Em meio a uma aula do curso de Aprendizes do Evangelho, em uma Centro Espírita
da Capital, o expositor titubeou, contorceu explicações e concluiu respondendo ao
questionamento de um aluno sobre quem era realmente Lúcifer: efetivamente era um
anjo mau, um decaído.
Após o incidente a questão nos foi proposta, via correio eletrônico, e respondi.
Acho que — modestamente — o expositor acabou por misturar uma teoria desenvolvida
por Kardec, até aceitável (e que deu origem ao gostoso Livro “Exilados da Capela”,
do Comandante E. Armond), dos “ANJOS DECAÍDOS” com a alegoria dos antigos Profetas
sobre um anjo ou demônio (daimon, que são a mesma coisa) do mal.
Vamos, em apertada síntese, o que há sobre o assunto:
Consta mesmo em Isaías, Cap. XIV, vers. 11 e seguintes: “Teu orgulho foi precipitado
nos infernos; teu corpo morto baqueou por terra; tua cama verterá podridão, e vermes
tua vestimenta. COMO CAÍSTE DO CÉU, LÚCIFER, tu que parecias tão brilhante ao romper
do dia? Como foste ARROJADO sobre a Terra, tu que ferias as nações com teus golpes;
que dizias de coração: Subirei aos céus, estabelecerei meu trono acima dos astros
de Deus, sentar-me-ei acima das nuvens mais altas e serei igual ao Altíssimo! E,
todavia, foste precipitado dessa glória no inferno…” etc. etc.
Kardec, exatamente sobre tais palavras do Profeta, pronunciou-se (nota nº 2,
Segunda objeção, item 9, do Cap. IX (Os demônios), 1ª parte, do Livro Céu e Inferno,
categoricamente e com absoluta razão histórica:
“Estas palavras do Profeta não se referem à revolta dos anjos; são, sim, uma
alusão ao orgulho e à queda do rei da Babilônia, que retinha os judeus em cativeiro,
como atestam os últimos versículos. O rei da Babilônia É ALEGORICAMENTE DESIGNADO
POR LÚCIFER, mas não se faz aí qualquer menção da cena supra descrita. Essas palavras
são do rei que as tinha no coração e se colocava por orgulho acima de Deus, cujo
povo escravizara.”
Quanto à doutrina dos anjos decaídos (acrescentada da matadora da perda do paraíso),
você a encontra extraordinariamente clara em “A GÊNESE”, cap. XI (Gênese Espiritual),
itens 43 a 49. Kardec esclarece, em nota ao título desse Capítulo (atente que A
Gênese foi editada em 1868), que “quando, na Revista Espírita de janeiro de 1862,
publicamos um artigo sobre a interpretação da doutrina dos anjos decaídos, apresentamos
essa teoria como uma simples hipótese, sem outra autoridade afora de uma OPINIÃO
PESSOAL CONTROVERSÍVEL, porque nos faltavam então elementos bastantes para uma afirmação
peremptória. (…) Presentemente… não só foi bem aceita pela maioria dos espíritas,
como a mais racional e a mais concorde com a soberana justiça de Deus, mas também
confirmada apela generalidade das instruções que os Espíritos deram sobre o assunto.”
Síntese da teoria (onde os ditos “decaídos” — e isso é só uma expressão para
simplificar o entendimento — nada têm de mais co-criadores do que todos os Espíritos
em todos os graus da Criação): Seres habitantes de mundos mais adiantados, não se
adaptando a eles ou sendo renitentes em não quererem progredir em consonância com
a humanidade local, são “proscritos” para mundos que se afinizem com seu pensamento.
Foi o que aconteceu com a raça adâmica, exilada para a Terra (que já estava povoada
de homens primitivos), vindos de outros orbes (que bem poderia ser Capela!) mais
adiantados, o que acaba por se verter em verdadeira missão fazer progredir este
mundo em princípio de civilização. O mundo de que vieram é literalmente “um paraíso
perdido”, enquanto que a Terra é uma lugar de expiação.
Sinteticamente: Colônias de Espíritos mais adiantados imigrados de outras esferas.
Não há nenhum retrocesso (retrogradação) na jornada de tais Espíritos “decaídos”(uma
metáfora para quem ainda não sabe ou não quer valorizar o melhor), mas simples expiação
da não aplicação dos princípios já alcançados, pois que ainda na nova posição o
desenvolvimento (intelectual e moral) já conquistado é o mesmo, e que será retomado
em sua plenitude tão logo dele se assenhorie.
Só isso! A Doutrina, na pureza de Kardec, é, aproveitando expressão de profundo
alcance popular, “bárbara”!
Uma observação maldosa minha pessoal: o pessoal da FEB, de cinco ou seis décadas
atrás, muitos vindos de sistemas igrejeiros, dão especial realce a figuras alegóricas
da antigüidade e de interpolações feitas no Evangelho pela Igreja Universal dos
Povos (Khatholikós), tal como a virgindade de Maria, do corpo fluídico de Jesus,
ou essa do “Anjo do Mal”…
Por certo, estas notas não são tudo sobre o assunto, mas é o que sei e acho.
janeiro, 2002.