Orson Peter Carrara
Aceitação de novas teorias pede prudência
Podemos incorporar novos princípios à Doutrina Espírita? Como conduzir teorias polêmicas e ainda não resolvidas no corpo doutrinário do Espiritismo?
Sempre há questões constantemente discutidas, que ensejam pontos de vistas, posições extremas ou ponderadas e temas gerais cujas teorias ainda não são definitivas, exigindo amadurecimento e mesmo o tempo para serem firmadas como incontestáveis.
Pequenos exemplos situarão o leitor: a) a evolução do princípio espiritual e sua transição pelos reinos da natureza; b) a origem do ser humano do ponto de vista material e espiritual; c) o princípio espiritual dos animais; d) mundos habitados, entre outros temas.
Os exemplos “queimam” o raciocínio dos estudiosos. Embora aceitemos as teorias, pela lógica e pelo raciocínio, pois, diga-se de passagem permanecem nesse campo teórico, aguardando comprovação científica, as teorias existentes ainda são escassas e estão na fase de experimentação, sem condições de serem apresentadas como verdades definitivas. Pelo menos no ambiente externo da Doutrina Espírita. O que para nós, espíritas, é de fácil entendimento, não o é entretanto para quem ainda não amadureceu o raciocínio através do estudo e reflexão em torno de tais temas. E convenhamos: para quem “está de fora”, não é tão simples aceitar teorias ainda não comprovadas pela ciência humana. Daí o cuidado, a prudência.
Este aspecto, entretanto, é altamente estimulador para a pesquisa e o estudo, pois na literatura espírita há farto material de pesquisa. E sempre proporcionando construtivos diálogos doutrinários.
Como agir nestes casos? Principalmente para conduzir os estudos e discussões que os temas apresentam. Recorramos à Codificação. Em “O Livro dos Espíritos“, os capítulos I a IV, com as perguntas 17 a 75 desdobram o assunto com farto material para reflexão, sendo que a questão 17 indica que “(…) Deus não permite que tudo seja revelado ao homem, aqui na Terra” (1). Porém, fomos buscar mais elementos naRevista Espírita (2) e na edição do mês de março de 1864 (3), encontramos a matéria Da perfeição dos seres criados, onde o Codificador faz judiciosas argumentações sobre a questão de que se Deus não poderia ter criado os Espíritos perfeitos, para lhe poupar o mal e suas conseqüências.
Deixamos ao leitor a curiosidade da pesquisa para maior entendimento da questão. Nosso objetivo é utilizar pequeno trecho de Allan Kardec, fruto de seu lúcido raciocínio, que se encontra na referida matéria e que embasa o questionamento desta matéria.
Especialmente a partir da página 68, embora referindo-se à questão dos animais, o Codificador apresenta o critério que norteia a evolução do pensamento espírita e sua aceitação de novas teorias ou princípios que possam ser incorporados à Doutrina Espírita. Observemos pequenos trechos:
- “(…) Só a concordância lhes pode dar a consagração, pois nisto está o único e verdadeiro controle do ensino dos Espíritos. Eis porque estamos longe de aceitar como verdades irrecusáveis tudo quanto ensinam individualmente; um princípio, seja qual for, para nós só adquire autenticidade pela universalidade do ensinamento, isto é, pelas instruções idênticas, dadas em todos os lugares, por médiuns estranhos uns aos outros, sem sofrer as mesmas influências, notoriamente isentos de obsessões e assistidos por Espíritos esclarecidos*. (…)”
- “(…) Em geral nunca seria demasiada a prudência em face a teorias novas, sobre as quais poderíamos ter ilusões (…)”
O controle da concordância, pois, é o critério estabelecido na Codificação para a aceitação de novas teorias ou incorporação de novos princípios. Enquanto estiverem na área de caráter individual, permanecem como temas discutíveis, sem serem aceitos como verdades definitivas. Sem a concordância, como poderíamos estar seguros da verdade absoluta? Como pondera Kardec, “a razão, a lógica, o raciocínio, sem dúvida, são os primeiros meios de controle a serem usados.” (4)
E quase ao final do capítulo, ainda à página 70, observemos a prudência da personalidade do Codificador: “(…) Jamais as emitimos antes que tenham recebido a sanção de que acabamos de falar, razão por que algumas pessoas, um tanto impacientes, se admiram de nosso silêncio em certos casos. Como sabemos que cada coisa virá a seu tempo, não cedemos a nenhuma pressão (…)”
Diante, pois, de questões polêmicas ou ainda não resolvidas, o melhor critério é o da concordância, ainda que incompleta, da maioria. Nos temas ainda em discussão, a universalidade dos ensinos, ou seja, a concordância dos ensinos vindos dos Espíritos – como acima delineado por Kardec – é o melhor guia a conduzir estudos e pesquisas. Somente este critério é capaz de estabelecer a aceitação de novas teorias ou princípios que venham a ser incorporados ao corpo doutrinário do Espiritismo.
Fora disso, ficamos entregues a opiniões ou sistemas individuais ou de pequenos grupos, sujeitos a ilusões, desacertos o equívocos, sempre prejudiciais ao real entendimento do ensino espírita. O que não é desejável, pois, o que se pretende mesmo é entender e viver o Espiritismo, em sua plenitude, com o embasamento do Evangelho de Jesus, conforme apresentado por Kardec à humanidade no dia 18 de abril de 1857, quando do lançamento de O Livro dos Espíritos, ao invés da defesa de pontos de vistas sujeitos à ação do tempo que derruba teorias que não estejam apoiadas na lógica ou na razão. Aliás, posição contrária à índole da Doutrina Espírita que diz que “Fé inabalável só o é a que pode encarar a razão frente a frente, em todas as épocas da Humanidade” (5).
Sejamos coerentes a refletir que não temos ainda o conhecimento completo; é preciso esperar o tempo, o amadurecimento da consciência humana, o que só será conseguido à custa de muito esforço. Isto, entretanto, não nos impede de continuar pesquisando, estudando, e principalmente aproveitando os avanços da Ciência que, dia-a-dia, comprova o que a Codificação apresenta há mais de um século.
(1) 3ª Edição FEESP, tradução de J. Herculano Pires, São Paulo-SP, 1987.
(2) Publicação fundada por Allan Kardec em 1858 e que ainda circula na França.
(3) Edição da EDICEL, São Paulo – 1966 -, tradução de Júlio Abreu Filho, páginas 65 a 70.
(4) Página 70, primeiro parágrafo.
(5) Folha de rosto de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, 107ª edição FEB, tradução Guillon Ribeiro, Rio de Janeiro-RJ, 08/93.
Nota do autor: Por espíritos esclarecidos deve-se entender aqueles que provam sua superioridade pela elevação do pensamento, pelo alto alcance de seus ensinos, jamais se contradizendo e jamais dizendo nada que a lógica mais rigorosa não possa admitir, como pondera o próprio Codificador no trecho em questão.
BOX PARA A MATÉRIA NOVAS TEORIAS
Critérios de aceitação*:
- O primeiro exame comprobativo é, pois, sem contradita, o da razão, ao qual se submeta, sem exceção, tudo o que venha dos Espíritos. Toda teoria em manifesta contradição com o bom senso, com uma lógica rigorosa e com os dados positivos já adquiridos, deve ser rejeitada;
- A concordância no que ensinem os Espíritos é, pois, a melhor comprovação;
- Uma só garantia séria existe para o ensino dos Espíritos: a concordância que haja entre as revelações que eles façam espontaneamente, servindo-se de grande número de médiuns estranhos uns aos outros e em vários lugares.
*Síntese do pensamento de Kardec, exposto na Introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo, item II – Autoridade da Doutrina Espírita -, páginas 28 a 36 da 107ª edição FEB, tradução de Guillon Ribeiro, Rio de Janeiro-RJ, 08/1993.
O conselho de Erasto*:
“É melhor repelir dez verdades momentaneamente do que admitir uma só mentira, uma única teoria falsa.”
*Revista Espírita, 1861, página 324 – edição EDICEL. Transcrição parcial do item mentira no livro Doutrina Espírita no Tempo e no Espaço 800 verbetes especializados, de A. Merci Spada Borges, 1ª edição da Panorama Comunicações (telefone 0 xx 11 6101-1165), São Paulo-SP, novembro de 2000.