Estava em plena florescência, no tempo de Jesus, o formalismo religioso do clero judaico; os fariseus, classe culta e religiosa, tinham chegado a tal extremo de pedantismo ascético-ritual, que contrastava flagrantemente com a encantadora simplicidade do Nazareno. Um dos pecados mais monstruosos que um homem podia cometer aos olhos de Jesus era a ostentação religiosa; alardear virtudes e boas obras; gloriar-se da sua piedade; fazer parada com jejuns; esmolas e obras de caridade – era isto, na linguagem de Jesus, o mesmo que ser sepulcro caiado.
Certo dia, observaram os fariseus que os discípulos de Jesus se sentavam à mesa, sem terem previamente lavado as mãos. É que os fariseus, como os judeus em geral refere o evangelista não comem sem primeiro lavar as mãos, fiéis às tradições dos maiores. Quando vêm da praça não ousam tomar um bocado sem antes se lavar ou tomar banho. Da mesma forma, consoante as tradições, lavam os copos e as taças, as caldeiras e os reclinatórios.
Observaram, pois, os escribas e fariseus a Jesus:
– Por que é que os teus discípulos transgridem as tradições dos antepassados, pois não lavam as mãos antes de comer?… Aí estava uma das maiores preocupações desses homens sem alma! Coavam mosquitos e engoliam camelos… Em vez da resposta, fez-lhes o Mestre outra pergunta, bem mais momentosa:
– E vós, por que transgredis os preceitos da Inteligência Suprema por amor às vossas tradições? A I.S. disse: Honrarás pai e mãe! e: Quem injuriar pai ou mãe será réu de morte! Vós, porém, dizeis: Quem oferecer em sacrifício o que deveria a eles, está dispensado de honrar pai e mãe. Destarte abrogais o mandamento da I.S. por amor à vossa tradição. Hipócritas! Bem profetizou de vós Isaías, dizendo: Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim; não tem valor a meus olhos o seu culto, porque o que ensinam são doutrinas e preceitos humanos.
Aqueles homens e rabis de Israel guardavam meticulosamente as mil e uma tradições e praxes religiosas dos fundadores e mestres da sua seita; tinham acumulado em torno da lei mosaica um verdadeiro acervo de prescrições e proibições. O fariseu da gema receava menos cometer um homicídio do que omitir um só dessas regras. No dia da morte (física) de Jesus, Páscoa Judaica, não ousam eles entrar no pretório de Pilatos, como medo de se “contaminarem” no ambiente pagão desse goim– mas não lhes causa escrúpulo algum condenarem à morte um homem justo.
Não se arreceiam de comprar a consciência de Iscariotes com 30 moedas de prata – mas vêem pecado de sacrilégio em recolher ao cofre do templo o dinheiro que o traidor, desesperado, lhes lançou aos pés… Escandalizam-se grandemente de verem Jesus à mesa com publicanos e pecadores; e, quando Simão, o fariseu, vê Míriam de Magdala beijar os pés de Jesus, enche-se de indignação e desprezo, convencido de que aquela mulher é uma pecadora, e que Jesus não é nenhum profeta – mas isso não os impede de negociarem com o adúltero Herodes Antipas sobre a condenação de Jesus…
Apanharam em flagrante adultério uma mulher e estão resolvidos a apedrejá-las para fazer jus à lei de Moisés – mas não recuam diante do assassínio de Estêvão, cujo único “crime” consistia em ser o chefe dos Cristãos. É por causa dessa duplicidade de consciência que Jesus lhes lança a censura veemente de coarem mosquitos e engolirem camelos. A Lei Natural e Divina prescreve que os filhos honrem seus pais e lhes acudam em suas necessidades temporais – mas o formalismo casuístico dos fariseus declarava que esta lei era suficientemente cumprida quando o filho dava uma oferta ao templo e fazia os pais participarem das bênçãos dos sacrifícios, sem se importar com as necessidades materiais dos progenitores – sacrificando, assim, uma lei natural e um mandamento divino a uma instituição puramente ritual.
– Hipócritas! – lhes brada Jesus. E, convocando o povo, lhes diz:
– Escutai e compreendei bem: o que entra pela boca não torna o homem impuro; mas sim o que sai da boca, isto é que torna o homem impuro. Ao que chegaram a Jesus os seus discípulos e lhes disseram:
– Sabe que os fariseus se escandalizaram quando ouviram esta palavra? Respondeu Jesus:
– Toda a planta que não for plantada por meu Pai Celeste será exterminada! Deixai-os! São cegos e guias de cegos! Mas, quando um cego guia outro cego, ambos vêm a cair na cova. Mais tarde, em casa, disse Pedro a Jesus:
– Explica-nos esta parábola, Mestre. Disse-lhe Jesus:
– Também vós estais ainda sem compreensão?! Não compreendeis que tudo que entra pela boca vai para o estômago, e daí é lançado fora? Mas o que sai da boca vem do coração, e isto é que mancha o homem; porque do coração é que vem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, a luxúria, os furtos, os falsos testemunhos, as blasfêmias – e são estas coisas que mancham o homem. Mas isto de comer sem lavar as mãos não torna o homem impuro.
HUBERTO ROHDEN, em Jesus Nazareno, Mestre e Médico – Parte Segunda, Vol I, Martin Claret/8ª edição.
UM PEQUENO COMENTÁRIO: Nas nossas reflexões diuturnas, ficamos a pensar, como é longo e árduo o caminho de retorno à compreensão e o enquadramento nas Leis Sábias e Justas da Inteligência Suprema; estamos sabendo agora que o que nos falta é a boa vontade, e os Benfeitores Amigos nos dizem, que bem poucos esforços bastariam para atingirmos esse desiderato e que sequer isso fazemos; haja misericórdia divina. Os grifos são nossos para acentuar nossa reflexão.
Recolhido por M. PAULO VANIN – E-Mail: vanindicismon@certto.com.br
(Publicado no Boletim GEAE Número 376 de 21 de dezembro de 1999)