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O Espiritismo frente ao Homem da “Sociedade da Informação”

Ana Paula da Silva

Jornalista; mestranda em Jornalismo na ECA/USP

apsilva@esalq.usp.br

Palestra apresentada no Instituto de Cultura Espírita de Piracicaba (ICEP) em 23/10/03

O conjunto dos canais de comunicação disponíveis não são aproveitados em todo o seu potencial para a divulgação do Espiritismo, mesmo porque, como diz Herculano Pires, em “O Espírito e o Tempo”, “O Espiritismo não é nem pretende ser uma religião social, pelo que não disputa um lugar entre as igrejas e as seitas, mas quer ajudar as religiões a completarem a sua obra de espiritualização do mundo”.

Certamente, não é esse aproveitamento instrumental das novas tecnologias que mais interessa ao Espiritismo. O foco, para os espíritas atentos à evolução do Espiritismo, são as mudanças radicais que o acelerado avanço das tecnologias de comunicação provocou e continua gerando no perfil das pessoas. Neste texto, vou tratar de apenas um aspecto desse desenvolvimento estonteante das tecnologias de comunicação, que é o acesso a um maior volume de informação.

Essa é uma das abordagens mais simples; seguramente, poderíamos explorar, por exemplo, as transformações no modo de se ver o mundo e das próprias formas de comunicação interpessoais, bem como as reorganizações das estruturas sociais, científicas, políticas, econômicas e também religiosas diante das novas formas de se pensar… o pensamento mosaico (flashs, frenes, inúmeros estímulos visuais e auditivos simultâneos), por exemplo, em oposição ao linear…. como as crianças atuais, altamente ligadas a meios eletrônicos, se relacionarão com as artes e ‘instrumentos’ da sociedade que hoje temos como convencional e por aí em diante.

“Uma coisa é certa: vivemos hoje em uma destas épocas limítrofes na qual toda a antiga ordem das representações e dos saberes oscila para dar lugar a imaginários, modos de conhecimento e estilos de regulação social ainda poucos estabilizados. Vivemos um destes raros momentos em que, a partir de uma nova configuração técnica, quer dizer, de uma nova relação com o cosmos, um novo estilo de humanidade é inventado.” (Pierre Lévy. As tecnologias da inteligência, 1993)

É claro que desde a popularização do rádio – inventado por Marconi, em 1895 e disseminado em grande parte do mundo até as décadas de 30 e 40 -, da TV – por John Baird, 1925, e disseminada no Brasil a partir dos anos 50 e da internet, a partir da década de 90 – criação dos sistemas de rede (web) é creditada a Tim Berners Lee -, o nível de informação das pessoas aumentou consideravelmente. Mesmo aqueles considerados ignorantes na sociedade atual detêm um volume de informação muito maior que há algumas décadas.

As novas tecnologias de informação, certamente, têm uma participação importante neste processo. Simplificadamente, identifico três efeitos principais que o acesso a mais informação pode gerar:

  1. Aumentar o esclarecimento de uma parcela da sociedade. As novas tecnologias são ferramentais para que muitos tomem conhecimento de aspectos até então ignorados. Estes, mais bem informados, questionam mais, inclusive certos princípios religiosos e passam a recusar explicações que pressupõem a abolição do raciocínio e do livre arbítrio (Jethro Vaz de Toledo). Em termos religiosos, isso pode proporcionar um aprofundamento sobre o Espiritismo por parte daqueles que já se dizem espíritas e também atrair outros que têm alguma informação sobre o caráter racional do Espiritismo.
  2. Pode levar outros a se agarrar fortemente aos princípios de religiões de fé cega, que garantem a salvação pela ação de Deus (e não sua);
  3. Ou ainda, fazer com que alguns reforcem suas apostas no poder do Homem à frente de tudo e mantenham a religião em segundo plano; especializam-se nos instrumentos do mundo material, seguem suas leis como soberanas e, por um determinado período, partem para a batalha do mundo com os artífices materiais.

A informação que liberta e a que aliena

De fato, os meios de comunicação de massa permitem uma certa melhora do nível de informação de seu público, mas, se formos analisar a qualidade das informações que o público está recebendo, constatamos que uma mínima parte contribuiu, efetivamente, para o desenvolvimento desses que dedicam horas dos seus dias a esses veículos. A maior parte das mensagens, infelizmente, gera um tipo de alienação em seu público, apresentando-lhes realidades absolutamente distintas das suas e mascarando os fatos concretos que dizem respeito ao seu dia-a-dia.

Muitas vezes, flagram-se programações preponderantemente sensacionalistas que, ao invés de informar para o desenvolvimento pessoal do público ou, pelo menos, prestar um serviço factível/útil, gerammedo. A exemplo de certas religiões que aproveitam do temor do homem para mantê-lo sob controle, os meios de comunicação de massa despertam em muitos um sentimento de caos, de desordem mundial, de descrença no próprio homem. O sentimento de impotência diante do mundo, criado pela própria estrutura dominante e de tamanho assustador, acaba empurrando multidões para igrejas, em busca da proteção Daquele que é maior e que tudo resolve. Dessa forma, entende-se o motivo que leva a população mais massificada a recorrer à religião de fé cega, mas salvação garantida.

Tratando-se não apenas desse grupo, mas da sociedade como um todo, vale notar um “comportamento pendular” que alguns autores falam, ao longo dos séculos. Esse movimento representaria a adesão maciça dos homens ora para a crença na ciência, centrada na capacidade inteligente/racional do Homem, como remédio para todos os males – a esperança de alcance da felicidade pelo cientificismo – ora, na fé, no sobrenatural, na religião que garante a felicidade pedindo em troca apenas a obediência. Nesse movimento, como assinala o professor Jethro Vaz de Toledo, a fase seguinte sempre vem enriquecida pelo aprendizado da anterior.

Alguns autores da área de comunicação enfatizam que saímos de uma era de crença nos princípios Iluministas, de ciência, na qual a razão conduziria ao bem-estar – apologia à especialização, o olhar separado de cada coisa -, porque essa boa aventurança não se concretizou. Viveríamos essa desilusão. “Ao invés do bem-estar, o desenvolvimento da técnica conduziu a formas desumanas e anti-humanas de se organizar a sociedade.” “Seria hora de superar a razão. Após conhecê-la e saber de seu caráter destruidor, avançar para a etapa da pós-razão. Reinventar os componentes que a razão atrofiou… reinventar o sensitivo, o inesperado, o não verbalizável, o toque, olhar, o cheiro, o calor e tantas sensações apagadas… (Ciro Marcondes Filho, Jornalismo Fin-de-Sieclè, 1994)

De fato, nota-se a retomada da busca sistêmica, da síntese, do global, do macro, da agregação, da complementariedade das várias áreas do conhecimento. A Segunda Guerra Mundial colaborou para isso, quando emerge mais fortemente a Teoria Geral dos Sistemas. A sociedade da informação seria uma resposta à dinâmica da própria sociedade, dentro de um enfoque sistêmico, onde a interdisciplinariedade é fundamental.

Alguns autores, especialmente Ciro Marcondes Filho, acreditam que a fé na religião também teria ruído, porque em ambos os modelos (CIENTÍFICO e RELIGIOSO), a noção de uma sequência progressiva a caminhar necessariamente para uma situação (utópica) melhor teria sido demolida.

Eu discordo desta segunda parte e acho que as igrejas cheias, a multiplicação de canais de TV e rádio religiosos e mesmo o crescimento de adeptos ao Espiritismo (ver censos) justificam que uma parte significativa da sociedade, pelo menos brasileira, mas desconfio que seja um movimento forte em todo o ocidente, teria retornado para a religião.

Os centros espíritas certamente recebem parte desses assustados. Em geral, domesticados pela tradição católica, vão em busca do apoio sobrenatural também no Espiritismo, sem saber que os princípios dessa religião são calcados no esclarecimento, nas leis naturais de ação e reação e também de livre arbítrio (responsabilidade pelo próprio destino), leis de evolução.

Diante desse “público”, o Espiritismo deve estar preparado para apresentar, através do diálogo, seus princípios verdadeiros, ou melhor, a conduta do verdadeiro espírita: que é aquele que abraça uma religião em profundidade mas não tem a salvação garantida pela obediência. É ele mesmo responsável por sua sorte.

“O atendimento fraterno se caracteriza por aquela recepção que sabe ouvir, entender e encaminhar de forma positiva e sem promessas, ofertando a doutrina do Espiritismo que esclarece e consola, mas sem obrigar ninguém a seguir esta ou aquela recomendação, decisão de foro íntimo de cada um” (Marcus Alberto de Mario – RJ – Dirigente Espírita; set-out/02 )

Marcus diz que, para realizarmos um bom atendimento fraterno, são necessários:

  1. boa vontade;
  2. ouvidos para ouvir;
  3. conhecimento doutrinário;
  4. conhecimento do Centro espírita;
  5. noções de psicologia;
  6. falar apenas quando necessário, incentivando as potencialidades de quem está sendo atendido e estimulando-o a conhecer o Espiritismo.

Caso receba a boa orientação, poderá, então, decidir-se por integrar efetivamente o Espiritismo. De qualquer forma, continua facultada a opção de simplesmente freqüentar sessões de passes e mediunidade sem comungar os princípios da Doutrina.

Mas, como se sabe, o público que compõe a base sólida do Espiritismo não vem das camadas amedrontadas com os males ocorridos e superespetacularizados pela mídia. Tratam-se, em sua maioria, de cidadãos conscientes que aceitaram, em poucas palavras, reconhecer que toda a sua sorte presente é resultado de suas obras passadas e que a condição de seu futuro, sob as regras do livre arbítrio, dependem igualmente de suas ações.

Na verdade, para bem acolher qualquer interessado, o Espiritismo, através de seus representantes, deve efetivamente estar aberto ao diálogo, ao invés de repetir o discurso autoritário e terminado que muitas religiões impõe. É preciso dar espaço para a comunicação e não para o “extensionismo”, seguindo a conceituação de Paulo Freire. É conhecer um pouco do mundo do outro e, inclusive, se permitir identificar aspectos positivos naquela forma de crer e pensar. Isso não significa distorção dos princípios espíritas, mas, como tenho ouvido insistentemente nesta Casa, o Espiritismo é dinâmico e em constante formulação, como dizem, em certo aspecto, é uma ciência e, como tal, não se dá por acabada.

Aqui, no Icep somamos conteúdo, trocamos informações, esclarecemos algumas dúvidas, levamos outras juntos, acredito, adaptamos tudo isso para nossas vidas; não através de dogmas cegos, mas através de mudanças que vamos auto-promovendo.

A nossa prática aqui no Icep é pura comunicação, conforme os conceitos mais modernos, que, em linhas gerais, se confunde com a prática da educação, ou seja, implica necessariamente em ouvir e falar, nunca uma ação apenas. É por isso, inclusive, que questiono o termo Meios de Comunicação de Massa. Acho que não passam de meios de Divulgação, afinal que o espaço para o receptor se manifestar em nível de igualdade com aquele que está emitindo as mensagens?

Através da comunicação (diálogo), pode-se levar informações que despertem a motivação, o desejo de se obter determinada recompensa e, então, começa-se a trabalhar para MUDAR. No caso do Espiritismo, eu entendo como recompensa a melhora da nossa condição de vida presente e futura e também a de outros, por intermédio nosso, através da busca por informação, por esclarecimento para deixarmos de agir na ignorância de leis naturais e universais. Só transforma aquele que tem motivação, que quer mudar, e para que o processo de ensinar/aprender se concretize, é preciso que haja aproximação daquele que leva o conteúdo e do que “recebe”.

DIALOGO  DESPERTA MOTIVAÇÃO  MUDANÇA  DESENVOLVIMENTO

Portanto, como alerta a nós que nos propormos a comunicar o Espiritismo, não adianta impor ou conduzir, porque sem conscientização e motivação (que leva ao empenho), não se obtêm resultados de longo prazo que, efetivamente, promovam transformações que levem ao “desenvolvimento”.

Acho que é por isso que conseguimos nos desenvolver aqui no Icep , que faz comunicação e não divulgação espírita. Eu, fazendo exatamente o que estou fazendo agora, sou um exemplo disso. Vim, aprendi, fiz perguntas do outro lado e agora estou na minha vez de falar; em sincronia com a dinâmica daqui: somos platéia e apresentadores, intercaladamente.

Passividade x criticidade

Diferença entre cultos religiosos mais comuns e reuniões que permitem o diálogo efetivo (comunicação)

Alguns trechos de Alberto de Souza Rocha, extraídos de Caminhos da Divulgação Espírita, 1999:

“Somos sempre tentados por viciações naturais ao impositivo da repetição e daí repetirmos as ações que aprendemos sem a crítica prévia das conveniências; ou repetimos simplesmente os próprios erros…”

“Difundir, portanto, a boa mensagem com a consciência de que todos os processos de crescimento e de maturação exigem tempo. Zelar para que ela não venha a tisnar-se ao sabor de velados interesses, como o de aparecer ou de impor novidades, o que se tem visto tanto por aí.”

“Ninguém duvida mais de que a melhor e mais convincente mensagem é a do exemplo. Isso quer dizer da necessidade de policiarmos os nossos passos já nem tanto a bem de nós próprios, mas até e principalmente a benefício da causa que nos achamos engajados.”

Diante disso tudo, se quisermos contribuir para uma sociedade melhor, temos que fazer nossa parte e, nesta, está inclusa a comunicação daquelas que realmente acreditamos como leis universais, priorizando o diálogo nessas exposições.

O conhecimento é o ponto de partida e não de chegada

Hoje bem se pode compreender que a verdadeira felicidade, que não bem essa em pós da qual tanto se esfalfa o homem terreno a correr, está nas vibrações certas, na energia certa, dentro da Grande Lei, também lei energética, e que outra não é senão a Lei do Amor e da Fraternidade. (p.159)

“Não há fé inabalável, senão a que pode encarar face a face a razão, em todas as épocas da humanidade. À fé, uma base se faz necessária, e essa base é a inteligência perfeita daquilo em que se tem de crer. Para crer, não basta ver; é preciso sobretudo compreender. A fé cega já não é para este século. É precisamente ao dogma da fé cega que se deve o ser hoje tão grande o número de incrédulos, porque ela quer impor-se e exige a abolição de uma das mais preciosas faculdades do homem: o raciocínio e o livre arbítrio.” (O Evangelho Segundo o Espiritismo)

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