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Prefácio de “Os Quatro Evangelhos” de Roustaing

Jean Baptiste Rousta

Documento onde se fez críticas a Allan Kardec, que a Federação Espírita Brasileira – FEB, retirou da edição original dos livros de Jean Baptiste Roustaing. O texto abaixo, publicado no ano de 1920, teve sua gramática ajustada para as regras de 1998.

Notas importantes:

  • Todos os destaques que mereçam do leitor maior atenção estarão na cor vermelha.
  • Onde forem necessários comentários da Equipe responsável pelo trabalho, constará a seguinte referência: Observação da Equipe:
  • Algumas notas encontradas no documento não possuem autor. Por isso foram designadas como “Nota, sem autoria”.

1ª PARTE

DO CARÁTER E DA IMPORTÂNCIA DA REVELAÇÃO DA REVELAÇÃO

Como iniciadora da Fase Teológica
Sua oportunidade “manifesta e incontestável”

Resposta ao artigo de Allan Kardec
(Revista, de Junho de 1867).

Inicia o autor: 
Os Quatro Evangelhos, explicados em espírito e em verdade pelos Evangelistas com a assistência dos Apóstolos e de Moisés, têm a pretensão de concorrer para o apaziguamento do moderno conflito entre a ciência e a religião, explicando racionalmente o que é a encarnação do Cristo na terra, de um modo acorde com a ciência e que afasta a eterna questão do milagre por obra do Espírito Santo. Em 1861, J. B. Roustaing foi espontaneamente escolhido para começar a obra teológica, cuja fase importante lhe coube abrir (mas que não encerra; ele diz abrir, não esqueçamos estas palavras), pondo em ordem as revelações recebidas a partir do mês de Dezembro de 1861 até ao de Maio de 1865. Em 1866 publicou os três volumes dos Quatro Evangelhos e ofereceu um exemplar a Allan Kardec, que, na sua Revista, em Junho de 1867, apreciou a obra pela maneira seguinte:

Notícias bibliográficas
OS EVANGELHOS EXPLICADOS PELO SR. ROUSTAING

“Esta obra compreende a explicação e a interpretação dos Evangelhos, artigo por artigo, com o auxílio de comunicações ditas pelos Espíritos. É um trabalho considerável e que tem, para os espíritas, o mérito de não estar em contradição, por qualquer de seus pontos, com a doutrina ensinada no Livro dos Espíritos e no dos Médiuns. As partes correspondentes às de que tratamos no Evangelho Segundo o Espiritismo o são num sentido análogo. Aliás, como nos circunscrevemos às máximas morais que, com raras exceções, são geralmente claras, elas não poderiam ser interpretadas de maneiras diversas; por isso mesmo jamais fizeram objeto das controvérsias religiosas. Essa a razão que nos levou a começar por aí, a fim de sermos aceito sem contestação, aguardando, relativamente ao mais, que a opinião geral se encontrasse familiarizada com a idéia espírita.

O autor desta nova obra julgou dever seguir outra orientação: em lugar de proceder gradativamente, quis de salto atingir o fim. Assim é que tratou de certas questões que ainda não julgáramos oportuno abordar e a respeito das quais, portanto, lhe deixamos a responsabilidade, assim como aos Espíritos que as comentaram. Consequente com o nosso princípio, que consiste em regular a nossa marcha pelo desenvolvimento da opinião, não daremos, até nova ordem, a essas teorias, nem aprovação, nem desaprovação, confiando ao tempo o encargo de as sancionar ou contraditar.

Convém, pois, considerar tais explicações como opiniões pessoais dos Espíritos que as formularam, opiniões que podem ser justas ou falsas, que, em todo caso, precisam de sanção da apreciação universal e, até confirmação mais ampla, não devem ser tidas como parte integrante da Doutrina Espírita.

Quando explanarmos estas questões, o faremos terminantemente. É que então teremos colecionado documentos bastante numerosos, nos ensinos dados de todas as partes pelos Espíritos, de modo a podermos falar afirmativamente, certo de estarmos acorde com a maioria. Assim procedemos sempre que se cogitou de formular um princípio capital. Já o dissemos cem vezes: para nós, a opinião de um Espírito, qualquer que seja o nome com que se apresente, só tem o valor de uma opinião individual; o nosso critério reside na concordância universal, corroborada por uma rigorosa lógica, no tocante àquilo que não possamos verificar pelos nossos próprios olhos. De que serviria darmos prematuramente uma doutrina como verdade absoluta se, mais tarde, ela pode vir a ser combatida pela generalidade dos Espíritos?

Dissemos acima que o Livro do Sr. Roustaing não se afasta dos princípios exarados no Livro dos Espíritos e no dos Médiuns; as nossas observações, por conseguinte, entendem com aplicação desses mesmos princípios à interpretação de certos fatos. É assim, por exemplo, que aquele livro dá ao Cristo, em vez de um corpo carnal, um corpo fluídico concretizado, com todas as aparências da materialidade e dele faz um agênere. Aos olhos dos homens, que então não lhe teriam podido compreender a natureza espiritual, ele teve que passar, na aparência, palavra esta que incessantemente se repete no curso inteiro da obra, por todas as vicissitudes da humanidade. Desse modo se explicaria o mistério do seu nascimento: Maria não teria tido mais do que as aparências da gravidez. Este ponto, estabelecido como premissa e pedra angular, é a base em que o autor assenta a explicação de todos os fatos extraordinários ou milagrosos da vida de Jesus.

“Nada há nisso, sem dúvida, de materialmente impossível para quem conhece as propriedades do envoltório perispiritual. Sem nos pronunciarmos pró ou contra esta teoria, diremos que ela é, pelo menos, hipotética e que, se um dia, por errônea, viesse a ser reconhecida, o edifício desmoronaria à falta de alicerce. Esperaremos, pois, os largos comentários que ela não deixará de provocar da parte dos Espíritos e que hão de contribuir para elucidar a questão. Sem a prejulgarmos, adiantaremos que a essa teoria já foram feitas objeções sérias e que, a nosso ver, os fatos podem perfeitamente ser explicados sem que se saia da humanidade corporal.“Estas observações, subordinadas à sanção do futuro, em nada diminuem a importância da obra que, de par com algumas coisas duvidosas, segundo o nosso ponto de vista, outras contém incontestavelmente boas e verdadeiras e será consultada com proveito pelos espíritas conscienciosos.

“Se a substância de um livro constitui o principal, a forma não é de desprezar-se e também concorre para o seu êxito. Achamos que certas partes do trabalho do sr. Roustaing são excessivamente desenvolvidas e sem utilidade para a clareza. No nosso parecer, se, limitando-se ao estritamente necessário, houvera reduzido a obra a dois ou mesmo a um só volume, ela ganhará em popularidade. – Allan Kardec.”

Observação da Equipe: No artigo colocado acima, Allan Kardec mostra que as obras de Roustaing não estavam em acordo com o princípio de universalidade proposto pelos Espíritos superiores. Critica a questão do corpo fluídico de Jesus e termina mostrando que os ditados roustainguistas eram prolixos e que poderiam ser reduzidos a um só volume. Foi isso que irritou Jean Baptiste Roustaing e seus seguidores.

Segue o autor:
Em Junho de 1867, já estávamos longe do ano de 1861, época na qual Allan Kardec dizia, à pagina 123 do Livro dos Médiuns:

“Não preconizamos, nem criticamos obra alguma, por não querermos de nenhum modo influenciar a opinião que dela se possa formar; trazendo nossa pedra para o edifício, colocamo-nos nas fileiras. Não nos pertence ser juiz e parte e não alimentamos a ridícula pretensão de ser o único distribuidor da luz; toca ao leitor separar o bom do mau, o verdadeiro do falso.”

Três vezes imprimimos esta linguagem de oiro para bem a conservarmos de memória. Aplicando o nosso método de crítica ao artigo de Junho de 1867, aí vamos encontrar tudo o que apresentamos à consideração dos leitores, a propósito da introdução do Evangelho Segundo o Espiritismo. Tudo lá está: o fundo, a forma, o ostracismo, a infalibilidade. É a aplicação do sistema preconcebido a uma obra à que se faz desde logo o mais belo enterro de primeira classe que se pudera desejar.Na França, em geral, pouco se lê. Os espíritas, habituados, na sua maioria, a aceitar tudo, disseram: O chefe, o mestre certamente aplicou a sua contraprova universal aos três volumes de J. B. Roustaing. Não podemos por conseguinte comprar nem ler uma obra inútil.

Malgrado ao prudente e judicioso emprego que Allan Kardec fazia do seu critério infalível (nosso caso o prova), estamos certos de que esse critério carecia de exatidão. Disse-o por escrito o sr. d’Ambel, que foi seu secretário e seu médium preferido. E o sr. Canu, secretário das sessões da Sociedade, homem honesto, natureza franca, não querendo aceitar a responsabilidade do que sabia ser assim, procedeu do mesmo modo, bem como outros espíritos livres, que os imitaram (*).

(*) Nota, sem autoria – “Allan Kardec não era esclarecido de um modo seguro pelo seu critérium e em muitos casos deveria invocá-lo para o ser eficazmente, o que não fez a propósito da Liga de Ensino. Lemos na Revista Espírita suas respostas um pouco autoritárias às propostas que lhe dirigiu Jean Magé, presidente e criador dessa Liga, respostas nas quais ele recusava peremptoriamente ocupar-se com uma “questão cuja utilidade não via”. Toda gente conhece hoje a alta importância dessa liga. Seu critérium deveria tê-lo advertido de que, sob o patronato da Liga de Ensino, se fundaram na França mais de seis mil bibliotecas populares, o que houvera dado milhões de leitores às obras espíritas. Em 1864 o Mestre proferiu o seu “non possumus”. Por efeito de suas idéias preconcebidas, rejeitava os argumentos e as comunicações espíritas que, antes de Darwin, afirmavam a verdade da descendência do homem, bem como a seleção e a evolução das espécies, afastando assim da sua Sociedade os pensadores. Allan Kardec não gostava das manifestações físicas. Com ele aprenderam seus adeptos a lhes ter um santo horror. Pretendia que o corpo de um Espírito não podia ser senão uma aparência fluídica e que a nossa mão nenhuma resistência experimentaria tocando a aparição. O que alhures fosse feito sobre esse assunto interessante, era atirado para a categoria das ballelas yankees. Pode-se ter um critérium universal e não se saber tudo, nem tudo prever”.

Segue o autor: 
O que ele chamava a contraprova universal, corroborada por uma rigorosa lógica, lhe pregava dessas partidas. Não somente estava em desacordo com a ciência moderna, como ainda teria passado por fundas decepções se vivera bastante para ver provado por R. Wallace, Hare, Varley, Crookes, Webert, Zollner etc, que um Espírito, sem ser um agênere, pode tomar um corpo fluídico, concretizado, tangível e no qual se observam a circulação do sangue e todas as aparências da vida; que esse corpo fluídico se desagrega tão depressa quanto se concretiza, exatamente como o fez durante três anos o espírito Kate King, enviado secundário, que desempenhava, no seu dizer, uma dolorosa missão, necessária ao seu adiantamento espiritual.

Allan Kardec, nas suas conversações e nos seus escritos, manifestava a pretensão de acoimar de Docetismo (doutrina errônea, falsa e condenada) tudo o que tendesse a provar que o Cristo teve apenas um corpo fluídico durante a sua permanência na terra. Os Quatro Evangelhos de J. B. Roustaing eram diretamente objetivados por essa apreciação. No jornal “La Vérité”, Philalétes falara de Docetismo. ALLAN KARDEC se apoderou desta expressão para aplicá-la à nossa obra.

Vamos responder a essa pretensão, a essa insinuação que, se não é intencional, prova que o autor do sistema preconcebido não conhecia a doutrina dos Docetas, pois que a considerava semelhante à nossa. A revelação feita pelos Espíritos Superiores, tendo em vista a obra dos Quatro Evangelhos explicados em espírito e verdade, está de conformidade com as modernas descobertas da ciência, com todas as asserções dos investigadores que vimos de citar. Allan Kardec ignorava esse fato ou o conhecia superficialmente, assim como não sabia bem o que era o Docetismo. Esse assunto constitui a maior preocupação da nossa vida. Refutaremos a asserção do sr. Allan Kardec e salientaremos os erros que pululam na correspondência trocada a tal respeito pelos srs. de Mirville e Philalétes (A. Pezzani, do jornal “La Vérité”, Lyon).

Philalétes escrevia ao sr. de Mirville:

“Aqui está um escritor espírita que acolhe, de acordo com Espíritos que pretendem ser os dos Apóstolos, o Docetismo, isto é, a velha opinião segundo a qual o Cristo não desceu em carne e osso a este mundo, não tendo o seu corpo mais do que as aparências de um corpo material. Seguir-se-á daí, devamos dizer como vós, que profetizais no quarto volume da obra que publicastes, o ressurgimento do Docetismo, que os Espíritos, autores daqueles ditados, são demônios? Em tal caso perguntaremos: como esses demônios hão podido escrever, de par com semelhante erro, páginas da mais sublime moral, os mais empolgantes comentários sobre os preceitos evangélicos? Para o triunfo de um ponto de doutrina, quase insignificante, iriam eles expor-se a converter os homens e a inspirar o bem? Ora, como Deus nos julga mais pelos nossos atos do que pelas nossas opiniões de boa fé, claro é que o próprio Satan houvera conquistado almas para o céu. São Espíritos que, imbuídos desta opinião, a qual, ainda em nossos dias, conta alguns raros aderentes, a quiseram sustentar e fazer triunfar, atraindo seus irmãos para o bem, mediante excelentes conselhos morais.”

Segue o autor: 
Este artigo do sr. Philalétes, que se achava sob o império da preocupação, que dominava, de um argumento contra o Demonismo do sr. de Mirville, foi escrito sem que o autor conhecesse o homem a quem designa por estas palavras: “um escritor espírita”. Sem haver até então lido e meditado suficientemente sobre a obra de J.B. Roustaing, Philalétes lhe atribui, bem como aos Apóstolos, o contrário do que estes revelaram. Ele desconhecia o caráter e o alcance dessa revelação. O escritor espírita sabia, muito antes de ter sido eleito para criar os Quatro Evangelhos, que o Docetismo é um erro velho, colocado por Matter à frente de todas as heresias, segundo a linguagem católica. Fora um ato absurdo de incredulidade e de ignorância, elevadas à mais alta potência, aceitar o Docetismo como sendo a Revelação da revelação feita pelos Evangelistas e pelos Apóstolos, à guisa de explicação dos Quatro Evangelhos em espírito e verdade e também da encarnação do Cristo. Matematicamente vamos provar à evidência o que avançamos:

1º – Precisaremos o que constitui o Docetismo, antiga opinião, erro que surgiu no primeiro século da nossa era e que, no segundo, tomou o caráter e as proporções de uma seita, cujo chefe foi Julio Cassiano, erro que se renovou no século VI.

2º – Citaremos as próprias palavras daquele que Philalétes chama – o escritor espírita, palavras que se encontraram no prefácio dos Quatro Evangelhos e igualmente as próprias palavras dos Espíritos que inspiraram e dirigiram essa obra.

Que os espíritas e os partidários de Mirville e de Philalétes não esqueçam que Roustaing era advogado e fora o bastonário da advocacia bordeleza, que tanto brilho deu à advocacia francesa (*).

Nota dos discípulos de Roustaing – “J.B. Roustaing foi um jurisconsulto sábio e profundo, advogado poderoso pela sua dialética e pela atração da sua eloquência. Possuía também, no terreno das coisas humanas e divinas, uma ciência e uma erudição excepcionais, hauridas em trabalhos imensos e em extraordinários estudos. É a esse homem, de coração simples e de espírito humilde, que Allan Kardec acusa, sem dúvida, inconscientemente, de fazer do Cristo um agênere, e, com o sr. Philalétes, de cujas palavras se apropriou, de ressuscitar o Docetismo. Nem um nem outro havia lido Roustaing, ambos eram ignorantes e não culpados, mas espalharam escritos errôneos, o que constitui grande falta”.

Segue o autor: 
O sr. Philalétes (A. Pezanni) devia lembrar-se de que, em 1860, iniciara no Espiritismo o seu colega Roustaing; de que este, com ele, penetrou na babel da ortodoxia cristã e perlustrou a história das suas heresias; de que lhe mostrou o que era o Docetismo, levando-o a percorrer-lhe a trajetória com o auxílio das obras de Santo Inácio, de S. Policarpo, de S.Irinéa, de Eusébio (História Eclesiástica), de Theodoreto, de Clemente de Alexandria, de Beaussobre (História do Manicheismo), de Bergier, de Feller, de Fluquet, de Matter. Ambos compreenderam e reconheceram que o Docetismo era um desses numerosos erros devidos à infância da humanidade do Cristo, humanidade que se agitava dentro dos seus vários idiomas sob a obscuridade e o véu da letra, sob a capa do mistério, sob o prestígio do milagre (*).

(*) Nota dos discípulos de Roustaing – “O sr. Roustaing, nessa época de estudos, anterior à criação dos Quatro Evangelhos, nos chamou a atenção para as palavras dos apóstolos Paulo e João, com referência à encarnação do Cristo e à divindade que lhe conferiu a ortodoxia cristã, palavras essas, umas de atualidade, transitórias, precisas ao reino da letra que se havia de prolongar até os nossos dias, como convinha; outras, visando o futuro. Estas últimas, no reinado do espírito, teriam que servir de base e de elementos à revelação, porvindoura e predita, do Espírito da Verdade, constituindo a sanção prévia dessa revelação. Mais tarde, ele nos ensinava que a Revelação da revelação se tornaria necessária e, quando reunia o que lhe fora dado para a criação dos Quatro Evangelhos, explicava o que era a luz nova, o espírito que vivifica pela destruição de todas as heresias, principalmente das que se achavam em curso quanto à encarnação do Cristo e à divindade que lhe foi atribuída segundo a letra”.

Segue o autor: 
Que é o Docetismo? A fim de bem o compreendermos e determinarmos, vamos pôr em confronto a ortodoxia com a heresia. Para os ortodoxos, como para os docetas, um mundo apenas havia na imensidade da criação universal: a terra; e uma única humanidade: a terrena. Diziam os dois adversários: dadas a presciência e a sabedoria infinitas de Deus, a dupla revelação feita pelo anjo a Maria e depois a José, com condição e meio de progresso humano, deve ser entendida, segundo a letra, deste modo: – A primeira o foi para servir ao reinado da letra, ficando a outra sob o império do espírito. Diante destas palavras do apóstolo Paulo: “Ele era sem pai, sem mãe e sem genealogia”, o Cristo era o meio e o instrumento da inteligência em espírito e em verdade, obedecendo sua encarnação ao curso das leis da natureza (*).

(*) Nota, sem autoria – “Isto compreende hoje, graças às novas revelações acerca da pluralidade e da hierarquia dos mundos, da pluralidade e hierarquia das existências e das leis naturais que a regem; acerca das palavras do Cristo com relação à sua origem, à sua natureza espiritual extra-humana, ao modo por que se operou o seu aparecimento na Terra”.

Segue o autor: 
Segundo os ortodoxos, “Jesus revestiu um corpo carnal no seio de Maria, mas derrogando as leis naturais de procriação e da reprodução em nosso planeta, leis que exigem o concurso dos dois sexos, e isso se deu para que o homem nascesse da mulher por uma encarnação miraculosa, por obra do Espírito Santo, ou do próprio Deus, criador incriado, único eterno e infinito. Em consequência dessa incarnação, o Cristo é filho de Deus, parte destacada, ainda que inseparável, do pai, igual a Ele; homem-deus provindo do corpo da mulher, revestido de um corpo humano material do planeta e mortal, pois que sujeito à morte humana; – Deus, como parte destacada ainda que inseparável de Deus e igual a Ele, ressuscitado pela volta do espírito ao cadáver humano, tal como o do homem do nosso planeta.”

É essa a interpretação literal que os ortodoxos dão a estas palavras do Cristo: “Eu sou Filho de Deus.”

Na opinião dos Docetas, “Jesus não se incarnou no seio de Maria, não podia ter vindo por isso mesmo e não veio a este mundo numa carne qualquer, da qual, em suma, só tinha as aparências; Espírito, ele desceu do céu à terra, sem ter podido revestir, em falta de encarnação humana no seio da mulher virgem, e sem ter de fato revestido corpo algum, sendo que só um corpo humano ele poderia tomar neste mundo, onde, segundo as leis da geração, o homem não nasce senão pelo concurso dos dois sexos. Jesus Cristo espírito, com um corpo fantástico, fictício, que da carne só tinha as aparências, descera assim à terra com a aparência de corporeidade humana, de uma corporeidade qualquer”.

Não se tratava, nessa crença dos Docetas, mais do que de uma luta, no terreno da letra, com os ortodoxos.

A chave da explicação, em espírito e em verdade, segundo o curso das leis da natureza, da encarnação especial do Cristo, faltava aos Docetas como aos ortodoxos. Longos séculos haviam de escoar-se antes que o homem se tornasse capaz de receber e compreender a revelação da revelação, que lhe vem ensinar:

1º – Que o puro Espírito não pode aparecer em um mundo fluídico, imediatamente inferior às regiões dos fluidos puros que ele habita, senão por encarnação ou incorporação fluídica voluntária.

2º – Que não pode descer ao planeta, superior ou inferior, que o tem por Messias, senão assimilando esse corpo fluídico às regiões que haja de percorrer através das camadas de ar e de mundos intermediários, assimilando-o depois aos fluidos ambientes que servem para a formação do homem planetário.

3º – Que esse puro Espírito não pode aparecer num planeta senão seguindo o curso das leis naturais, pela ação espírita e magnética.

4º – Que, com o auxílio da influência magneto-espírita, a concepção, a gravidez, o parto podem ser imitados. A ação fluídica dá lugar a este notável fenômeno, de maneira a produzir a ilusão completa na mulher virgem e em todos os que o testemunham.

5º – Que essa ação é útil, oportuna, necessária para o aparecimento de um Messias.

Estabelecido precisamente em que consiste o Docetismo, aceitá-lo fora de nossa parte é dar guarida a uma absurdidade, praticar um ato de ignorância e de credulidade elevadas à mais alta potência. Citaremos textualmente o que dizem os Espíritos que inspiram os Quatro Evangelhos, obra unida até hoje.

2ª PARTE

Disponham-se os nossos leitores a seguir com atenção constante tudo o que dizemos em nome dos Espíritos reveladores. Nestas explicações está a chave de todos os fenômenos apresentados ao sábios do mundo inteiro para fazê-los refletir sobre o fato de que a vida não provém unicamente do jogo das moléculas materiais reunidas para esse fim, de que só o elemento espiritual domina e opera esse jogo, de que só esse elemento modela à vontade as moléculas, por processos que somos chamados a conhecer.

Aí reside, parece-nos, a solução do mais importante problema da nossa época. Por efeito de meditações sobre a incarnação do Cristo e da leitura do Antigo e do Novo Testamentos, reconhecemos que o que se nos dava, o que se nos revelava em espírito era o que havia de ser provado materialmente pela ciência. Consequentemente, “compreendemos como nunca – diante da pluralidade e da hierarquia dos mundos, da pluralidade e da hierarquia das existências – que a incarnação é ainda, em nosso planeta, de uma inferioridade moral notória, de uma inferioridade intelectual restrita relativamente às leis naturais a que está sujeito este globo em seus diversos reinos.

“Grande é a ignorância do homem quanto às leis que regem os mundos e as humanidades superiores e estabelecem a unidade e a solidariedade no conjunto; porém, ainda o é mais quanto aos meios de adaptação das leis de um planeta superior a um planeta inferior, quando um Messias, enviado de Deus em alta missão, reveste um corpo harmônico com a sua natureza espiritual e em relativa harmonia com uma esfera inferior qual a Terra, para aí se manifestar entre as criaturas, indicar-lhes o caminhos da regeneração, trazer-lhes a luz e a verdade, veladas e destinadas a serem desvendadas, conforme ao tempo e as necessidades de cada época, de cada era”. A Revelação da Revelação explica quem é o filho, dando a conhecer a origem e a natureza espiritual de Jesus, sua verdadeira genealogia e, incidentemente, a origem da alma, do Espírito, suas fases, suas trajetórias, seus fins e seus destinos no infinito e na eternidade.

Depois de caracterizarem a doutrina cristã, tal como se formou da dupla revelação feita a Maria e a José, os Quatro Evangelhos traçam o quadro sumário dos erros das interpretações humanas quanto à encarnação do Cristo, colocando entre esses erros e apreciando sucintamente o que Philalétes chamou de Docetismo, assinalando ao mesmo tempo, no passado, desde mais de dois mil anos, e no presente, a incapacidade da inteligência e da razão humanas para, no exercício do livre exame diante da ortodoxia cristã, substituir a letra pelo espírito, isto é, explicar e fazer compreender aos homens, em espírito e verdade, essa encarnação do Cristo, conformemente às leis da natureza; e traçam também o quadro de uma nova revelação, de uma Revelação da Revelação.

Jesus Cristo não foi um homem carnal, revestido de um corpo material humano, igual ao do homem do nosso planeta, pelas razões seguintes:

1ª – Esse corpo material não se pode formar, seguindo as leis naturais e imutáveis que regem a procriação, na Terra, senão pelo concurso dos dois sexos;

2ª – A vontade inflexível de Deus jamais derroga as leis da natureza, imutáveis como essa mesma vontade, da qual elas emanam desde toda a eternidade;

3ª – A revelação feita pelo anjo, um Espírito superior, enviado de Deus, a Maria, depois a José, não pode e não deve ser recusada, por compreensível segundo a letra; deve ser explicada e compreendida em espírito e em verdade, segundo as leis naturais que regem os mundos superiores, tendo-se em vista suas aplicações e adaptações à esfera que habitamos;

4ª – O corpo que Jesus tomou, a fim de aparecer entre os homens e desempenhar a sua missão terrena, não foi fruto da concepção humana; formou-se por uma operação estranha à geração do homem e sem o concurso dos dois sexos, por uma operação extra-humana, revestida, pela necessidade dos tempos, pelo estado das inteligências, pelas exigências dos preconceitos e tradições, da capa do mistério, envolta no véu da letra, uma e outro encobrindo e ocultando o sentido das palavras, do anjo. Esse fato se destinava a atender ao presente e a preparar para o futuro, trazendo consigo, pelo espírito, a base e os elementos da revelação porvindora do Espírito da Verdade;

5ª – O que de Maria nasceu se formou por obra do Espírito Santo. Consequentemente, a concepção em Maria, virgem, assim como sua gravidez e seu parto não podiam ser e não foram reais, pois que, se reais tivessem sido, estaríamos em presença de um fato contrário às leis naturais que presidem a geração dos corpos no seio da humanidade terrena;

6ª – Desde então, forçosamente, a concepção, a gravidez e o parto da virgem foram apenas aparentes, por um fenômeno espírita, que se produziu inteiramente de acordo com as leis da natureza.

Jesus Cristo não foi um homem carnal, revestido de um corpo material humano, qual o do homem terreno, sujeito como este à morte. Não, ele não morreu efetivamente no Golgotha, nem ressuscitou no sentido que damos a esta palavra, isto é, pela volta do Espírito a um cadáver humano, por isso que a vontade imutável de Deus nunca derroga as leis imutáveis que regulam a vida e a morte do homem planetário, leis que não permitem que o Espírito tenha entrada num cadáver, que se una à podridão e lhe restitua a vida.

A Revelação da revelação dá a conhecer aos homens quem é, em espírito e em verdade, o Espírito Santo, qual a operação que, por ele realizada, produziu, segundo as leis imutáveis da natureza, a concepção, a gravidez e o parto da Virgem Maria, quais a natureza e o caráter dessa operação. Ela mostra que por Espírito Santo se deve entender as legiões dos Espíritos do Senhor, na ordem hierárquica em que se agrupam, órgãos de suas inspirações, ministros ou executores de suas vontades.

Os Espíritos provam que a concepção, gravidez e o parto de Maria foram só aparentes; que para aquela concepção em nada concorreu a ação humana; que ela foi meramente obra dos Espíritos do Senhor, obra puramente espírita. E assim deve ser, porquanto as materializações de Espíritos se produzem indiferentemente, tanto com um médium mulher, como com a mediunidade de um homem. No caso de Katie King, tão claramente explicado por W. Crookes, fora necessário, em falando como ortodoxos católicos, que, durante três anos, se verificasse, todos os dias, na médium Miss Cook, gravidez e parto.

Ora, sem esse médium, não havia aparição de Katie King.

A completa prostração do corpo do médium, o estado de transe em que caía (essa é a designação que os anglos-americanos dão ao fenômeno, sendo para nós a magnetização espiritual operada pelos Espíritos que produz a prostração), permitiam que a força física se concretizasse quase imediatamente na forma feminina. A loira Katie era realmente engendrada pela morena Miss Cook, não obstante esta ser virgem e ter a idade de quinze anos. Os sábios já muitas vezes hão comprovado que os médiuns de ambos os sexos, aptos à produção dessa ordem tão interessante de manifestações espíritas, perdem uma parte de seu peso, não raro a metade e algumas vezes mesmo dois terços, e que essa perda de peso se vai acentuando à medida que o Espírito se afasta do médium.

No dizer dos Espíritos que assim se materializam, eles assimilam os fluidos do meio ambiente em que aparecem, fornecendo-lhes as coisas e as pessoas presentes, um contingente de moléculas, consequentemente de forças. Este modo de proceder dos Espíritos constitui uma forma de agregação molecular diversa da que nos é conhecida e familiar, mas que necessariamente se opera sob a impulsão da mesma lei criadora, da mesma força física (*) ou espírita. “Nós não conhecemos tudo”.

(*) Nota, sem autoria – “Força física é a designação dada à força que produz todos os fenômenos do moderno Espiritualismo. Os sábios que inventaram e empregam esta expressão não podiam, a priori, declarar que a existência dos Espíritos era um fato. Procuraram por isso abrigar-se à sombra da força física, espécie de força espiritual indeterminada. A linguagem acadêmica usa sempre uma palavra nova quando se refere a uma novidade submetida à investigação científica”.

Segue o autor:
É esta uma proposição, cujo acerto, com o auxílio dos fatos, os princípios científicos nos provam a todos os instantes. Foi o que J. B. Roustaing determinou com precisão, mediante a Revelação da Revelação, que seus adversários consideraram e chamaram uma hipótese espiritualista. Estava ele com a verdade? O que fica dito bem o prova.

O Cristo, o Messias, espírito mais adiantado, hierarquicamente mais elevado do que os enviados primários, se serviu da faculdade mediúnica da Virgem Maria (e sabemos que não era preciso fosse ela virgem a fim de que aquela materialização tivesse sua razão de ser), para, fluidicamente, simular nela a gravidez, respeitando assim os preconceitos da nação judaica, quando pudera nascer intantâneamente dela, sem empregar esse meio que aprendemos a considerar como inútil em certos casos.

Jesus, que dispunha, para formar os órgãos materiais de que necessitava, de um poder de assimilação fluídica infinitamente maior do que a dos enviados secundários, teve que viver na Terra por tempo indeterminado, com ou sem intermitências. Pode assim viver, aparecer e desaparecer, exatamente como fazem os Espíritos que se materializam, do que obtiveram provas os pesquisadores positivistas da Sociedade Real de Londres e os membros da Sociedade dialética da mesma cidade.

A Sociedade Real é em Londres o que a Academia das Ciências é em Paris. A Revelação da Revelação explica também por que necessidade, por que motivo e com que fim as coisas se passaram desse modo, conforme a presciência e a sabedoria infinita de Deus. Respondendo a estas palavras de Peyraqt (Histoire Élementaire et critique e Jesus): “Para S. Paulo, Jesus é um ser misterioso, sem pai, sem mãe, sem genealogia e que se mostra como a incarnação de uma divindade para cumprir um grande sacrifício expiatório. Mas, como se operou essa incarnação, de que instrumentos se utilizou a divindade? – S. Paulo nada diz a tal respeito”, disseram os reveladores:

“Jesus, Espírito puro, Espírito de pureza perfeita e imaculada, fundador, protetor e governador da terra, não podia e não devia (*), segundo as leis imutáveis da natureza, revestir o corpo material do homem do vosso planeta, corpo de lama, incompatível com a sua natureza espiritual. Entretanto, para aparecer na terra e desempenhar a sua missão terrena, era-lhe necessário revestir um corpo de harmonia com a sua natureza espiritual e relativamente harmônico com a vossa esfera, de modo a produzir a ilusão aos olhos dos homens. Estes, vendo nele um de seus semelhantes, haviam de ser por ele atraídos em virtude dessa conformidade.

(*) Nota, sem autoria – “Ver para explicação e desenvolvimentos: Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas reunidos, nºs 14, 31 e 67”.

Segue o autor: 
Era preciso que os corações fossem tocados pelas suas palavras, pelos seus ensinamentos e exemplos e que sua vida pura e sem mácula, toda de devotamento, de caridade e de amor, mostrasse aos homens seu altíssimo valor e os levassem a amá-lo, admirá-lo e segui-lo. Observando-lhes os atos, inconfundíveis com os dos outros homens, haviam de sentir-se tomados de espanto e forçado a reconhecer que ele era um enviado de Deus, que o que ensinava vinha de Deus.

“Nenhuma comparação se pode estabelecer entre o corpo perispirítico de Jesus e o do Espírito superior, para decidir se aquele era mais material do que este. Maior ainda é a diferença entre o corpo de Jesus e os vossos corpos de lama, porquanto o dele participava em larga escala do corpo do homem nos mundos superiores, pois que o compunham os mesmos elementos, mas modificado, solidificado, com o auxílio dos fluidos humanos animalizados, destinados a mantê-lo, conforme a vontade do mesmo Jesus. De acordo com as necessidades da sua missão terrena, esse corpo vos era visível e tangível, com todas as humanas aparências corporais do vosso planeta.

O que o homem considera uma derrogação das leis imutáveis não chega sequer a ser uma deslocação das leis universais; é uma aplicação dessas leis. Não se deve supor impossível a produção, em vosso planeta, de efeitos semelhantes aos que se verificam nos mundos superiores, no sentido de que tais efeitos, tendo os mesmos princípios, são entretanto modificados relativamente à esfera em que se produzem. “Certo, as incarnações fluídicas, idênticas às que se operam em mundos como Júpiter e tantos outros planetas superiores, mais ou menos elevados, seriam um deslocamento das leis estabelecidas. Nada, porém, derroga essas leis. Entretanto, semelhante incarnação, modificada pela aplicação dos fluidos terrenos, se torna uma aproximação, um laço entre os dois graus da escala (como já foi dito) pela assimilação sucessiva do corpo fluídico “às regiões que ele percorre” através das camadas de ar e de mundos intermediários. É uma apropriação e não uma derrogação.

“Entramos nestas minudências com o fim de desfazer todos os escrúpulos, de afastar todas as idéias preconcebidas. Não nos merece, porém, censura a desconfiança que hão de inspirar estas palavras ainda não ouvidas pelos homens. Desejamos tranquilizar aqueles a quem elas inquietam”.

O corpo de que vínhamos falando haure os meios de vida e de nutrição, como o perispírito de cuja natureza ele participa, nos fluidos ambientes que lhe são apropriados e necessários, fluidos que assimila e que bastam à manutenção de seus princípios constitutivos (*).

(*) Nota, sem autoria – “Em Charmes (França) existe uma moça, com quem já a Revue Spirite se ocupou, que vive sem comer nem beber há mais de dez anos. Não obstante, trabalha com certa morosidade, mas continuamente. Os doutores parisienses a tiveram por muito tempo em suas enfermarias, no hospital, vigiada dia e noite, e durante um ano ela não ingeriu o que quer que fosse. De que vivia? Onde hauria a alimentação para o sangue? Não está aí a explicação procurada? Jesus, como a moça de Charmes, não podia encontrar, melhor do que ela, no meio ambiente, os fluidos necessários à sua natureza toda especial?”.

A resposta dos reveladores a esta questão:

“Como se operava o desaparecimento de Jesus quando o supunham orando no deserto ou no monte e seu reaparecimento entre os homens?”. Explica as maneiras e meios pelos quais Jesus, Espírito puro, não sujeito a incarnação ou incorporação em planeta algum, se libertava à vontade do corpo que voluntariamente formaria e o retomava, para só abandoná-lo definitivamente, finda a sua missão terrena, produzindo o fenômeno a que se deu o nome de “ascensão”.

“Por ocasião da sua morte aos olhos dos homens, deixou ele na cruz o envoltório material. Tendo sido suspensa a vida orgânica, o corpo fluídico, tangível, de que usava, conservou todas as aparências da morte do homem do nosso planeta, constituindo uma realidade sui generis em virtude da incarnação especial de que temos tratado. Os Quatro Evangelhos referem também que o corpo do Cristo desapareceu do sepulcro, estando este selado e sob a guarda de soldados romanos, e falam do seu reaparecimento – “a ressurreição” e das aparições às mulheres e aos discípulos. Para fazer que o corpo desaparecesse do sepulcro, Jesus o chamou a si no espaço, privando-o da tangibilidade, mas conservando-lhe os princípios constitutivos prontos a se reunirem quando ele o quisesse.

Para reaparecer, dando lugar ao que se chamou a sua “ressurreição”, retomou o aludido corpo, que, aos olhos dos homens, representava a sua vida, vida que, como ele próprio o proclamara, lhe era dado tomar e deixar à vontade. A esse corpo imprimiu, para as diversas aparições que se verificaram, com ou sem tangibilidade, conforme as circunstâncias ou as necessidades da sua missão terrena, as aparências precisas para servir ao presente e preparar o futuro (*).

(*) Nota, sem autoria  “Este fenômeno é em tudo semelhante ao que foi descrito por Willian Crookes do aparecimento tangível de Katie King, do seu desaparecimento pela desagregação quase instantânea do corpo com que se apresentava e no qual circulava exuberante vida. Este fato, verificado por verdadeiros sábios, prova que os adversários do sr. Roustaing o condenaram a priori e que com mais acerto teriam procedido se houvessem guardado um prudente silêncio. O critérium infalível e pessoal não pudera prever tudo. Esse o seu defeito capital”.

Jesus abandonou definitivamente o seu corpo fluídico quando se realizou a sua chamada ascensão, “restituindo às regiões, onde os tomara, os fluidos que eram os elementos e os princípios constitutivos desse mesmo corpo, apto a uma longa tangibilidade. Assim, as partes que o compunham se separaram completamente e voltaram ao meio que as atraía. Os fluidos tirados das esferas superiores para lá volveram e os que foram tomados à nossa atmosfera nela se reintegraram novamente”.

Os espíritas puseram em curso a seguinte hipótese: o corpo de Jesus era um corpo terrestre qual os nossos e, como tal, produzido pelo concurso dos dois sexos; os anjos ou Espíritos superiores, tornando-o invisível, podiam subtraí-lo e o subtraíram do sepulcro no momento preciso em que, despedaçados os selos que lhe tinham sido apostos, a pedra que o fechava fora atirada para o lado. Foi-lhe respondido que esta teoria, a priori, é inadmissível e falsa diante da revelação do anjo a Maria e José. Semelhante revelação seria então mentirosa, o que se não pode admitir, tendo sido feita por um enviado de Deus. Ela deve ser interpretada, explicada, segundo o espírito que vivifica, em espírito e em verdade, conformemente ao curso das leis da natureza, e não rejeitada (*).

(*) Nota, sem autoria – “Ver: 3º vol. nº 289; 1º vol. nºs 14, 31, 47, 55, 56, 61 a 67; 4º vol. nº 1”.

Revestindo um corpo apropriado a certos mundos elevados, Jesus tomava uma carne verdadeira mas relativa, pois, como disse o apóstolo Paulo (1ª Epístola aos Coríntios, versículos 39, 40, 41, 44, 45, 47), proferindo palavras cujo sentido exato ele próprio não compreendia, palavras ditas para o futuro, sob o ponto de vista da aplicação que haviam de ter nos tempos vindouros e afastados da nova revelação: “toda carne não é a mesma carne”. Assim como “uma é a carne dos homens, outra a dos quadrúpedes, outra a dos pássaros, outra a dos peixes, assim também outra é a carne dos homens de certos mundos elevados”. “Assim como há corpos terrestres, também há corpos celestes” (*).

(*) Nota, sem autoria – “Philalétes, filósofo de primeira ordem, imbuído de idéias teológicas, fruto de seus estudos, não podendo acreditar nessa operação tão rápida da formação e desagregação de um corpo fluídico, pronunciou a palavra Docetismo, a qual foi vivamente adotada por Allan Kardec, que até então só falara de Agênere. Os leitores deste último, englobando as duas qualificações errôneas, disseram: “nesse caso, os sofrimentos de Maria, bem como os do Cristo, foram mentirosos”. A esses espíritas era necessário um Jesus sangrento, choroso, gemebundo, andrajoso e ofegante. Há dois mil anos o populacho e os crentes tudo sacrificam para gozar desse espetáculo fictício e legendário, mas que para uns e outros é real. O Cristo, natureza superior, não podia sofrer segundo o nosso modo de entender material e terra a terra, eis o que, daqui por diante, deveremos aceitar como verdade”.

A nossa obra se destina a criar a base e os fundamentos da igreja una e universal do Cristo para a era nova. Ela indica os modos e os meios da sua edificação, projetando um novo raio de luz sobre o conhecimento do Pai, do Deus criador, incriado, imutável, único eterno, infinito, e do Filho, conhecimento esse dado aos homens em verdade, de maneira precisa.

Por falta de leituras sérias e de meditações sobre os Quatro Evangelhos, a sua importância tem sido desconhecida e muitos os fazem dizer o contrário do que encerram. Essa obra não contém apenas, como dizia Philalétes, “páginas da mais sublime moral e os mais empolgantes comentários dos preceitos evangélicos”. Ela compreende os quatro Evangelhos e o texto dos Mandamentos, explicando uns e outros em espírito e verdade, o que permite corrigir todos os erros das interpretações humanas até hoje havidas, erros que estiveram sempre em relação com o estado das inteligências nos tempos precursores da era nova.

Os Quatro Evangelhos põem a descoberto o que estava oculto, dão a conhecer o que era secreto, mal compreendido e inexplicado sob o véu da letra tanto ao Pai, quanto ao Cristo, quanto à sua origem, natureza espiritual e personalidade, misteriosa até aos nossos dias, quanto à sua missão espiritual e à sua missão terrena.

A Revelação da Revelação dá também uma noção mais exata do Espírito Santo, da origem da alma, de suas fases, de seus caminhos e fins, de seus destinos no infinito e na eternidade. Explica as predições e as promessas do Mestre a respeito daquilo a que se chama o fim do mundo, os processos e meios de que ele se serve para a depuração e a transformação física do nosso planeta e a transformação física e moral da nossa humanidade. Precedemos e preparamos o novo advento do Messias, que virá sancionar a verdade e mostrá-la sem véus.

Esta obra oferece aos homens atuais o que eles podem receber e suportar na medida das forças que já adquiriram e que ainda adquirirão. É o primeiro plano da obra do Espírito da Verdade, preparatória da era nova, cujo início ela marca com o auxílio das revelações ainda desconhecidas da maior parte dos encarnados.

Sim, é a fase teológica que se abre, a fim de preparar, pela vinda de futuros missionários, instrumentos e órgãos do Espírito da Verdade, a desejada fusão das seitas religiosas diversas: Catolicismo, Protestantismo, Budismo, Judaísmo, Brahmanismo, Maometismo, religião dos selvagens e das tribos.

Oferecemos as primícias da igreja una e indivisível do Cristo.

O porvir dirá se a Revelação da Revelação era ou não uma bela e boa obra.

A propósito deste livro muitas contradições aparecerão, mas estamos certos de que, quando a questão religiosa for posta na ordem do dia em nossa terra, o que ele contém triunfará da luta e as verdades por ele enunciadas e proclamadas permanecerão de pés sobre essa nova Babel que vai surgir.

Em meio das controvérsias humanas, elas hão de auxiliar a destruição dos erros e dos sofismas de que temos sido escravos desde a era cristã.

Assina  Jean Baptiste Roustaing

Conclusão

Temo-lo dito: o Espiritismo só do livre exame pode tirar uma força real; ele é o inimigo natural das idéias preconcebidas, da prepotência, dos sistemas preestabelecidos e da infalibilidade. O Espiritismo pede a seus adeptos que, em vez de sapatearem no mesmo lugar e fazerem parte de uma igreja enfeixada nas mãos de um só homem, se instruam acerca de todas as coisas, se desejam ser conscientes. Ele quer que cada um saiba enfrentar qualquer idéia nova que pretenda conter em si uma verdade e assimile, se o merecer, depois de uma verificação severa e impessoal.

Porque se tenha repetido à saciedade estas palavras: “O Espiritismo é a religião do futuro; dentro de cinquenta anos terá conquistado o mundo”, segue-se que devamos girar sempre no mesmo círculo, deixar de estudar com ardor, crentes de que a filosofia espírita possa implantar-se, sem esforços, em todas as consciências? Fora um erro extraordinário. O futuro pertencerá aos perseverantes, aos mais trabalhadores, aos mais instruídos, aos mais moralizados, aos que melhor tiverem compreendido os deveres que lhes decorrem da responsabilidade e da solidariedade com todos os seus irmãos.

Há entre nós boas criaturas, mas Espíritos pouco consistentes, que timbram em desdenhar das pesquisas feitas pelos espiritualistas do mundo inteiro e que se julgam poços de ciência, missionários privilegiados, pelo fato de terem lido superficialmente as obras de Allan Kardec. A esses recomendamos o estudos das línguas alemã e inglesa. Se seguissem este conselho, adquiririam a certeza de que os espiritualistas alemães e ingleses, tão desdenhados, criam obras de alto merecimento, que rasgam horizontes novos à escola de Allan Kardec. Sobre tais obras devemos meditar e procurar perceber-lhes a alma, se não quisermos ficar constituindo, na França, uma igrejinha com seus corrilhos, entregue às lutas liliputianas que, já em 1865, se estabeleceram entre Allan Kardec e os espíritas bordeleses e lioneses. Nessa época, em que Allan Kardec intentava erigir o seu sistema de verificação universal, havia cismas e cismas há atualmente. É a lei do livre arbítrio e ninguém tem o poder de impedir que os cismas se produzam.

O moderno Espiritismo continua a sua evolução lenta e segura. Os meios postos em prática para o destruir não fizeram senão ativar a sua propagação. Qual árvore vigorosa, sua exuberante ramagem exige outras raízes e outros galhos para espalhar por toda a parte flores e frutos. As boas criaturas de quem acima falamos, servos de letra, inutilmente se esforçariam por lhe cortar os rebentos. Ninguém pode ignorar que seja hábil e prudente seguir e estudar as leis naturais, não lutar em vão contra elas.

A lei sobrevive ao homem, simples viajante nesta existência.

Ademais, a diversidade dos pensamentos e das coisas não cria a harmonia universal?

O progresso considerou esta diversidade, enviada divina, como sendo o grande fator de toda ascensão para o conhecimento mais íntimo de Deus. O Espiritismo que pretenda nivelar todas as inteligências e ligá-las ao mesmo dogma é um Espiritismo de fantasia. A instituição primordial, que acompanha o homem através das suas sucessivas existências, o impele irresistivelmente para o caminho natural, o da liberdade da consciência, que no passado, sempre se procurou encadear e, no presente, se tenta entravar, em nome de todas as infalibilidades. Os impulsos da natureza e a vontade divina não permitem essa fantasia de marcar passo, pois que o movimento constitui a regra absoluta.

Preciso é, portanto, caminhar, aceitar tudo o que seja ensinado pelos métodos racionais de investigação, venha o ensino da América, ou da Europa, ou de um devotado como J. B. Roustaing, embora contrariando as idéias já assimiladas. A presente renovação religiosa exige as mais amplas bases. Busquemos tudo que seja prático e esteja maduramente estudado, tudo o que, em outras circunstâncias, tenha sido experimentado. Se as aparições tangíveis de Espíritos são reais e estão suficientemente provadas pelos Hare, Wallace, W. Crookes, etc., será inútil lançarem anátemas sobre Roustaing e balbuciarem as palavras Agênere e Docetismo.

Não imitemos os meninos que se ocupam em cavar um buraco na areia, pretendendo encaminhar para aí o ribeiro que continuará o seu curso. O movimento é a vida. A intolerância já fez sua época. Devemos aceitar a verdade, surja de onde surgir.

Os Quatro Evangelhos vêm abrir uma fase nova ao moderno Espiritismo. (Não esqueçais que se trata de abrir e não de encerrar, pois cumpre que obra receba a cooperação de outros). Toca-vos o encargo de os comentar, de separar o joio do trigo, jamais adotando um credo imutável. “Um credo, diz Michelet, se torna uma barreira intransponível, se formulado pela infalibilidade. Tem então vida relativamente curta e não é comumente aceito senão por uma categoria de indivíduos votados à morte, enquanto que a humanidade avança e o perde de vista.” Não nos criemos semelhantes barreiras, ó espíritas, irmãos nossos; caminhemos para diante como homens livres.

Perscrutemos o belo domínio que nossos guias nos legaram, domínio infinito, que não conhece altura, nem largura, nem profundidade, que não tem limite algum. Deixemo-nos de momices e de superstições, procuremos a instrução, a educação, a tolerância, baseadas no amor à verdade e ao bem. Corre-nos, definitivamente, o dever de criarmos o livre pensamento espiritualista, que colocará a liberdade de consciência do materialista no seu limitado campo, liberdade que, do contrário, acabaria por nos mumificar a consciência e a razão, como pretendeu o catolicismo mariolatra e intolerante dos papas-reis.

Reunam-se, formando um feixe, todos os Espíritos generosos que pensam no seu futuro moral. Unidos, seremos uma força ativa orientada para este objetivo: a libertação intelectual e moral de todos os nossos irmãos. Era este o desejo de Allan Kardec, foi o de J. B. Roustaing e é o de todos os Espíritos elevados. Que esse seja o nosso objetivo e que possamos atingi-lo, combatendo por tudo quanto for caro e sagrado, segundo o “pro aris et focis” dos Latinos.

Duas notas:

1º – Repetimos, para que ninguém se equivoque no tocante às nossas intenções: estas páginas Roustaing não as escreveu com o intuito de diminuir o valor de Allan Kardec, homem eminente, ao qual votava veneração e estima, mal grado as injustiças que dele recebera, e a quem sempre considerou como o verdadeiro fundador da Doutrina Espírita. Os discípulos de J. B. Roustaing, como ele, votam profundo respeito a esse grande trabalhador e, editando esta memória de além túmulo, obedecem às indicações precisas daquele que, acima de tudo, amava a verdade, luz das consciências retas.

2º – Os espíritas não se acham ao nível dos conhecimentos adquiridos pelo moderno espiritualismo. Na sua maioria, obedecem cegamente aos conselhos de seus guias familiares e nem sequer hão lido as obras de Allan Kardec e as de outros Espíritos eminentes.

Não devem ignorar que, vai para 2.000 anos, lutamos contra essa mãe de todas as superstições – a fé absoluta e sem exame, fé que o Espiritismo vem combater e destruir, com o auxílio da razão e da ciência das coisas ensinadas por nossos guias e confirmadas pelo consenso universal. O espírita é um livre pensador. Se o quiser ser na realidade e tornar-se um verdadeiro educador, deve estudar sem descanso, a fim de bem se conhecer a si mesmo; acompanhar atentamente a ciência moderna em todas as suas evoluções. Este o meio mais racional e mais acertado, ao seu alcance, de desempenhar o papel de moralizador.

O movimento é a lei inelutável do progresso. Ficar estacionário é voltar-se ao esquecimento e não deixar de si o mais ligeiro traço. A tradição mais bela e generosa é a que nos legaram os grandes missionários da humanidade, sacrificando suas vidas. Ela constitui sempre em nos ensinar de onde viemos, o que somos, quais os nossos destinos. O Espiritismo mantém essa tradição, que envolve o presente, o passado e o futuro. Não o esqueçamos e saibamos revivê-la constituindo-nos homens de ação (*).

(*) Nota, sem autoria – “Extraído do volume intitulado: Os Quatro Evangelhos de J. B. Roustaing. Resposta a seus críticos e a seus adversários, editada pelos discípulos de J. B. Roustaing. À venda no livreiro Feret, passagem da Intendência, 15, Bordeaux, e na Livraria das Sciencias Psychologicas, 5, rua des Petist-Champs, Paris, 1882”.

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