Um dos problemas que mais preocuparam os filósofos e os teólogos é o do livre
arbítrio: conciliar a vontade e a liberdade do homem com o fatalismo das leis
naturais e com a vontade divina, parecia tanto mais difícil quanto um cego acaso
parecia pesar, aos olhos de muitos, sobre o destino humano. O ensinamento dos
espíritos esclareceu o problema: a fatalidade aparente que semeia de males o
caminho da vida, não é mais que a conseqüência lógica do nosso passado, um
efeito que se refere a uma causa, é o cumprimento do destino por nós mesmos
aceito antes de renascer, e que nossos guias espirituais nos sugerem para nosso
bem e nossa elevação.
Nas camadas inferiores da criação, o ser não tem ainda consciência; apenas a
fatalidade do instinto o impele, e não é senão nos tipos superiores da
animalidade que surgem, timidamente, os primeiros sintomas das faculdades
humanas. A alma, jungida ao ciclo humano, desperta para a liberdade moral, o
juízo e a consciência desenvolvem-se cada vez mais no curso de sua imensa
parábola: colocada entre o bem e o mal, ela faz o confronto e escolhe
livremente, tornada sábia pelas quedas e pela dor; e na prova, sua experiência
forma-se e sua força mental se afirma.
A alma humana, livre e consciente, não pode mais recair na vida inferior:
suas encarnações sucedem-se na dos mundos, até que, ao fim de seu longo
trabalho, tenha conquistado a sabedoria, a ciência e o amor, cuja posse a
emancipará para sempre das encarnações e da morte, abrindo-lhe a porta da vida
celeste.
A alma alcança seus destinos, prepara suas alegrias ou dores, exercendo sua
liberdade, porém, no curso de sua jornada, na prova amarga e na ardente luta das
paixões, a ajuda superior não lhe será negada e, se ela mesma não a afasta, por
parecer indigna dela, quando a vontade se afirma para retomar o caminho do bem,
o bom caminho, a providência intervém e propicia-lhe ajuda e apoio, Providência
é o espírito superior, o anjo que vigia na desventura, o Consolador invisível
cujas inspirações aquecem o coração enregelado pelo desespero, cujos fluidos
vivificadores fortalecem o peregrino cansado; providência é o farol aceso na
noite para salvação daqueles que erram no oceano proceloso da existência;
providência é, ainda e sobretudo, o amor divino que se derrama sobre suas
criaturas. E quanta solicitude, quanta previdência neste amor. Não suspendeu os
mundos no espaço, acendeu os sois, formou os continentes, os mares, para servir
de teatro à alma, de campo aos seus progressos? Esta grande obra de criação
cumpre-se somente para a alma, para ela combinam-se as forças naturais, os
mundos deixam as nebulosas.
A alma é nascida para o bem, mas para que ela possa apreciá-lo na justa
medida, para que possa conhecer-lhe todo o valor, deve conquistá-lo
desenvolvendo livremente as próprias potencialidades: a liberdade de ação e a
responsabilidade aumentam com sua elevação, pois quanto mais ela se ilumina mais
pode e deve conformar a sua obra pessoal às leis que regem o universo.
A liberdade do ser é exercida, pois, em um círculo limitado, parte pelas
exigências da lei natural que não sobre violações ou desordens neste mundo,
parte pelo passado do próprio ser, cujas conseqüências se refletem sobre ele
através dos tempos, até a completa reparação.
Assim o exercício da liberdade humana não pode obstar, em caso algum, a
execução do plano divino, sem o que a ordem das coisas seria continuamente
perturbada: acima de nossas vistas limitadas e variáveis, permanece e continua a
ordem imutável do universo. Somos quase sempre maus juizes daquilo que é nosso
verdadeiro bem; se a ordem natural das coisas devesse dobrar-se aos nossos
desejos, que espantosas perturbações não resultariam disto?
A primeira coisa que o homem faria, se possuísse liberdade absoluta, seria
afastar de si todas as causas de sofrimento, e assegurar para si uma vida plena
de felicidade: ora, se existem males que a inteligência humana tem o dever e os
meios de conjurar e destruir, como os que provêm do ambiente terrestre, outros
existem que são inerentes à nossa natureza, como os vícios, que somente a dor e
a repressão podem domar.
Neste caso a dor torna-se uma escola, ou antes, um remédio indispensável,
pelo qual as provas são apenas uma repartição equânime da infalível justiça: é
por ignorar os fins desejados por Deus, que nos tornamos rebeldes à ordem do
mundo e às suas leis, e se elas são suscetíveis de nossas críticas, é apenas
porque ignoramos o seu oculto poder.
O destino é conseqüência de nossos atos e de nossas livres resoluções: no
suceder-se das existências, na vida espiritual, mais esclarecidos sobre nossas
imperfeições e preocupações com os meios de eliminá-las, aceitamos a vida
material sob a forma e nas condições que nos parecem adequadas a atingir esta
finalidade. Os fenômenos do hipnotismo e da sugestão mental explicam-nos o que
acontece em tais casos, sob a influência de nossos protetores espirituais; no
estado de sonambulismo, a alma empenha-se a realizar uma certa ação em certo
momento, por sugestão do magnetizador, e, despertada, sem recordar aparentemente
a promessa, executa com exatidão o ato imposto. Assim o homem não conserva
lembrança das resoluções que tomou antes de renascer, mas, chegada a hora,
afronta os acontecimentos previstos, e participa deles na medida necessária ao
seu progresso, ou ao cumprimento da lei inexorável.