Coincidências de datas e combinações numéricas chegam a influenciar a vida
humana?
Conforme especifica a Enciclopédia Barsa (1), número é “conceito
fundamental da matemática, experimentou sucessivas extensões em seu significado
(…) e corresponde à primeira manifestação humana originada pela necessidade contar,
ou melhor, de comparar duas coleções de objetos, como os dedos da mão com um conjunto
de coisas qualquer. (…)” ou expressão de quantidade, conforme o dicionário (2).
Ninguém discute a importância dos números na vida planetária. Presentes em cálculos
complexos ou no simples aprendizado da vida escolar, regem a economia mundial e
influenciam diretamente o comportamento humano, seja nos ponteiros do relógio ou
na contagem dos dias e anos que permitem as experiências de amadurecimento e progresso,
ainda que enquadrados no referencial de vida na Terra.
Se do ponto de vista material, nos parâmetros estabelecidos para a organização
de vida no planeta, desde as primeiras noções com os grandes gênios matemáticos
do passado, há tão grande influência dos números – que originam índices e porcentagens
na economia que afetam nossos bolsos – será que podemos raciocinar no mesmo sentido
quanto ao ponto de vista moral? O que diz a Doutrina Espírita a respeito?
Fomos pesquisar na Revista Espírita, publicada por Kardec no período de
1858 a 1869, onde há fonte inesgotável para pesquisas e estudos que o Codificador
transformou em verdadeiro laboratório para seus estudos da fenomenologia e ensinos
do Espiritismo. E encontramos na edição de julho de 1868 (3) as reflexões sobre
o tema, em páginas de grande lucidez e prudência. Conforme recomenda a Doutrina.
A edição em referência traz como sua matéria de abertura o artigo A Ciência
da Concordância dos Números e a Fatalidade. Já no primeiro parágrafo, Allan
Kardec afirma que por diversas vezes foi indagado sobre o que pensava sobre a concordância
dos números e se dava valor a essa ciência. Respondeu, no próprio texto e de início,
que jamais havia se ocupado dela, embora tenha notado as concordâncias e coincidências
de datas e acontecimentos, mas em pequeníssimo número para conclusões. Com todo
seu cuidado de raciocínio e observação afirma ainda que “… porque não se compreende
uma coisa, não é motivo para que ela não exista.”
Pondera que “A natureza não disse a sua última palavra, e o que hoje é utopia,
poderá ser verdade amanhã. Então pode ser (4) que entre os fatos exista uma
certa correlação, que não suspeitamos, e que poderia traduzir-se por números.” E
conclui o raciocínio no segundo parágrafo do texto: “Há fatos sobre os quais temos
uma opinião pessoal; no caso de que se trata, não temos nenhuma, e se nos inclinássemos
para um lado, seria antes para a negativa, até prova em contrário.”
O texto todo é um primor de prudência. Observemos outro parágrafo: “(…) O Espiritismo,
que assimila todas as verdades, quando estas são constatadas, não irá repelir esta.
Mas como, até o presente (5), essa lei não é atestada, nem por um número suficiente
de fatos, nem por uma demonstração categórica, com ela devemos nos preocupar tanto
menos quanto ela só nos interessa de maneira muito indireta. (…)”. Porém, expôs
a questão aos Espíritos num grupo muito sério e obteve a seguinte resposta (6):
“Há, certamente, no conjunto dos fenômenos morais, como nos fenômenos físicos, relações
baseadas em números. A lei da concordância das datas não é uma quimera; é uma das
que vos serão reveladas mais tarde e vos darão a chave das coisas que vos parecem
anomalias. Porque, crede-o bem, a natureza não tem caprichos; ela marcha sempre
com precisão e passo seguro. Aliás, esta lei não é tal qual imaginais; para a compreender
na sua razão de ser, no seu princípio e na sua utilidade, necessitais adquirir
idéias que ainda não tendes(4), e que virão a seu tempo. Pelo momento,
este conhecimento é prematuro(4), razão por que não vos é dado. Então seria
inútil insistir. (…) Trabalhai sobretudo no vosso adiantamento moral, porque é
por este merecereis possuir novas luzes.”
Na seqüência, Kardec diz ser da mesma opinião e afirma que o princípio da concordância
das datas é inteiramente hipotético, no que também temos que concordar em função
dos progressos alcançados pela Ciência. Mas, neste ponto, conforme ponderações do
Codificador no mesmo texto, há que se ressaltar que a experiência demonstra que
na natureza muitas coisas estão subordinadas a leis numéricas, suscetíveis do mais
rigoroso cálculo. Como negar a precisão matemática que move o Universo e a presença
marcante de cálculos em todas as áreas do conhecimento humano e da própria vida
em si?
Colocado o mesmo questionamento do ponto de vista moral, ficamos com Kardec que
afirma ser presunção fazer-se tal afirmativa, sem dados mais precisos no momento
evolutivo que nos encontramos. O que se pode afirmar, sem medo de errar e conforme
os ensinos da Doutrina Espírita, que todo ato praticado livremente gera conseqüências
inevitáveis, compatíveis com a natureza da ação praticada. E isto é verdadeiramente
o que mais nos interessa de perto, daí o Codificador ter relacionado o assunto com
a questão da fatalidade, cuja abordagem específica deixamos para outra oportunidade.
Verifique-se, entretanto, as conquistas da atualidade em qualquer área que se
queira analisar. Em todas estão presentes os números, os cálculos. Estude-se os
conflitos – individuais, coletivos ou internacionais -, os dramas e quedas morais.
Nestes não há números, mas há a iniciativa pessoal – às vezes até motivada no interesse
por números e cálculos – ou a liberdade individual e coletiva de agir em prejuízo
ou benefício do próximo. Aqui entra a questão moral, que deve prevalecer sobre a
frieza dos números. Estes são instrumentos neutros, a serviço da evolução e conduzidos
pela decisão de quem os manipula.
Reflexão mais demorada sobre a harmonia do Universo e as Leis de Deus demonstram
sua utilização racional em favor da magnitude da Obra de Deus.
Quanto, porém, à coincidência de datas ou suposta influência de números na vida
humana, deixemos que o tempo responda. Sejamos ponderados, prudentes, e usemos o
bom senso como recomenda a Doutrina Espírita, este luminoso farol a conduzir nossos
passos. Preferimos ficar, por enquanto, na admiração da precisão matemática que
governa o Universo.
(1) Volume 11, edição da Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.,
Rio de Janeiro-RJ, edição de 1993, páginas 371 a 374.
(2) Novíssimo Dicionário Prático da Língua Portuguesa, 30ª edição da Novo Brasil
Editora Ltda., 1986, São Paulo (SP).
(3) Ano XI, tradução de Júlio Abreu Filho, edição da Edicel – Editora Cultural Espírita
Ltda – São Paulo.
(4) Grifo nosso.
(5) O texto é de 1868 e a posição se mantém.
(6) A mensagem não tem autor identificado.