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Não Há Toxicómanos Felizes

Não Há Toxicómanos Felizes

Eurípedes Kuhl no seu livro “Tóxicos – duas viagens”, entre outros pontos
igualmente importantes.

Refere-nos ele alguns dos sintomas e comportamento observável nos toxicómanos,
que vão desde a mudança constante do estado de espírito, sem motivo aparente, à
inapetência; ao rir perdidamente de algo sem nenhuma graça; ao desleixo e falta
de higiene pessoais; à falta de interesse ou diminuição pelo sexo oposto; às
reacções lentas – semiletargia -, olhar vago no espaço e desinteresse em
conversar; ao impulso à leitura de livros sobre tóxicos; à dilatação das pupilas
e olheiras; ao vermelhão no branco dos olhos, disfarçável com o uso constante de
óculos escuros; às marcas de picadas em qualquer parte do corpo mas
principalmente nos braços, escondidas com as camisas ou camisolas de mangas
compridas, ao aparecimento de manchas escuras, chagas e feridas que não se param
de coçar, à irritabilidade sem motivo, angústias e depressões… à repentina
queda do aproveitamento escolar e abandono dos estudos; à recusa em sair-se do
quarto, isolando-se de tudo e de todos, dormindo de dia e passando as noites com
insónias que tentam “matar-se”, com músicas que se ouvem em sons altíssimos, à
presença de seringas, comprimidos e cigarros estranhos espalhados ou escondidos
pelos móveis… às companhias com as quais está andando e que poderão ser as
indutoras do vício e o desaparecimento de valores no lar – destinados à
aquisição do produto que o traficante vende.

Todos estes pontos de referência foram escutados, porque repetidos, pelo Dr.
António Pais de Lacerda que, a pedido da COMUNHÃO ESPÍRITA CRISTÃ DE LISBOA,
participou de uma reunião que teve lugar no dia 7 de Junho no salão de
conferências da FEP, gentilmente cedido para o efeito e representada ali pelo
seu presidente, João Xavier de Almeida.

O Dr. Pais de Lacerda é médico no Hospital Civil de Santa Maria, em Lisboa, e
clínico da “Comun. Terapeuta Nova Fronteira”, na qual presta assistência,
conjuntamente com outros colegas, a toxicodependentes e sidaicos procurando,
dentro do seu melhor, ser um apoio confiante para os que, tendo resvalado na
estrada do vício, tentaram reerguer-se e libertar-se do abismo onde se afundaram
e afundam.

Feita a apresentação do orador pela signatária, ele mesmo, depois, a reforçou
firmando a sua disponibilidade no momento (e não só); e tendo comentado a
viabilidade de se dar início à reunião com uma primeira pergunta por parte de
alguém da assistência presente, elas tornaram-se sequentes, ainda que ordenadas,
revelando cada uma o interesse, atenção e a preocupação de quem a fazia. E
embora não tivessem comparecido todas as Associações convidadas, da área da
grande Lisboa e arredores, os presentes – sem distinção de idades ou sexos,
demonstraram bem o quanto o tema preocupa a todos, estejamos onde estivermos,
sejamos o que formos!

Fomos escutando também. Não há motivos taxativos para que alguém se torne
dependente: há curiosidade, primeiro, desinteresse pela vida que se vive,
depois, e, mais tarde, ansiedade em se repetir os estados de euforia conseguidos
e que duram sempre menos conforme o organismo se vai habituando, e que levam a
uma procura sempre maior que a anterior da dose usada. Foram referidos os nomes
das drogas mais e menos procuradas, aquelas cujo efeito é maior ou menor, mais
ou menos durável.

Deve tentar encontrar-se primeiramente no lar a justificativa para a “fuga” e
busca da droga – o que não significa que esteja ali, realmente, a chave do
problema, que muitas vezes nem existe. Mas terá e deverá haver sempre, quando
seja “descoberto” alguém nestas condições, dentro de uma família, deverá haver
sempre a tentativa de comunicação dos “lúcidos” pelos que o não estão – e isto
porque tanto podem ser os pais, irmãos ou cônjuges a tentarem ajudar, como
poderá acontecer precisamente o contrário e serem, os filhos a ampararem os mais
velhos. Terá que haver tolerância, compreensão, muito amor – e não repressão ou
expulsão do reduto familiar, porque cada um dos que resvala deverá sentir, nos
que o rodeiam, o apoio de que necessitará quando compreender e/ou quiser
“voltar”. Ele terá que ter confiança nos que o olham e não sentir nos seus
olhares, se não nos seus gestos ou palavras, a recriminação que o condena.

Insistir na desintoxicação quando o próprio interessado a não peça será uma
atitude infrutífera, mas deverá ser-lhe dada a possibilidade da presença de um
psicólogo, que ele procurará sempre que queira, enquanto a própria família
deverá também ser acompanhada por um – seja ou não o mesmo. E não vale a pena
que o familiar, sendo psicólogo, insista em desempenhar ele mesmo a sua função
com o toxicodependente, pois, por muito que o queira, não conseguirá abdicar
nunca do seu papel consanguíneo.

Não há, insistiu o Dr. Pais de Lacerda, toxicómanos felizes, da mesma maneira
que o não são os seus familiares.

Conseguida a “libertação” (recuperação) de um, em vez de se temer o seu
regresso ao vício porque continua a acompanhar-se do mesmo grupo onde se
encontrava inserido quando deixou que as teias da droga o envolvessem, é
necessário ajudá-lo e fazê-lo compreender – não pela imposição mas pela sua
compreensão, análise, aceitação e conclusão – que se ele caiu estando no grupo
agora, recuperado, o grupo não o serve mais porque em nada o beneficia. Terá,
portanto, de partir dele o afastamento, o corte dos laços que o prenderam ou
prendiam aos outros.

Esclarecendo ainda que, tal como o tuberculoso ou qualquer outro doente do
foro contagioso, os descendentes do toxicómano terão sempre a propensão para a
droga, pelo que terá que haver uma vigilância constante ainda que não doentia.

Na sequência de perguntas e respostas, duas horas passaram, rápidas, não
tendo havido a possibilidade de se entrar no segundo tema anunciado: a sida, que
ficará para uma próxima vez.

Entretanto, convidados alguns jovens presentes a participarem, eles não o
quiseram fazer, respondendo ao orador convidado que os interrogava que as suas
palavras os tinham tocado, por esclarecedoras.

Porque o Dr. António Pais de Lacerda não é espírita, não foram feitas
perguntas nem relacionados estados de dependência com o esclarecimento que a
doutrina espírita sempre pode completar, mas terminámos a reunião mais ricos de
conhecimentos do que ali chegáramos e com certeza que mais preparados também
para auxiliarmos os familiares que, futuramente, nos possam procurar.