Veja também: Pesquisa nas obras de Kardec
“A Ciência sem religião é manca. A religião sem a ciência é cega”.
Albert Einstein
I – Introdução
Recentemente, fizemos um texto refutando um pequeno artigo que tentava
demonstrar que o Espiritismo não era cristão. Sabemos que existem espíritas que
não concordam com nossa opinião. E, percebemos, em nosso meio, que outros já se
questionam se o Espiritismo é mesmo uma Religião.
Este assunto é grave, já que causa divergência no movimento Espírita, o que
achamos fora de propósito. Deveríamos, isto sim, todos nós, concentrarmos os
nossos argumentos contra os que de fora, repito de fora, querem denegrir o
Espiritismo, atacando-o de todas as formas, usando até mesmo da difamação e da
calunia.
Achamos que o melhor a se fazer seria uma pesquisa, para definirmos o
assunto, já que não somos nenhuma autoridade em Espiritismo, e quem sabe,
poderíamos realmente não estar com a razão, e é melhor confessar logo de uma vez
que para nada sabermos falta-nos muito pouco. A única coisa que possuímos é um
amor muito grande pela Causa Espírita, o que nos faz um defensor tenaz de seus
princípios contra os nossos detratores, que mais parecem pacientes nos “últimos
suspiros”, em busca do plantão de algum Hospital de Pronto Socorro, pois, a cada
momento, aparece mais um. Entretanto aos que caminham conosco no movimento
Espírita, tentamos ser o mais amáveis possível, digo tentamos, visto que diante
de minha inferioridade, temos sempre que nos policiar, para não cometermos a
indelicadeza de atacarmos a pessoa, em vez de apenas discordar de suas idéias.
Para chegar à conclusão de qual é o aspecto mais importante do Espiritismo, é
necessário fazermos uma pequena comparação.
Suponhamos que alguém queira construir um edifício. Sabemos que
inevitavelmente necessitará do engenheiro, do pedreiro, do servente, do armador,
do carpinteiro, do bombeiro, do eletricista, do azulejista, e do pintor, se não
esquecemos de nenhum. A construção será composta de algumas fases: Uma é a do
lançamento da base, outra a de levantamento da parte estrutural (entijolamento,
lajes, componentes hidráulicos e elétricos), e pelo menos mais uma, a do
acabamento (piso e pintura). O profissional de engenharia representa a parte
científica do projeto, é sumamente importante, mas só com ele, não teremos
edifício algum. Precisará de todos os outros profissionais, que não possuem o
conhecimento que ele como engenheiro tem, para ver, finalmente, seu projeto
concluído. As fases representam o próprio desenvolvimento da execução do projeto
que, embora não visíveis, são indispensáveis para se levantar o edifício, pois
existe uma relação de interdependência entre elas. Se essa não existisse, um
doido qualquer poderia querer iniciar a construção pelo telhado, o que
inviabilizaria a execução do projeto.
É assim que vemos o Espiritismo, ou seja, qual um edifício, também necessitou
do conhecimento científico, que aplicado nas várias fases de sua evolução,
culminou com o que temos hoje como Corpo de Doutrina.
Devemos ter a capacidade de perceber que a parte científica do Espiritismo
sozinha não leva a nada, pois, sem uma conseqüência prática, qual seria a sua
utilidade? O que adianta provar cientificamente que o espírito sobrevive à morte
do corpo físico, se daí nós não tiramos nenhuma aplicação para o nosso
dia-a-dia? Seria a mesma coisa que um cientista descobrindo a vacina contra a
AIDS, mas não a aplicasse em ninguém.
Por isso achamos que os que pensam que o Espiritismo é só Ciência, deveriam
refletir sobre isso. E achamos, ainda, que eles, na verdade, não perceberam as
fases de evolução que o Espiritismo passou, principalmente da do progresso da
fase cientifica para a fase religiosa, tudo isso planejado e calculado pelos
Espíritos Superiores.
Iremos demonstrar que em Kardec encontramos o desenvolvimento destas fases,
conforme pudemos ver, quando da pesquisa na Revista Espírita. Aliás, diga-se de
passagem, deveria ser lida por todos os Espíritas. Nela veremos um Kardec
defensor ferrenho contra os inúmeros ataques que a Doutrina Espírita recebeu,
nessa época inicial, já que ela provocou a ira do clero organizado. Quem sabe,
com isso, mais pessoas iriam seguir o seu exemplo para defender o Espiritismo
dos ataques insanos dos detratores.
II – O que é o Espiritismo afinal?
Tentaremos resolver as questões: O Espiritismo é Religião? É Cristão?
Representa o Cristianismo? Nesse trabalho, resultado dessa pesquisa, nós vamos
ver se, pelo que Kardec disse, podemos encontrar algo para, finalmente, tirarmos
uma conclusão definitiva e clara sobre isso.
Assim, exporemos, a seguir, algumas questões, na esperança de serem
suficientes para se chegar a uma conclusão sobre o pensamento de Kardec e dos
Espíritos Superiores, os quais deram instruções durante a codificação. E
esperamos que esse estudo possa ajudar a outras pessoas se esclarecerem sobre
esse polêmico assunto entre nós Espíritas.
1 – O pensamento de Kardec
No período de 1857 a 1863, Kardec buscou realçar apenas a característica de
ser uma ciência. Mas, não deixou, algumas vezes, de dizer que era uma ciência
filosófica, que tinha, portanto, conseqüências de ordem moral.
Sem muita ênfase, dizia: “Todos aqueles que compreendessem verdadeiramente a
essência do Espiritismo, deveriam praticar a caridade cristã, segundo os ensinos
de Cristo”.
As bases em que o Espiritismo, segundo Kardec, estava se apoiando era nesta
nova ciência. Não queria que ele fosse confundido como uma nova religião, embora
reconhecesse que ele era um poderoso auxiliar da religião. Nas conseqüências
morais do Espiritismo, via o sentimento do Cristianismo.
O interessante é que, ao procurar de todas as maneiras colocar em evidência
seu aspecto de ciência, não o fazia sem razão, pois ao realçar a sua natureza
cientifica queria atrair para ele os intelectuais, os pensadores, as pessoas de
mente aberta, não se importando com qual fosse a religião que abraçavam. Várias
vezes, ele enumerou pessoas de outras religiões na hoste Espírita.
Assim era proposital e deliberado não colocá-lo como uma nova religião, pois
não via nele o que as religiões dogmáticas possuíam, como: culto, templos e
ministros. E não via, também, misticismo algum, que era uma característica forte
daqueles que professavam essas religiões. Ora, o Espiritismo vem exatamente
lançar isso por terra, já que sob seu aspecto científico, estava longe,
portanto, de qualquer idéia mística ou supersticiosa.
Dizia que, longe do Espiritismo ser antagonista das religiões, ele estava em
todas elas.
Nesse período classificou os Espíritas em três categorias e, seguramente,
ainda são válidas para os dias de hoje, apesar de quase um século e meio da
Doutrina Espírita, quais sejam:
1) Espíritas Experimentadores – aqueles que só o viam como ciência de
observação, sendo a filosofia e a moral para eles simples acessórios, com os
quais não se preocupavam;
2) Espíritas Imperfeitos – reconheciam a importância filosófica,
admiravam a moral dela decorrente, mas não a praticavam;
3) Espíritas Cristãos – seriam, segundo ele, os verdadeiros Espíritas,
pois praticavam toda a moral espírita, e para eles a caridade era uma regra de
conduta.
Em dezembro de 1863, referindo-se sobre a luta que o Espiritismo estava
travando, para se implantar, disse que ele estava entrando numa nova fase, que
seria o período religioso. Dizia isso porque já estava preparando o lançamento
do livro “Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo”, cujo conteúdo era a
explicação das máximas morais do Cristo. Acrescentando que: “Esta obra é para o
uso de todo o mundo; cada um pode nele haurir os meios de conformar a sua
conduta à moral do Cristo”, convidando, por isso, a todos os espíritas à prática
do Evangelho.
A partir daí, a ênfase científica foi perdendo destaque, para ceder lugar ao
aspecto religioso do Espiritismo. Não sem antes fazer uma ligação entre as duas
fases, dizendo: “Se o acordo entre ciência e religião fosse impossível, não
haveria religião possível”. Pregava a possibilidade e, até mesmo, a necessidade
desse acordo: “A ciência e a religião são irmãs para a maior glória de Deus, e
devem se completar uma pela outra, em lugar de se desmentir uma pela outra”.
Para Kardec, o Espiritismo seria “o traço de união” que permitirá “a ciência e a
religião se olharem face a face, uma sem rir e a outra sem temer”. Concluindo:
“É pelo acordo da fé e da razão que ele conduz, cada dia, tantos incrédulos a
Deus”.
Em junho de 1865, reafirma que: “O Espiritismo, que é o Cristianismo
apropriado ao desenvolvimento da inteligência, e livre dos abusos, ligando-o ao
Consolador prometido por Jesus”. Outra afirmação de Kardec digna de nota é a que
disse em abril de 1866: “Inscrevendo no frontispício do Espiritismo a suprema
lei do Cristo, abrimos o caminho para o Espiritismo Cristão, e fomos
instituídos, pois, em desenvolver-lhe os princípios, assim como os caracteres do
verdadeiro espírita sob esse ponto de vista”.
Entendemos, finalmente, Kardec, quando do seu discurso de abertura na
Sociedade de Paris, feito no dia 1º de novembro de 1868, dia consagrado aos
mortos, em que ele disse: “Se assim é, dir-se-á, o Espiritismo é, pois, uma
religião? Pois bem, sim! sem dúvida, Senhores; no sentido filosófico, o
Espiritismo é uma religião, e disto nos glorificamos, porque é a doutrina
que fundamenta os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre
uma simples convenção, mas sobre as bases mais sólidas; as próprias leis da
Natureza”.
“Por que, pois, declaramos que o Espiritismo não é uma religião? Pela
razão de que não há senão uma palavra para expressar duas idéias diferentes,
e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto;
que ela desperta exclusivamente uma idéia de forma, e que o Espiritismo
não a tem. Se o Espiritismo se dissesse religião, o público não veria nele
senão uma nova edição, uma variante, se assim nos quisermos expressar, dos
princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com um cortejo de
hierarquias, de cerimônias e de privilégios; não o separaria das idéias de
misticismo, e dos abusos contra os quais a opinião freqüentemente é
levantada”.
“O Espiritismo, não tendo nenhum dos caracteres de uma religião, na
acepção usual da palavra, não se poderia, nem deveria se ornar de um título
sobre o valor do qual, inevitavelmente, seria desprezado; eis porque ele se
diz simplesmente: doutrina filosófica e moral”.
Assim, quando disse que não era uma nova religião, é porque não queria que
fosse mais uma religião nos moldes das que já existiam. Queria, isto sim,
separar o Espiritismo do conceito tradicional de religião. Fora isso, Kardec diz
abertamente que o Espiritismo é uma Religião.
2 – O Pensamento dos Espíritos Superiores
Até aqui nós só procuramos mostrar o pensamento de Kardec. Entretanto, para
ficar bem claro a que se propõe pelo Espiritismo, iremos citar parte de algumas
comunicações dos espíritos que, na Codificação, falaram sobre o assunto.
1ª) Comunicação do Espírito Louis de France: “O Espiritismo é uma ciência
essencialmente moral; …o Espiritismo não é outra coisa senão a
aplicação verdadeira dos princípios da moral ensinada por Jesus, …Ele
vem, como o Cristianismo bem compreendido, mostrar ao homem a absoluta
necessidade de sua renovação interior …” (RE – 1866 – pg. 158/60)
2ª) Comunicação de Lacordaire: …uma multidão de Espíritos de todas as
ordens, sob a direção do Espírito de Verdade, veio …revelar as
leis do mundo espiritual, das quais Jesus havia adiado o ensinamento, e
lançar, pelo Espiritismo, os fundamentos da nova ordem social. (RE – 1868 –
pg. 47).
3ª) Comunicação de São Luís: “…a Doutrina hoje está bem colocada sob o
aspecto moral e religioso. …O Espiritismo entra …numa nova fase;
…A caridade, sua base inabalável, …” (RE – 1868 – pg. 56/7).
4ª) Comunicação recebida em 15/04/1860, Um Espírito: “O Futuro do
Espiritismo: …será ele que reformará a legislação tão freqüentemente
contrária às leis divinas; será ele que reconduzirá a religião do Cristo
…instituirá a verdadeira religião…” (OP – pg. 289).
5ª) Comunicação de 09/08/1863, em referência especial ao Livro E.S.E.: “Eis
que a hora se aproxima em que será preciso declarar abertamente o Espiritismo
por aquilo que ele é, e mostrar a todos onde se encontra a verdadeira doutrina
ensinada pelo Cristo; a hora se aproxima em que, diante do céu e da Terra,
deverás proclamar o Espiritismo como a única tradição realmente cristã, a
única instituição verdadeiramente divina e humana. Escolhendo-te, os
Espíritos sabiam da solidez de tuas convicções, e que a tua fé, como uma muralha
de bronze, resistiria a todos os ataques”. (OP – pg. 298).
III – Conclusão
Outra coisa importante que queremos destacar é que, segundo os próprios
espíritos, quem presidia e coordenava todas as comunicações dadas pelos outros
espíritos era o guia de Kardec, que se identificou como ESPÍRITO DE VERDADE.
Mas, quem realmente assinava este nome? No E.S.E., capítulo O Consolador, nas
instruções dos Espíritos, existem quatro comunicações assinadas pelo ESPÍRITO DE
VERDADE. Por outro lado, a primeira delas é a comunicação IX que consta do livro
dos Médiuns, capítulo XXXI. Nela não há nenhuma assinatura, entretanto, sobre
isso Kardec coloca a seguinte nota:
“Esta comunicação, obtida por um dos melhores médiuns da Sociedade Espírita
de Paris, está assinada por um nome que o respeito não nos permite reproduzir
senão sob todas as reversas, tão grande seria o insigne favor da sua
autenticidade, e porque, muito freqüentemente, dele se abusou nas comunicações
evidentemente apócrifas; esse nome é o de Jesus de Nazaré. Não duvidamos,
de nenhum modo, que não possa se manifestar; mas se os Espíritos verdadeiramente
superiores não o fazem senão em circunstâncias excepcionais, a razão nos proíbe
crer que o Espírito puro por excelência responda ao apelo de qualquer um;
haveria, em todos os casos, profanação em lhe atribuir uma linguagem indigna
dele”.
“Por essas considerações, é que sempre nos abstivemos de publicar algo que
levasse esse nome; e cremos que não se poderia ser mais circunspecto nas
publicações desse gênero, que não têm autenticidade senão pelo amor-próprio, e
cujo menor, inconveniente é o de fornecer armas aos adversários do Espiritismo”.
(LM – pg. 423).
Assim, pois, sendo as duas a mesma comunicação, e que, na do Livro dos
Médiuns, Kardec diz ter sido assinada por Jesus, concluímos, s.m.j., que Ele era
o Espírito que assinava como sendo o ESPÍRITO DE VERDADE.
Se essa conclusão estiver correta, agora sem mais nenhuma sombra de dúvida,
podemos afirmar que, apesar do seu aspecto científico, O Espiritismo é
Religião e, considerando a conclusão sobre quem é o ESPIRITO DE VERDADE,
temos mais um forte argumento para afirmar categoricamente que O Espiritismo
é Cristão e que O Espiritismo é o Cristianismo, na sua expressão mais
sublime, visto que o próprio Cristo veio trazer novamente à Humanidade seus
ensinamentos esquecidos por uns, deturpados por outros, e comercializados por
muitos.
Paulo da Silva Neto Sobrinho
Jan/2002.
Notas Bibliográficas:
1 – Citações de Allan Kardec podemos encontrar: RE – 1858 – pg. 2, 3, 204 e
301; RE – 1859 – pg. 5 e 136; RE – 1860 – pg. 1, 5, 293/4, 300 e 366; RE – 1861
– pg. 132, 136/7, 301, 303, 341/2, 343, 375/6 e 376/7; RE – 1862 – 264, 276 e
278; RE – 1863 – pp. 379; RE – 1864 – pg. 97/9, 106/7 e 204; RE – 1865 – pg. 93
e 188; RE – 1866 – pg. 113/4; RE – 1867 – pg. 271 e RE – 1868 – pg 354-62.
2 – Referências ao Espírito de Verdade: RE – 1861 – pg. 305, 348 e 356 e OP –
pg. 299.
3 – Livros consultados: RE= Revista Espírita, Allan Kardec, IDE, Araras, SP,
vol. I a XI; OP= Obras Póstumas, Allan Kardec, IDE, Araras, SP e LM= Livro dos
Médiuns, Allan Kardec, IDE, Araras, SP.