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A lei de destruição e os dias em que vivemos

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Enéas Canhadas

A Lei de Destruição responde a várias perguntas que a nossa indignação pode fazer. No Livro dos Espíritos, lemos que a necessidade de destruição é proporcional ao estado mais ou menos material dos mundos e desaparece num estado físico e moral mais apurado, portanto, diminui à medida que o Espírito supera a matéria.

É possível aos homens adquirir conhecimentos e experiências para prevenir conflitos desde que procure compreender as causas. Mas entre os males que afligem a humanidade, há os que são de natureza geral e pertencem aos desígnios da Providência. O que não poderá fazer o homem quando ao cuidar da sua preservação pessoal, souber aliar o sentimento de uma verdadeira caridade para com os semelhantes?

Sobre a guerra, na Lei de Destruição aprendemos que se trata da predominância da natureza animal sobre a espiritual e satisfação das paixões. Em estado de barbárie o homem só conhece o direito do mais forte, e é por isso que a guerra é um estado normal. Os que suscitam a guerra terão muitas existências para expiar todos os assassínios de que foram causa, porque terão que responder sobre a satisfação de suas ambições. Os assassinatos, a crueldade e até mesmo os duelos estão perfeitamente enquadrados também na Lei de Destruição, sempre nos alertando para a prevalência dos instintos.

Primeiramente chama a atenção a expressão de que “a guerra é um estado normal”. Esta expressão nos confirma que tal estado pode ser considerado normal na medida em que o nível de consciência das pessoas envolvidas seja capaz apenas de ver tal maneira de enfrentar um conflito.

Outro aprendizado que o Livro dos Espíritos nos traz é quando nos faz pensar ao considerar com tranqüilidade sobre os flagelos, guerras e sobre as demais atrocidades que o ser humano pratica. Não há dramatização na linguagem das Leis Morais, apenas constatação de que a humanidade tem um longo caminho a percorrer. A linguagem do Livro dos Espíritos não traz protestos, não traz “slogans” nem temas para debate, apenas constata o momento e as circunstâncias em que a humanidade se encontra.

Não estamos falando de conformismo nem de submissão ou renúncia doentia que nos entregue à impotência da incapacidade. Estamos falando da necessidade que ainda se coloca para o ser humano: reconhecer a questão fundamental que o leva a ser um destruidor e um causador de mortes ao seu semelhante.

De nada valerá a perplexidade, de nada valerão os espantos ou revolta na frente de um homem que, indiscriminadamente derruba árvores, destruindo florestas. Esse ato está, no momento em que é praticado, afetando a qualidade do ar que o próprio cortador de árvores respira. Isso, no entanto, acontece porque ele não tem condições de perceber que a árvore saudável melhora o ar que ele próprio respira. Ora, se não perceber que a árvore se relaciona com o ar não há como ele entender que não deve derrubá-la.

Podemos perguntar: mas, e quanto aos seres humanos? Como um soldado não consegue ver que a morte de crianças inocentes é um mau e como é que ele não lembra dos seus próprios filhos? Ai é que está, exatamente porque ele se lembra dos seus filhos é que quer protegê-los. Na verdade o soldado na guerra, imbuído que foi de ordens automatizadas como canta Geraldo Vandré, na música “Para não dizer que não falei de flores” “há soldados armados, amados ou não, quase todos perdidos de armas na mão. Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição: de morrer pela pátria e viver sem razão”, lição esta que parece fazer sentido na mente condicionada do soldado que, pensa estar protegendo seus filhos, seus pais e sua pátria. Nesse nível de consciência é isso que faz sentido. Portanto, ele não consegue e nem pode ver que está matando outros filhos iguais aos que ele quer proteger.

Por isso o Livro dos Espíritos não dramatiza, apenas constata o momento evolutivo em que o homem se encontra. Enquanto não se compreende a questão fundamental da existência e do progresso, debate-se no estágio em que se encontra a vida no planeta. A vida, no entanto, mostra-se generosa, proporcionando lições infindáveis e, somente para os que ainda não possuem olhos de ver, nem ouvidos de ouvir. Tais lições apresentam-se em novas e inusitadas situações, enquanto a compreensão necessária é aquela da qual os seres ainda não se mostraram capazes.

Como queremos que aconteça diferente lá no Líbano, no Iraque ou em Israel, se ainda dizemos que os nossos governantes são fracos, porque não matam nas ruas, os bandidos que põem as nossas vidas em risco e a nossa cidade em estado permanente de insegurança?

Essa realidade só poderá sofrer uma profunda transformação quando o princípio de não deixar a natureza animal prevalecer sobre o Espírito, e isso vale para qualquer ser humano em qualquer parte do mundo, tiver se transformado. Mudam os meios: em alguns lugares são os canhões, os foguetes e os mísseis que estão falando mais altos, em outros lugares são as balas perdidas ou as armas que queremos manter dentro de nossas casas ou no porta luvas do nosso carro para nos sentirmos mais seguros, mas o princípio que está prevalecendo é o mesmo: predomínio da força sobre o Espírito.

O Espírito só progride com a sensibilidade e leveza da compreensão de si mesmo e dos outros. Só progride com a delicadeza dos atos de mais amabilidade entre os seres humanos, só progride com a agudeza dos sentimentos que nos faz construir uma compaixão legítima e verdadeira. A tristeza evoca a tristeza, e enquanto apenas manifestamos tristeza pelos mortos nas guerras que julgamos injustas, estamos evocando em nós, tão somente a piedade, e a piedade nada mais é do que o sentimento de tristeza e pena de nós mesmos depositados nos outros ao ver-lhes as desgraças, e como a tristeza evoca a tristeza temos que pensar na alegria, no dizer do filósofo “a alegria sim, é que é boa, a razão é que é justa; o amor e a generosidade, e não a piedade, deve levar-nos a ajudar nossos semelhantes”. A compaixão é um sentimento, e sendo assim não pode ser um dever. Dos corações ela precisa sair naturalmente como a fonte jorra gratuitamente a água cristalina, e sem condições. O amor pode ser desenvolvido e educado, e o mesmo vale para a compaixão, não precisamos nem mesmo ter o dever de senti-la, porque tudo que é dever é por obrigação, mas sim, explica Kant, a necessidade de desenvolver em nós a capacidade de sentir a verdadeira compaixão.