“O Centro Espírita Luiz Gonzaga” ia seguindo para a frente… Certa feita,
alguns populares chegaram à reunião pedindo socorro para um cego acidentado. O
pobre mendigo, mal guiado por um companheiro ébrio, caíra sob o viaduto da
Central do Brasil, na saída de Pedro Leopoldo para Matozinhos, precipitando-se
ao solo, de uma altura de quatro metros. O guia desaparecera e o cego vertia
sangue pela boca. Sozinho, sem ninguém… Chico alugou pequeno pardieiro, onde o
enfermo foi asilado para tratamento médico. Caridoso facultativo receitou,
graciosamente. Mas o velhinho precisava de enfermagem. O médium velava junto
dele à noite, mas durante o dia precisava atender às próprias obrigações na
condição de caixeiro do Sr. José Felizardo. Havia, por essa época, 1928, uma
pequena folha semanal, em Pedro Leopoldo. E Chico providenciou para que fosse
publicada uma solicitação, rogando o concurso de alguém que pudesse prestar
serviços ao cego Cecílio, durante o dia, porque à noite, ele próprio se
responsabilizaria pelo doente. Alguém que pudesse ajudar. Não importava que o
auxílio viesse de espíritas, católicos ou ateus. Seis dias se passaram sem que
ninguém se oferecesse. Ao fim da semana, porém, duas meretrizes muito conhecidas
na cidade se apresentaram e disseram-lhe: – Chico, lemos o pedido e aqui
estamos. Se pudermos servir… – Ah! Como não? – replicou o médium – Entrem,
irmãs! Jesus há de abençoar-lhes a caridade. Todas as noites, antes de sair, as
mulheres oravam com o Chico, ao pé do enfermo. Decorrido um mês, quando o cego
se restabeleceu, reuniram-se pela derradeira vez, em prece, com o velhinho
feliz. Quando o Chico terminou a oração de agradecimento a Jesus, os quatro
choravam. Então, uma delas disse ao médium: – Chico, a prece modificou a nossa
vida. Estamos a despedir-nos. Mudamo-nos para Belo Horizonte, a fim de
trabalhar. E uma passou a servir numa tinturaria, desencarnando anos depois e a
outra conquistou o título de enfermeira, vivendo, ainda hoje, respeitada e
feliz.
A água da paz
Em torno da mediunidade, improvisam-se, ao redor do Chico, acesas discussões.
É, não é. Viu, não viu. E o médium sofria, por vezes, longas irritações, a fim
de explicar sem ser compreendido. Por isso, à hora da prece, achava-se quase
sempre, desanimado e aflito. Certa feita, o Espírito de Dona Maria João de Deus
compareceu e aconselhou-lhe: – Meu filho, para curar essas inquietações você
deve usar a Água da Paz. O Médium, satisfeito, procurou o medicamento em todas
as farmácias de Pedro Leopoldo. Não o encontrou. Recorreu a Belo Horizonte.
Nada. Ao fim de duas semanas, comunicou à genitora desencarnada o fracasso da
busca. Dona Maria sorriu e informou: – Não precisa viajar em semelhante procura.
Você poderá obter o remédio em casa mesmo. A Água da Paz pode ser a água do
pote. Quando alguém lhe trouxer provocações com a palavra, beba um pouco de água
pura e conserve-a na boca. Não a lance fora, nem a engula. Enquanto perdurar a
tentação de responder, guarde a água da paz, banhando a língua. O Médium baixou
então, os olhos, desapontado. Compreendera que a mãezinha lhe chamava o espírito
à lição da humildade e do silêncio.
Solidão aparente
Em meados de 1932, o “Centro Espírita Luiz Gonzaga” estava reduzido a um
quadro de cinco pessoas, José Hermínio Perácio, D. Carmen Pena Perácio, José
Xavier, D. Geni Pena Xavier e o Chico. Os doentes e obsidiados surgiram sempre,
mas, logo depois das primeiras melhoras, desapareciam como por encanto. Perácio
e senhora, contudo, precisavam transferir-se para Belo Horizonte por impositivos
da vida familiar. O grupo ficou limitado a três companheiros. D. Geni, porém, a
esposa de José Xavier, adoeceu e a casa passou a contar apenas com os dois
irmãos. José, no entanto, era seleiro e, naquela ocasião, foi procurado por um
credor que lhe vendia couros, credor esse que insistia em receber-lhe os
serviços noturnos, numa oficina de arreios, em forma de pagamento. Por isso,
apesar de sua boa vontade, necessitava interromper a freqüência ao grupo, pelo
menos, por alguns meses. Vendo-se sozinho, o Médium também quis ausentar-se.
Mas, na primeira noite, em que se achou a sós no centro, sem saber como agir,
Emmanuel apareceu-lhe e disse: – Você não pode afastar-se. Prossigamos em
serviço. – Continuar como? Não temos freqüentadores… – E nós? – disse o
espírito amigo. – Nós também precisamos ouvir o Evangelho para reduzir nossos
erros. E, além de nós, temos aqui numerosos desencarnados que precisam de
esclarecimento e consolo. Abra a reunião na hora regulamentar, estudemos juntos
a lição do Senhor, e não encerre a sessão antes de duas horas de trabalho. Foi
assim que, por muitos meses, de 1932 a 1934, o Chico abria o pequeno salão do
Centro e fazia a prece de abertura, às oito da noite em ponto. Em seguida, abria
o “Evangelho Segundo o Espiritismo”, ao acaso e lia essa ou aquela instrução,
comentando-a em voz alta. Por essa ocasião, a vidência nele alcançou maior
lucidez. Via e ouvia dezenas de almas desencarnadas e sofredoras que iam até o
grupo, à procura de paz e refazimento. Escutava-lhes as perguntas e dava-lhes
respostas sob a inspiração direta de Emmanuel. Para os outros, no entanto,
orava, conversava e gesticulava sozinho… E essas reuniões de um Médium a sós
com os desencarnados, no Centro, de portas iluminadas e abertas, se repetiam
todas as noites de segundas e sextas-feiras.
Uma dívida paga pelo alto…
José, o irmão de Chico, que fora por muito tempo seu orientador e dirigia as
sessões do “Luiz Gonzaga”, adoece gravemente, e, sob a surpresa de seus caros
entes familiares, desencarna, deixando ao irmão o encargo de lhe amparar a
família. Dias depois, o Chico verifica que o José lhe deixara também uma dívida,
pois esquecera de pagar a conta da luz, na importância de onze cruzeiros. Isto
era muito para o pobre Médium, pois no fim de cada mês nada lhe sobrava do
ordenado. Pensativo, sentou-se à soleira da porta de sua casinha rústica e
abençoada. Emmanuel lhe diz: Não se apoquente, confie e espere… Horas depois,
alguém lhe bate à porta. Vai ver. Era um senhor da roça. – O senhor é o seu
Chico Xavier? – Sim. Às suas ordens, meu irmão. – Soube que seu irmão José
morreu. E vim aqui pagar-lhe uma bainha de faca que ele me fez há tempos. E aqui
está a importância combinada. Chico agradeceu-lhe. E ficando só, abriu o
envelope. Dentro estavam onze cruzeiros … para pagar a luz. Sorriu,
descansado, livre de um peso. E concluiu para nós: – “Que bela lição ganhei”. E
nós: – Também para os que sabem olhar para os lírios dos campos, que não temem o
amanhã, porque sabem que ele pertence a Deus.
Quem dera que você fosse o Chico…
Numa livraria de Belo Horizonte, servia um irmão que, pelo hábito de ouvir
constantes elogios ao Chico Xavier, tomou-se de admiração pelo Médium. Leu,
pois, com interesse, todos os livros de Emmanuel, André Luiz, Néio Lúcio, Irmão
X e desejou, insistentemente, conhecer o psicógrafo de Pedro Leopoldo. E aos
fregueses pedia, de quando em quando: – Façam-me o grande favor de me apresentar
o Chico, logo aqui apareça. Numa tarde, quando o Aloísio, pois assim se chamava
o empregado, reiterava a alguém o pedido, o Chico entra na Livraria. Todos os
presentes, menos o Aloísio, se surpreendem e se alegram. Abraçam o Médium,
indagam-lhe as novidades recebidas. E depois, um deles se dirige ao Aloísio: –
Você não desejava ansiosamente conhecer o nosso Chico? – Sim, ando atrás desse
momento de felicidade…. – Pois aqui o tem. Aloísio o examina; vê-o tão
sobriamente vestido, tão simples, tão decepcionante. E correspondendo ao abraço
do admirado psicógrafo, com ar de quem falava uma verdade e não era nenhum tolo,
para acreditar em tamanho absurdo: – Quem dera que você fosse o Chico, quem
dera!… E Chico, compreendendo que Aloísio não pudera acreditar que fosse ele o
Chico pela maneira como se apresentava, responde-lhe, candidamente: – É mesmo,
quem me dera… E, despedindo-se, partiu com simplicidade e bonomia, deixando no
ambiente uma lição, uma grande lição, que ira depois ser melhormente traduzida
por todos, e, muito especialmente, pelo Aloísio…
Viajando com um sacerdote
Sentado no ônibus que o levaria a Belo Horizonte, Chico notou que seu
companheiro de banco era um Irmão Sacerdote. Cumprimentou-o e entregou-se à
leitura de um bom livro. O Sacerdote, também, correspondeu-lhe o cumprimento,
abrira um livro sagrado e ficara a lê-lo. Em meio à viagem, passou o ônibus
perto de um lugarejo embandeirado, que comemorava o dia de S. Pedro e S. Paulo.
O Sacerdote observou aquilo e, depois, virando-se para o Chico comentou: – Vejo
esta festividade em honra de dois grandes Santos, e neste livro, leio a história
de S. Paulo, cujo autor lhe dá proeminência sobre S. Pedro. Não se pode
concordar com isto. S. Paulo é o Príncipe dos Apóstolos, aquele que recebeu de
Jesus as chaves da Igreja. Chico, delicadamente, deu sua opinião, e o fez de
forma tão simples, revelando grande cultura, que o Sacerdote, que não sabia com
quem dialogava, surpreendeu-se e lhe perguntou: – O senhor é formado em
Teologia, ou possui algum curso superior? – Não. Apenas cursei até o quarto ano
de instrução primária. – Mas, como sabe tanta coisa da vida dos santos,
principalmente de S. Paulo, de S. Estêvão, de S. Pedro, e de outros,
realçando-lhes fatos que ignoro?… – Sou médium… – Então, o senhor é o Chico
Xavier, de Pedro Leopoldo? – Sim, para o servir. – Então, permita-me que lhe
escreva e prometa-me responder minhas cartas, pois tenho muita coisa para lhe
perguntar. Faça-me este favor. Afinal, verifico que Deus… nos pertence… –
Pode escrever; de bom grado responder-lhe-ei. Assim trabalharemos não apenas
para que Deus nos pertença, mas para que pertençamos também a Deus, como nos
ensina o nosso benfeitor Emmanuel. E, até hoje, Chico recebe cartas de Irmãos de
todas as crenças , particularmente de Sacerdotes bem intencionados, como o irmão
com quem viajou e de quem se tornou amigo. E, tanto quanto lhe permite o tempo,
lhes responde e nas respostas vai distribuindo o Pão Espiritual a todos os
famintos, ovelhas do grande redil, em busca do amoroso e Divino Pastor, que é
Jesus.