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Orgulho: Porta Aberta aos Espíritos Imperfeitos

Orgulho: Porta Aberta aos Espíritos Imperfeitos

A história da humanidade é marcada por lutas sangrentas na busca do homem
pela liberdade de pensar e agir. O mundo ainda se debate para aperfeiçoar seus
sistemas políticos tendo em vista alcançar a sonhada democracia. O Espiritismo,
doutrina enviada ao mundo por Jesus Cristo como cumprimento de sua promessa
consoladora, contribuiu sobremaneira para termos acesso a uma nova visão da vida
na Terra e nas dimensões que se estendem além da morte. Se absorvida pela
humanidade, a Codificação poderia trazer o tão querido reino de paz e justiça
para os homens.

Mostra-nos a doutrina que a criatura humana pode e deve ser livre. Para isso,
conscientiza-a de suas responsabilidades perante seus atos. Demonstra que só
pode haver um estado de direito, onde há liberdade com responsabilidade. Se não
foi aceita pela humanidade, pelo menos em nós deveriam florescer os ideais
nobres da razão. Allan Kardec foi um livre-pensador por excelência. Conosco já
não acontece o mesmo. Cresceu em nossas fileiras um mal chamado preconceito,
onde não se permite a crítica.

O trabalho que apresentaremos aqui, não se trata de posicionamento pessoal ou
de teoria radical. Nossa exposição é uma visão crítica, um ponto de vista acerca
de uma enfermidade moral que vem sufocando aos poucos o trabalho do Espírito de
Verdade. O agente deste mal é o orgulho.

Os males do movimento

Em meu trabalho jornalístico em A Voz do Espírito, tenho escrito uma série de
artigos apontando o enfraquecimento do movimento espírita. Devido à profissão
que abracei, tive oportunidade de visitar muitos centros espíritas em diversas
regiões do país. Os problemas que vi parecem ser os mesmos em todos os cantos. A
maioria dos centros espíritas mergulharam numa situação pouco animadora.

Observa-se uma situação de improdutividade espiritual preocupante. Não há
atividade mediúnica proveitosa e os resultados conseguidos não vão além da
rotina. A maioria substituiu as relações com o mundo invisível pelas obras de
caráter material que, embora sirvam à causa do bem comum, não trazem salvação,
mormente se estiverem desacompanhadas de obras morais. Poucos realizam trabalhos
de desobsessão. Quase não há curas. O trabalho dos Espíritos, que representam a
Misericórdia Divina, acabou sendo sufocado pelo dos homens. Há núcleos que se
isolaram e que não se relacionam mais com outras sociedades. Não participam, não
progridem. Dirigentes sem orientação, fizeram do centro espírita sua definitiva
morada. A orientação dada ao povo, em alguns casos, assusta. Temos uma legião de
pessoas que, exteriormente, procuram imitar líderes como Francisco Cândido
Xavier e Divaldo Pereira Franco, sem qualquer aproveitamento real para a próprio
alma.

Detive-me em estudar a causa desses males, e conclui que um processo
semelhante ao que distorceu a igreja primitiva instalou-se no movimento espírita
e age com as mesmas tendências. O orgulho, associado à invigilância,
desenvolveram entre nós enfermidades de ordem moral. Tornou-se porta aberta aos
espíritos imperfeitos que, não encontrando obstáculos, comprometeram boa parcela
do movimento.

O orgulho

O orgulho e o egoísmo andam de mãos dadas. São sentimentos onde o
amor-próprio procura preservar a individualidade em prejuízo da vida coletiva.
Todos nós trazemos suas marcas na conduta, em face de estarmos ligados ao
instinto de preservação. O Espírito quando está em sua fase animal vive a
plenitude dos instintos. Na impossibilidade de raciocinar, procura
instintivamente preserva-se das intempéries do meio. Entre os interesses de um
indivíduo e de outro, valem os interesses da individualidade. Isso é o egoísmo e
o orgulho.

A medida que o Espírito evolui, passando por milhares de encarnações em
variados mundos, adquire pouco a pouco a inteligência, que vai gradualmente se
sobrepondo ao instinto. Com o raiar da civilização, sente necessidade da vida
social, passando também a preocupar-se com o próximo. Isso é a iluminação. Este
processo é lento e se desenvolve com o passar dos séculos.

Mais tarde, tomando consciência da Lei Divina que nos orienta, melhoramos o
comportamento passando a ter maior domínio sobre o orgulho. Este sentimento,
comum a todos nós, pode ser excitado pelo meio em que vivemos, pelas paixões e
pelos maus Espíritos. Por isso, Jesus Cristo, o divino professor, recomendou o
“orai e vigiai para que não entreis em tentação”.

Na vida religiosa, o orgulho se desenvolve de modo especial. Devido à idade
espiritual heterogênea, os homens geraram uma multiplicidade de religiões, cada
qual interpretando a teoria divina a seu modo. Acreditam que por estar nesta ou
naquela seita já estão salvos. No movimento espírita vem acontecendo coisa
bastante parecida. Os Espíritos Superiores demonstraram que a salvação se dá por
obras morais. Em nenhum momento disseram que só os espíritas se salvam, mas sim
os que praticam o bem. O espírita tornou-se invigilante em sua conduta,
deixando-se dominar por vícios grosseiros. O sentimento de valorização pessoal
cresceu e desobrigou-nos de seguir a bandeira espírita, que diz ser verdadeiro
cristão aquele que se esforça constantemente para dominar as más inclinações.

A influência do orgulho na vida do homem

“O egoísmo e o orgulho matam as sociedades particulares, como matam os povos
e as sociedades em geral. Lêde a história e vereis que os povos sucumbem sob o
amplexo desses dois mortais inimigos”.

Estas são palavras do Codificador do Espiritismo e exprimem sua preocupação
com a erva daninha chamada orgulho. Se examinarmos a história dos grandes
impérios que existiram na Terra, tais como: o Egípcio, o Assírio, o Babilônico,
o Medo-Persa, o Grego e o Romano, é simples concluir que a causa de suas
destruições esteve sempre intimamente ligada ao orgulho.

O sentimento de importância despertado por ele põe por água abaixo as
relações sociais dos povos e dos grupos. Entre nós, o orgulho tomou uma forma
especial, pois se vestiu com o manto da humildade, das aparências. Durante anos
fomos condicionados a nos manter calados perante o erro. Esta atitude derivou da
má interpretação de mensagens espirituais e do radicalismo assumido por alguns
líderes espíritas. Há entre nós vestígio de hipocrisia, um mal já presente no
tempo de Jesus Cristo.

O orgulho e a hipocrisia

O orgulho tem a tendência de criar em torno da criatura verdadeira prisão.
Quando se faz manifesto num grupo, exalta-lhe o amor próprio a ponto de
distorcer-lhe a razão e a capacidade de julgar o bem e o mal. Leva-o a fechar-se
em si mesmo, valorizando-o em seu sentimento de importância. Afasta-o das
pessoas comuns, pois para ele tudo que é simples é inferior.

Aparecem o elogio desmedido, a troca de honras, pompas, reconhecimentos
públicos e a adoração de personalidades. É o afastamento do homem da sua relação
com Deus. Abrem-se as portas para o domínio dos maus Espíritos e a terrível
fascinação.

“De todas as disposições morais, a que maior entrada oferece aos Espíritos
imperfeitos é o orgulho. Este é para os médiuns um escolho tanto mais perigoso
quanto menos o reconhecem”.

Allan Kardec demonstra neste pequeno texto, o grande perigo a que estamos
sujeitos nas relações com os Espíritos, em face do orgulho.

O risco da fascinação é uma constante. Está presente com maior probabilidade
em duas situações distintas: na primeira, junto aos grupos novatos. Os que se
iniciam na prática do Espiritismo devem armar-se de cuidados por causa da
euforia. A sede do fazer, aliada à inexperiência pode levá-los a situações de
perigo. É conveniente que os neófitos busquem trocar experiências com outras
sociedades mais amadurecidas. É preciso precaver-se contra uma idéia comum: a de
que se tem uma missão a cumprir. É uma tentação pela qual quase todos passam.

Na segunda situação, temos o mais grave. A fascinação pode instalar-se em
grupos que já passaram da meia idade. O excesso de confiança nos Espíritos, o
desleixo com a vigília, o envolvimento pela falsa humildade são os caminhos da
obsessão. Na fascinação o orgulho se faz extremamente manifesto.

Por estarem embasados na experiência, essas sociedades descuidam-se e acabam
vítimas da nefasta influência dos fascinadores. Ainda é de Kardec a afirmativa
de que infelizmente o orgulho é um dois defeitos que somos menos inclinados a
reconhecer e que é difícil dizer aos outros que seus problemas são provenientes
do orgulho. Certamente não acreditariam.

“Podeis dizer a um homem que ele é bêbado, debochado, preguiçoso, incapaz e
imbecil; ele rirá ou concordará; dizei-lhe que é orgulhoso e ficará zangado”.

O orgulho e o movimento espírita

O orgulho destruiu a organização de muitas sociedades do passado. Sabemos que
sua ação imperiosa foi a grande responsável também pela desagregação da Igreja.
Por séculos manteve-se ela fechada em idéias que julgava certas, afastando-se
progressivamente do povo, ocupando-se de paramentos e atos de exterioridade.
Homens corajosos, como João Huss (1369-1415), Martinho Lutero (1483-1546), João
Calvino (1509-1564) e seguidores, ergueram suas vozes e disseram: Basta!
Promoveram reformas destinadas a tirar a prática do cristianismo da ilusão do
orgulho, aproximando-a dos necessitados.

Façamos algumas perguntas a título de reflexão: depois do testemunho da
história e do alerta dado pelos Espíritos acerca do orgulho, nós espíritas
teríamos caído no mal da invigilância? Teria aparecido entre nós o personalismo,
o mal da idolatria? Não estaríamos exagerando, crendo na salvação pelas obras
exteriores? O Espiritismo estaria se distanciando do povo? Será que a forma
mansa com que nos expressamos não esconde uma ponta da hipocrisia dos antigos
fariseus? Que males teria trazido o orgulho para o movimento? Teriam os maus
Espíritos comprometido parte da comunidade? Quanto? Vale a pena fazermos uma
reflexão sobre essas questões e trabalharmos para nossa melhoria pessoal e, por
conseqüência, do próprio movimento.

O mal e o remédio

A humanidade vem nos últimos anos passando por transformações assustadoras. A
influência da matéria sobre a vida cresce incessantemente. Os valores morais
estão sendo corrompidos com extrema rapidez. Nunca o mundo precisou tanto do
Espírito Consolador como neste tempo em que vivemos. O Espiritismo pode fazer
muito ao homem na época atual. Talvez, esteja em nossas mãos a tarefa de
constituir grupos capazes de enfrentar a transição que se aproxima. Estaríamos
preparados para isso? Sim, temos uma estrutura material capaz de cumprir com
esse papel; porém, nossa estrutura moral e espiritual está abalada. Se
vivêssemos um tempo de provações coletivas, dificilmente suportaríamos. Como
estamos, não serviríamos de elemento aglutinador.

Temos, pois, que fortalecer a nós mesmos, nossas sociedades e o nosso
movimento. Para influenciarmos o mundo, temos que estar unidos. Unidos em
pensamentos, em práticas, em fins, fundamentalmente. Fora disso não há união.
Unificação por dentro. Esta sim é difícil de se promover, pois depende de
discussão, aceitação, argumentação, renúncia, humildade e trabalho. Ainda que
sejamos poucos, se pensarmos juntos, teremos forças. De que servem milhares de
núcleos que não se entendem entre si? Que poderão fazer no grande trabalho
coletivo que nos espera? As deficiências das casas, o desânimo, o desinteresse
que se multiplica pelas coisas de Deus são claros testemunhos de que algo vai
mal. Reflexão, discussão, participação, conclusão, renovação, eis os remédios.

Comecemos por aplicá-los. O primeiro trabalho é a nível pessoal. Perguntemos:
como temos vivido moralmente? A vida com esposa, esposo, filhos, patrão e
empregados? Temos cultivado o amor para com o próximo? Como é o nível real de
nossos conhecimentos? Qual a verdadeira experiência que temos com os Espíritos?
Somos um trabalhador espírita ou só um freqüentador? Existe omissão frente as
nossas responsabilidades pessoais?

A seguir, a vida espírita do grupo. Como tem sido nosso trabalho? Há controle
dos tratamentos espirituais para saber se são produtivos? Nosso trabalho
mediúnico é organizado? As sessões de passes necessitam de melhorias? Há
escolinha de evangelização infantil, escola para iniciantes no conhecimento
espírita? Temos participado financeiramente da sociedade, para ajudá-la em suas
obras? A sociedade não espírita recebe alguma influência do trabalho? Há
propaganda a respeito do Espiritismo? E a feira do livro, não está esquecida?
Temos reunido nossa diretoria para discutir todos esses temas?

Por fim, o movimento. Que temos feito por ele? Participamos dos Encontros,
Eventos, Congressos?

Contribuímos com idéias novas, com experiências pessoais, ou nos limitamos a
ouvir? Temos trabalhado pela causa? A causa tem afetado nossa vida pessoal?
Frente aos desmandos, temos nos mantido calados? Não estaríamos sendo coniventes
com o erro? Temos procurado estudar os problemas que envolvem a prática
espírita?

O Espiritismo é uma doutrina dinâmica. Deve estar em constante mudança e
atividade. A inércia é sua condenação. É preciso pensar, opinar, participar.
Ainda que nosso pensamento seja errado, isso não importa. Mais cedo ou mais
tarde, encontraremos quem nos esclareça pela razão. Basta sermos flexíveis para
aceitar mudanças no posicionamento.

O silêncio pode parecer humildade mas nem sempre é sinal de sabedoria. Hoje,
quem não participa fica para trás. A reflexão, a auto-crítica pessoal e
coletiva, é o grande remédio para diminuir a ação enfermiça do orgulho sobre
nós. Tiremos do nosso coração a idéia de que no “céu” há um mundo onde convivem
os de aparência de mansidão. Este é o paraíso forjado pela Igreja. No além, nos
mundos de luz, convivem os que têm a sinceridade da mansidão e os que lutam pela
transformação das coisas.