pelo
contrário, terá a luz da vida” (João, 8:12), conforme nos assegurou.
“Quem vem das alturas certamente está acima de todos; quem vem da terra é terreno
e fala da terra; quem veio do céu está acima de todos.” (João, 3:31.) Mister se
faz buscarmos nos afastar de sentimentos rigorosamente terrenos, a fim de penetrarmos
no espírito da linguagem daqueles que têm autoridade para falar. E Jesus, “(…)
o Filho do homem tem sobre a terra autoridade (…)” (Mateus, 9:6), continuando
a afirmar: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra.” (Mateus, 28:18.)
Se já nos sentíssemos sinceros, verdadeiros nos pronunciamentos emitidos, não
mais iríamos duvidar das palavras de nosso Mestre e Senhor. Teria Paulo de Tarso,
por exemplo, faltado à verdade, ao se expressar, dizendo: “(…) já não sou eu quem
vive, mas Cristo vive em mim (…)” (Gálatas, 2:20)? O grande apóstolo, sem faltar
à verdade, nem falsear a humildade, sentia-se humilde de coração, para assim se
exprimir, repetindo desta forma: “Nós, porém, temos a mente de Cristo.” (I Coríntios,
2:16.)
Na medida em que formos nos desprendendo das negatividades de todos os séculos,
iremos aceitando que muitos vieram como extraordinários mensageiros do Alto. Uns,
preparando caminhos, roçando estradas, abrindo clareiras. Outros, executando, comandando,
ditando planos. Vejam-se as personalidades de João Batista e de Jesus. Ambos, portageiros
de verdades, todavia, bem diferentes um do outro. Aquele, veículo da verdade. Este,
a Verdade. Não fosse assim, deixaríamos de assimilar do salmista: “As tuas palavras
são em tudo verdade desde o princípio, e cada um dos teus justos juízos dura para
sempre.” (Salmos, 119 e 160.) Nestas razões, acolhemos Jesus como médium de Deus,
pois Ele assim também falou: “(…) a palavra que estais ouvindo não é minha, mas
do Pai que me enviou.” (João, 14:24.) Fez-se a maior expressão da verdade que descera
à Terra. Suas mensagens organizaram para a Humanidade o maior código de ética para
o verdadeiro procedimento dos homens. Afirmou Ele: “Passará o céu e a terra, porém
as minhas palavras não passarão.” (Lucas, 21:33.) E, na passagem de tantos séculos,
suas palavras sempre são atuais.
Necessitamos, então, de expulsar a humildade envernizada, que ainda em nós reside,
para, na simplicidade de nossos corações, recebermos a verdadeira luz e penetrarmos
no entendimento de tudo quanto o Mestre nos quer ensinar. “Sabemos que Jesus foi
o grande reformador do mundo, entretanto, corrigindo e amando, asseverava que viera
ao caminho dos homens para cumprir a lei.”¹
Sejamos leais em nossos pedidos a Deus, para melhor adentrarmos na compreensão
de sua Lei e dos seus mensageiros, aceitando, humildemente, em nossos corações,
que a verdade não foi posta sempre ao alcance de todos, visto ser necessário “que
cada coisa venha a seu tempo. A verdade é como a luz: o homem precisa habituar-se
a ela, pouco a pouco; do contrário, fica deslumbrado”, segundo nos advertem os Espíritos
reveladores, sob a égide do Espírito de Verdade². Esses mesmos Espíritos Superiores
alimentam-nos a esperança de dias melhores, quando, alentando o Codificador Allan
Kardec, dizem: “Vem próximo o tempo em que a Verdade brilhará de todos os lados”³.
Decerto, na ocorrência de tais fatos, talvez já adultos e menos crianças, capacitados
à alimentação mais sólida, segundo Paulo, teríamos melhor compreensão espiritual
do que significa ser manso e humilde de coração.
1. XAVIER, Francisco Cândido. Pão Nosso, pelo Espírito Emmanuel. 17ª
edição. Rio de Janeiro, FEB, 1986, cap. 43.
2. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 77ª ed., Rio de Janeiro, FEB: Questão
628. 3. Idem, ibidem – Prolegômenos.