Num lar modesto, em bairro da periferia, Dona Isabel, humilde viúva, deixa a
costura com que provê as necessidades da família e convida os filhos, quatro
meninas e um menino, para o culto doméstico.
Iniciada a reunião, uma das garotas, Neli, de nove anos, pronuncia a oração:
“- Senhor, seja feita a vossa vontade, assim na Terra como nos Céus. Se está
em vosso santo desígnio que recebamos mais luz, permiti, Senhor, tenhamos
bastante compreensão no trabalho evangélico! Dai-nos o pão da alma, a água da
vida eterna! Sede em nossos corações, agora e sempre. Assim seja!…”
Joaninha, a filha mais velha, lê, em seguida, trecho de um livro doutrinário
que discorre sobre a irreflexão, velho hábito humano de agir primeiro e pensar
depois. Conclui com a leitura de uma notícia dando conta de lamentável episódio
envolvendo uma jovem que se suicidou.
É a vez de Dona Isabel, que abre o Novo Testamento e lê o versículo trinta e
um, capítulo treze, do Evangelho de Mateus:
“- Outra parábola lhes propôs, dizendo: – O Reino dos Céus é semelhante ao
grão de mostarda que o homem tomou e semeou no seu campo”.
Comenta logo em seguida:
“- Lemos hoje, meus filhos, uma página sobre a irreflexão e notícia de um
suicídio em tristíssimas circunstâncias. Afirma o jornal que a jovem suicida se
matou por excessivo amor; entretanto, pelo que vimos aprendendo, estamos certos
de que ninguém comete erros por amar verdadeiramente. Os que amam, de fato, são
cultivadores da vida e nunca espalham a morte. A pobrezinha estava doente,
perturbada, irrefletida. Entregou-se à paixão que confunde o raciocínio e
rebaixa o sentimento. E nós sabemos que, da paixão ao sofrimento, ou à morte,
não é longa a distância. Lembremos, todavia, essa amiga desconhecida, com um
pensamento de simpatia fraterna. Que Jesus a proteja nos caminhos novos. Não
estamos examinando um ato, que ao Senhor compete julgar, mas um fato, de cuja
expressão devemos extrair o ensinamento justo.”
Prosseguindo em seus comentários, Dona Isabel recorda que poucas pessoas se
dispõem a meditar sobre o significado da vida e a respeito do que lhes compete
fazer. As ações humanas, em grande parte, são como semeaduras mal feitas. A
jovem suicida é apenas um exemplo. Há verdadeiros espinheiros no coração humano,
fruto de irreflexões. E lembra as sementes de mostarda como símbolos de pequenas
iniciativas – o pensamento positivo, a boa palavra, o gesto de bondade –
cultivando a reflexão, com as quais conseguiremos frutos abençoados de
felicidade e paz. E acentua:
“- Tenhamos cuidado com as coisas pequeninas e selecionemos os grãos de
mostarda do Reino dos Céus. Lembremos que Jesus nada ensinou em vão. Toda vez
que “pegarmos” desses grãos, consoante a Palavra Divina, semeando-os no campo
íntimo, receberemos do Senhor todo o auxílio necessário. Conceder-nos-á a chuva
das bênçãos, o sol do amor eterno, a vitalidade sublime da Esfera Superior.
Nossa semeadura crescerá e, em breve tempo, atingiremos elevadas edificações.
Aprendamos, meus filhos, a ciência de começar, lembrando a bondade de Jesus a
cada instante. O Mestre não nos desampara, segue-nos amorosamente, inspira-nos o
coração. Tenhamos, sobretudo, a confiança e alegria!”
Dona Isabel estende-se, ainda, em alguns comentários preciosos sobre o
assunto, após o que troca idéias com os filhos, desfazendo dúvidas e procurando
sedimentar em seus espíritos princípios de legítima religiosidade.
Uma das meninas pergunta:
“- Mamãe, se Jesus é tão bom, por que estamos comendo só uma vez por dia,
aqui em casa? Na casa de Dona Fausta, eles fazem duas refeições, almoçam e
jantam. Neli me contou que no tempo do papai também fazíamos assim, mas agora…
Por que será?”
Esboçando um sorriso, a viúva explica:
“- Ora, Marieta, você vive muito impressionada com essa questão. Não devemos,
filhinha, subordinar todos os pensamentos às necessidades do estômago. Há quanto
tempo estamos tomando nossa refeição diária e gozando boa saúde? Quanto
benefício estaremos colhendo com esta frugalidade de alimentação?”
Outra filha intervém:
“- Mamãe tem toda razão. Tenho visto muita gente adoecer por abuso da mesa.”
“- Além disso – acentuou Dona Isabel, confortada – vocês devem estar certos
de que Jesus abençoa o pão e a água de todas as criaturas que sabem agradecer as
dádivas divinas. É verdade que Isidoro partiu antes de nós, mas nunca nos faltou
o necessário. Temos nossa casinha, nossa união espiritual, nossos bons amigos.
Convençam-se de que o papai está trabalhando ainda por nós.”
O diálogo prossegue, produtivo. Dona Isabel responde às indagações dos
filhos, revelando-se uma preceptora amiga e inspirada, e também dotada de
carinhosa energia, respondendo às impertinências do filho adolescente, um tanto
rebelde, dominado por idéias diferentes.
Cumprido o horário, encerra-se a reunião com prece de agradecimento feita por
uma das meninas.
A experiência aqui resumida está no livro “Os Mensageiros”,do Espírito André
Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, oferecendo-nos um exemplo do que
é o “Evangelho no Lar”, que se difunde no meio espírita. Tratase de uma reunião
da família, na intimidade doméstica, para conversar sobre a moral cristã, à luz
da Doutrina Espírita.
Nem sempre os pais preocupam-se com a iniciação religiosa dos filhos. Não
raro esperam que façam suas próprias opções na idade adulta.
Trata-se de grave engano. Ninguém, em perfeito juízo, deixa que as crianças
decidam se devem freqüentar os bancos escolares para a formação cultural e
profissional.
Igualmente importante, indispensável, é a formação moral e espiritual. A
liberalidade aqui não passa de perigosa omissão.
Muitos males que afligem as pessoas seriam evitados ou superados se houvessem
recebido orientação religiosa, em doses adequadas ao seu entendimento, desde a
infância.
Nos Centros Espíritas há cursos de iniciação dirigidos à infância,
sustentados pelo esforço de valorosos companheiros.
Forçoso reconhecer, entretanto, que levar as crianças a participarem dessa
abençoada atividade é apenas parte das responsabilidades dos pais, em favor de
sua formação religiosa, posto que a melhor didática para o ensino do Evangelho –
a base da verdadeira religiosidade – é o diálogo em família.
Curioso como as pessoas sentem certo constrangimento ao falar em Jesus fora
dos círculos religiosos. É que não estão familiarizadas com suas idéias,
raramente evocadas no lar, esse poderoso laboratório formador de tendências
comporta mentais.
No entanto, Jesus não é o mestre ausente, escondido no interior dos templos,
mas o companheiro amigo de todas as horas, capaz de nos inspirar o melhor, onde
estivermos.
Suas lições não são de cunho esotérico, destinadas aos reduzidos grupos
iniciáticos. Ele nos fala do cotidiano, com idéias claras e objetivas, sempre
ilustradas com exemplar vivência, ensinando-nos a valorizar o contato com o
semelhante, no esforço do Bem.
E se o grande recurso de comunicação entre os seres humanos é a palavra, o
Mestre nos explica como usá-la adequadamente, conversando sobre assuntos
edificantes, instrutivos, produtivos, evitando as conversas divorciadas de
valores morais e recheadas de banalidades, onde marcam presença a fofoca, a
maledicência, o destempero verbal e até a imoralidade, que tanto conturbam o
ambiente social.
Trazer Jesus para o lar – esta a grandiosa tarefa que compete aos pais,
dialogando com os filhos a respeito de suas lições, estimulando-os ao cultivo
das sementes abençoadas do Reino de Deus.
Simonetti, Richard; “UMA RAZÃO PARA VIVER”, 18 edição, Gráfica São João.
Informação – Maio de 1991