Bismael B. Moraes (*)
“Se tivessem os legisladores promulgado tantas leis para recompensar as boas ações quantas promulgaram para castigar os crimes, o número de virtuosos teria aumentado mais pela atração da recompensa do que o número dos perversos tem diminuído pelo medo do castigo”.
(Luis XVI, Rei da França, 1754 – 1793)
SUMÁRIO: 1. Introdução ao tema; 2. Alguns pensadores e o conhecimento;3. Cesare Lombroso e Jean Charon; 4- Ensino da Doutrina Espírita; 5. Finalidade da Reencarnação; 6. Beccaria na Visão Espírita; 7. Discussão da Pena Capital e os Filões Rentáveis; 8. Observações de um Professor Cubano; 9. Razões Contra a Pena de Morte.
1. INTRODUÇÃO AO TEMA
Quanto mais as notícias sobre a violência e o crime aumentam – e, com elas, o medo -, há também, na busca por saídas para a paz social, aqueles que pensam imediatamente na exacerbação das penas e até na pena capital, para “combater os criminosos frios e violentos”. Como a Doutrina Espírita analisa este problema? Vejamos.
O senso crítico é próprio dos seres que pensam. Qualidade do ser humano. Por outro lado, há uma assertiva do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, no que tange à verdade, mostrando que esta passa sempre por três estágios: no primeiro, ela é ridicularizada; num segundo momento, é veementemente antagonizada, e, por fim, acaba sendo aceita.
Registra a história que, durante a Idade Média, muitos pensadores foram excomungados pela Igreja e, com o aval ou o silêncio do monarca, condenados à morte. Qualquer avanço da ciência, que pusesse em xeque o ensinamento eclesiástico, era tido como obra do demônio e classificado como heresia. Basta um exemplo: Galileu Galilei, condenado como herege por defender o heliocentrismo de Nicolau Copérnico, e que não se coadunava com o pensamento ensinado pela Religião Católica, contrária ao movimento da Terra em torno do Sol, somente agora, em 1992, com os pedidos de escusas pelo Papa João Paulo II, foi reabilitado da injustiça que, em 1663, lhe impôs a Inquisição. Imagine-se o risco de pensar e expor, àquela época, que a Terra era redonda!
Aliás, não foi apenas a reabilitação de cientistas: a Igreja Católica, ainda na Idade Média, aprovou que Joana D`Arc fosse queimada como feiticeira (em 30 de maio de 1431), porque esta dissera ter “ouvido vozes do céu” e foi logo associada ao diabo; porém, séculos depois (por decreto da Igreja, em 18 de abril de 1909), foi canonizada como Santa, saindo do inferno, para onde fora despachada, e sendo conduzida para o céu!
O preconceito, a ignorância, o interesse, a vaidade, a hipocrisia, tudo, enfim, é entrave ao progresso da humanidade. É por isso que as próprias Religiões ainda se digladiam, execrando umas às outras, sob alegação de que o fazem em nome de Deus, porque a verdade está do seu lado ou lhes pertence. Assim procedendo, envolvem as pessoas simples, que aceitam tudo sem raciocinar, sendo também convenientes aos comodistas, que não querem pensar –e, se pudessem, até comprariam um lugar cativo “no céu”!
2. ALGUNS PENSADORES E O CONHECIMENTO
O Espiritismo é a Doutrina da fé raciocinada, porque pede que cada pessoa – espírito encarnado -, diante de qualquer informação ou dúvida, reflita ou pergunte à sua própria consciência, somente aceitando como verossímil aquilo que a razão não desmentir.
Henri Bergson, filósofo francês, afirmou: “Materialistas constitucionais, estamos acostumados a lidar com matéria e mecanismos; e, a não ser que olhemos para dentro de nós, tudo figuraremos como máquinas materiais”.
Herbert Spencer, filósofo inglês, reconheceu: “Somos obrigados a confessar que a vida, em sua essência, não pode ser concebida apenas em termos físico-químicos”.
Jiddu Krishnamurti, filósofo indiano, alerta: “O homem ignorante não é o homem sem instrução; é aquele que não conhece a si próprio”.
Sócrates, filósofo grego, de modo sucinto, ensinou: “Conhece-te a ti mesmo…, e conhecerás o Universo de Deus”.
Se o intelecto e a moral caminhassem no mesmo patamar, não seriam necessárias as leis dos homens ou as leis do Estado; bastariam as Leis Morais, ou as Leis de Deus, ou as Leis da Natureza. Mas, a propósito, é bom que se repita: a filosofia já reconheceu que nenhuma lei humana será perfeita, se não for baseada nas Leis da Natureza, porque só estas são perfeitas e imutáveis, sendo, portanto, essenciais à felicidade do ser humano. Assim, só alcançaremos o progresso moral, quando, olhando para dentro de nós e refletindo sobre a nossa pequenez e o quanto somos presunçosos, tivermos a humildade de buscar nas Leis de Deus a inspiração para as nossas leis. Do contrário, não poderemos nos colocar como cristãos ou religiosos e – muito menos – dizer que amamos a Deus (causa primária de todas as coisas, inteligência suprema).
Em tudo isso, os seres humanos jamais devem esquecer que as bases biológicas são materiais ou físicas, mas as bases lógicas são espirituais ou racionais. Se a razão deve prevalecer sobre o instinto, o Espírito deve prevalecer sobre a matéria. Ou não há motivo de nos orgulharmos como seres pensantes!
O princípio cartesiano (do filósofo Descartes) – “Cogito; ergo sum”: “penso; logo, existo”, é uma verdade de que não se duvida, sob pena de o ser humano não poder vangloriar-se como ser dotado de razão, em oposição aos irracionais! Por isso, devemos evitar, quando tratando de assunto sério – como é a Doutrina Espírita -, expressões como: “Não acredito”, ou: “Isso é bobagem”, sem estudar.
3. CESARE LOMBROSO E JEAN CHARON
Mesmo o cientista Cesare Lombroso, tão conhecido pelos penalistas e criminólogos, que começou suas observações sobre o criminoso – especialmente, sobre o homicida – partindo do elemento físico ou daherança atávica, por intermédio do que procurava provar que, quanto maior fosse o número de indivíduos com as mesmas características na família (que indicasse o instinto sanguinário), mais próxima estaria tal indivíduo do tipo criminoso nato, evoluiu em suas pesquisas e, em 1909, lançou seu livro “Fenomeni Ipnotici e Spiritici” (tradução de Carlos Imbassahy, edição Lake, SP, como “Hipnotismo e Espiritismo”). Procurou ir mais fundo nos estudos do ser humano, com base nas experiências de De Vesme, Crookes, Richet, Lodge, De Rochas, Morselli, Aksakof e outros, em busca dos segredos da alma, enquanto os chamados criminólogos materialistas, ao que parece, estacionaram.
Ainda recentemente, um cientista francês, grande estudioso da obra de Alberto Einstein, o professor de Física Jean E. Charon, no seu livro “O Espírito, Este Desconhecido” (Editora Melhoramentos,SP, 1990), procurou, na pesquisa e na análise sérias, explicar e reconhecer a eternidade do Espírito, partindo do estudo dos elétrons. Aliás, como todo cientista consciente, explica: “O presente trabalho se dirige a todos que refletem sobre o mistério de nosso corpo e de nossa consciência, e mais globalmente às relações do Espírito com a Matéria, na escala do Universo inteiro”. E, criticando os “cientistas ortodoxos” que “se recusam a ver a Metafísica penetrar sua linguagem e seu campo de experiência, como se estes problemas” (morte, espírito, matéria) “fossem indignos do conhecimento científico” (páginas 15,17,18), o professor Charon, de modo categórico, reconhece que “dentro de cada homem, há individualidades microscópicas que pensam, que sabem, que transportam o Espírito dentro do Universo, e que podemos chamar, segundo os antigos agnósticos, de ÉONS, mas que são, na realidade, os ELÉTRONS“.
4. ENSINO DA DOUTRINA ESPÍRITA
A Doutrina Espírita (com base na Filosofia, na Ciência e na Moral Religiosa) ensina e prova, a quantos queiram aprender, que o corpo é passageiro, mas a alma é eterna. Quando fora do corpo, a alma chama-se Espírito. O corpo humano, na Terra, é instrumento de aprendizado – com expiações e provas – para o progresso do Espírito, que é o seu elemento nobre, pois todo conhecimento se manifesta por intermédio dele (Espírito), regente dos pensamentos, palavras e atos conscientes e voluntários do ser humano. Um pouco de ponderação e persistência fará com que cada pessoa, mesmo a mais descrente, descubra esta realidade.
Não se pode, ou melhor, não se deve fechar a porta ao arrependimento do criminoso, cortando-lhe a oportunidade de passar pelas provas e expiações naturais desta vida, mas, sim, procuram auxiliar o Plano Espiritual Superior em fazê-lo, mesmo vagarosamente, progredir, pois o Espírito atrasado, em relação à descoberta do amor fraterno, acha-se enfermo e precisa do tempo necessário à sua cura, nesta ou noutras existências.
5. FINALIDADES DA REENCARNAÇÃO
Falando da reencarnação (o Espírito retornando à Terra em outro corpo, masculino ou feminino, negro, branco, vermelho ou amarelo, no mesmo país, na mesma família, ou em outros lugares do globo terrestre, em outras sociedades, na riqueza ou na pobreza, na sabedoria ou na ignorância, perfeito fisicamente ou defeituoso, para viver poucos dias ou muitos anos, até o desencarne ou a morte, retornando ao plano espiritual ou à erraticidade – tempo que medeia uma e outra reencarnação), o filósofo Allan Kardec pergunta ao Espírito, na questão 166(de “O Livro dos Espíritos”):
“A alma que não atingiu a perfeição durante a vida corpórea, como acaba de depurar-se?” (E a resposta do Espírito, a esta indagação e às seguintes – a, b e c -, é esclarecedora).
“Submetendo-se à prova de uma nova existência. Ao se depurar, a alma sofre sem dúvida uma transformação, mas para isso necessita da prova da vida corpórea”. Porque “a alma tem muitas existências corpóreas”. Todos nós temos muitas existências. Os que dizem o contrário querem manter-vos na ignorância em que eles mesmos se encontram; esse é o seu desejo”. E, por fim, mostra ser “evidente” que o princípio reencarnatório resulta do fato de que, “após ter deixado o corpo, a alma toma outro; ela se reencarna em novo corpo”.
E quando Kardec pergunta, na questão 167, qual a finalidade da reencarnação, a resposta do Espírito é a seguinte:
“Expiação, melhoramento progressivo da Humanidade. Sem isso, onde estaria a justiça?”
E, na questão 171, perguntado ao Espírito sobre o que se funda o dogma da reencarnação, este responde:
“Sobre a justiça de Deus e a revelação, pois não nos cansamos de repetir: um bom pai deixa sempre aos filhos uma porta aberta ao arrependimento”. (…)
E, a seguir, Allan Kardec esclarece melhor esse tópico:
“Todos os Espíritos tendem à perfeição, e Deus lhes proporciona os meios de consegui-la, com as provas da vida corpórea. Mas, na sua justiça, permite-lhes realizar, em novas existências, aquilo que não puderam fazer ou acabar numa primeira prova. (…). A doutrina da reencarnação, que consiste em admitir para o homem muitas existências sucessivas, é a única que corresponde à idéia da justiça de Deus, com respeito aos homens de condição moral inferior; a única que pode explicar o nosso futuro e fundamentar nossas esperanças, pois oferece-nos os meios de resgatarmos os nossos erros através de novas provas. A razão assim nos diz, e é o que os Espíritos nos ensinam”.
6. BECCARIA NA VISÃO ESPÍRITA
Embora ainda se encontrem algumas pessoas que, falando de justiça, pretendam, de fato, a vingança (e que, para o Espiritismo, são espíritos com grande atraso moral, mesmo que, por vezes, sejam portadores da boa educação formal), nota-se um lento progresso nas legislações humanas, o que demonstra que a evolução é uma realidade; com entraves, mas ela prossegue.
Da vingança privada, chegou-se à pena de talião: tal mal, tal a pena, mais conhecida como “dente por dente, olho por olho”. Explicava o saudoso professor Basileu Garcia, em suas “Instituições de Direito Penal”, vol. I (Max Limonad, Editor, SP-1972), que “a pena de talião, embora hoje se afigure brutal, significa uma conquista”, porque já apresenta o “princípio da personalidade da responsabilidade criminal”, o que não ocorria na época da vingança, em que pelo fato praticado por um indivíduo, não só este pagava, mas também os que lhe fossem solidários.
Ensinava o mestre Basileu, na sua obra citada, que “O Direito antigo desconhecia o cárcere; “daí a utilização, tão generalizada da pena de morte. Aliás, mostra que, por volta do Século XVII, na França, a pena capital era imposta de cinco maneiras: 1 – o esquartejamento; 2 – morte na fogueira, em praça pública; 3- suplício da roda – com os membros partidos e o rosto virado para o céu, até morrer; 4- o enforcamento; 5- decapitação, depois aperfeiçoada pela invenção da guilhotina (para a morte ser mais rápida). Havia, ainda, outras modalidades cruéis de morte, sem contar os suplícios corporais – ferro em brasa, amputações das mãos, arrastamento por animais nas ruas, corte da língua, vazamento dos olhos etc.
No Século 18, Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, investiu contra os castigos cruéis e, principalmente, contra a pena capital: “partindo da teoria do contrato social” (de Jean Jacques Rousseau), “raciocina Beccaria: o homem, cedendo uma parcela mínima de sua liberdade, para tornar possível a vida em coletividade, não se privou de todos os seus direitos; não poderia conferir a outrem o direito de matá-lo. Portanto, a pena de morte é desautorada pelo contrato social”. (Basileu, op. cit., p. 56).
Evidentemente, todos os penalistas são unânimes em reconhecer a luta de Beccaria e a sua importância para a moderação das penas e a busca para a humanização do cárcere. No seu livro “Dos Delitos e das Penas”, mostra que, “para que uma pena não seja um ato de violência contra o cidadão, deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis, proporcionada ao delito e determinada pela lei“. Tudo isso é básico no Direito Penal Moderno. (Por essas razões, e muito mais, se tivermos que analisar Beccaria à luz do Espiritismo, não há dúvida de nele reconhecer um Espírito de alta hierarquia, um grande missionário de luz da sua época).
Para aqueles que, ainda hoje, defendem a pena de morte (à luz do Espiritismo, tais pessoas são Espíritos vingadores, não afeitas à justiça), é bom lembrar um nome que, ainda no Século 19, pugnava pelocorrecionalismo da pena: a pensadora espanhola Concepción Arenal, que entendia não haver “criminosos incorrigíveis, e sim incorrigidos”, e que a pena só teria razão de existir se fosse “essencialmente correcional”, argumentando, ainda, que as penitenciárias deveriam ser “grandes enfermarias do espírito”.
7. DISCUSSÃO DA PENA CAPITAL E OS FILÕES RENTÁVEIS
Pena é sofrimento imposto pelo Estado; pena capital é pena de morte. E a pena de morte sempre foi e continua sendo discutida no mundo inteiro. Hoje, graças ao progresso das sociedades humanas, embora lento, ela vem sendo aplicada em poucos países. Mas existem, infelizmente, defensores dessa pena. Aqui e agora, devemos analisar a PENA DE MORTE SOB A ÓTICA DO ESPIRITISMO. Antes, porém, uma constatação: o crime, a violência e o medo vêm rendendo dividendos, sob várias formas: econômicos, políticos e até intelectuais, sem contar a fama de alguns pela ignorância de muitos. Mas não se pode deixar de observar que os crimes são, grosso modo, praticados por ação e por omissão, tanto dos indivíduos como dos órgãos públicos e privados. Basta parar pensar.
É o medo e o crime como filões rentáveis, assim como a ignorância sobre o Espírito, que, deliberadamente mantida por alguns segmentos que se dizem religiosos, têm rendido fama e fortuna a espertalhões e mistificadores, abusando da credulidade de muitos que não têm tempo para raciocinar.
A propósito do medo e do crime industrializado, seria conveniente uma vista d´olhos no livro “O Medo – Mal n.º I”, de Georges Barbarin (Edição Forense, Rio, 1968), em que o autor, depois de falar sobre a fabricação do medo pelos meios de comunicação e de tratar das empresas que embrutecem o pensamento, falando até da responsabilidade das igrejas pela difusão das várias formas de tormentos e suplícios, chama a atenção de todos, com a seguinte observação: “Imagine-se o que pode ser a administração das coletividades humanas por chefes que o Medo produz e cujos reflexos físicos, mentais e morais estão ofuscados. Em verdade, o Medo povoou o mundo de loucos e de semi-loucos, tanto mais perigosos quanto mais elevada sua situação social e quanto mais afluem para os governos, as administrações, as igrejas, as universidades e os parlamentos!” (p.14).
Sobre a pena de morte, à luz do Espiritismo, há um livro clássico do professor Fernando Ortiz, da Universidade de Havana, denominado “A Filosofia Penal dos Espíritas”, em que o autor faz um estudo jurídico, analisando as escolas penalógicas em confronto com os ensinamentos constantes de “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec.
Aliás, a tradução da obra do Professor Ortiz deve-se a Carlos Imbassahy, também tradutor de “Hipnotismo e Espiritismo”, de Cesare Lombroso, e também autor de várias obras, destacando-se “A Mediunidade e a Lei” (Edição FEB/Rio), em que analisa questões envolvendo o Espiritismo e decisões dos Tribunais. Mas, agora, vejamos algumas observações e conclusões do mestre da Universidade de Havana.
8. OBSERVAÇÕES DE UM PROFESSOR CUBANO
O Professor Fernando Ortiz, da Universidade de Havana, no seu livro “A Filosofia Penal dos Espíritas” (Edição FEESP), faz a seguinte afirmação:
“Se classificarmos a teoria espírita da penalidade” – (com dois fundamentos: 1 – imediato – a defesa social humana; 2 – mediato – a tutela, a correção do delinqüente, seu melhoramento, seu progresso) – “entre as conhecidas teorias da ciência criminal, teremos que incluir a penalogia espírita na escola neocorrelaciolista de filosofia penal”.
O mesmo Professor Ortiz, analisando o pensamento da chamada escola antropológica, de que há delinqüentes incorrigíveis, mostra que “o pensador de ciência positivista, que encerra suas idéias no campo de visualidade restrito da observação positiva dos fenômenos da vida, não vê além do que esta vida lhe oferece”, enquanto que, “segundo a filosofia espírita, não há Espíritos incorrigíveis; todos são capazes de emendar-se e progredir”.
Evidentemente, o positivista, especialmente se não houver perquirido, com profundidade e persistência, sobre a sua origem intelectiva, em comparação aos demais seres de sua espécie,- de onde venho e para onde vou? – (quando a própria Igreja Católica, recentemente, no mês de setembro de 1998, com a Encíclica “Fides et Ratio”, para analisar a fé à luz da razão, já procura se redimir do seu dogmatismo de séculos) -, continuará com a impressão de que sua existência e a de todos os homens se resumem ao mero período que seu corpo atual suportar, tempo ínfimo diante da eternidade ou das muitas vidas para o progresso do Espírito (inteligência que anima o corpo passageiro), pontos basilares do Espiritismo.
Assim, no que tange ao fato de a corrigibilidade ser um problema de duração para os positivistas e defensores potenciais da pena capital para os criminosos incorrigíveis, mostra o Professor Fernando Ortiz que eles “erram por vezes, visto que o tempo de que dispõem para seus diagnósticos éticos é escasso, dura somente uma vida”, enquanto “os espíritas podem crer-se vitoriosos, porque sua metafísica lhes amplia indefinidamente o tempo para a ação correcional, lhes concede várias vidas, ou melhor, lhes dá o infinito”.
E, ainda em seu livro de confronto das teorias penais e com a Doutrina Espírita, o Professor Ortiz, depois de analisar a visão dos positivistas radicais da criminologia, que pretendem fundamentar a pena de morte na lei natural de seleção, fazendo sucumbir o delinqüente incorrigível, em nome da defesa social, traz à luz um argumento lógico intransponível:
“Hoje…, a ninguém ocorre, pelo mesmo princípio da defesa social, matar um leproso”– e nós acrescentamos: um aidético, um hemofílico – “incurável; e, a menos que se tenham em conta motivos de vingança na reação contra o delito, não há razão científica para raciocinar de um modo contra o delinqüente, e de outro contra o enfermo incurável e contagioso“.
“Pode a morte de ambos” (o delinqüente e o doente) “ser desculpável em idades bárbaras, quando se ignoravam outros meios de defesa e de humana solidariedade; hoje, porém, são inexplicáveis. Assim o entende a ciência contemporânea e assim também o entende o Espiritismo, negando expressamente a necessidade e a justiça da pena de morte”.
9. RAZÕES CONTRA A PENA DE MORTE
Assim, há três razões fundamentais contrárias à pena de morte:
a primeira, de ordem religiosa ou espiritual, pois não parece coerente com os ensinamentos cristãos ou com os que se dizem tementes a Deus, pugnar pela pena capital, sob a alegação de que os reincidentes em certos crimes hediondos não têm recuperação e, como animal peçonhento ou erva daninha, devem ser eliminados; isso, além do mais, mostra que os defensores desse ato irreversível, mascarando seus desejos de vingança, parecem pretender ombrear-se a Deus – onisciente, onipotente e onipresente – , pois, embora não criando o ser humano, antecipa-lhe o tempo de vida terrena, afirmando que o mesmo é irrecuperável para a sociedade; dessa forma, à luz do Espiritismo, a morte antecipada (pois a vida só a Deus pertence) estará contrariando a caminhada para o progresso do Espírito, que se dá por meio de provas e expiações, para que aprenda;
a segunda, de ordem moral ou social, porque o ser humano não é um número ou um objeto, pelo que não podem o Estado e a sociedade falhar na prevenção material, permitindo, por negligência ou falta de solidariedade, a fome, a miséria, a falta de moradia, de emprego e de escola, e na prevenção policial, possibilitando, por imprevisão, ignorância ou desconhecimento dos governantes, ou por mero interesse econômico ou político, que os delinqüentes atinjam as vítimas, para, em seguida, com argumentações estatísticas de fatos que poderiam ter sido evitados, pretenderem justificar a instituição da pena de morte;
a terceira, de ordem ético-jurídica, pois o Estado – pelos seus Três Poderes (Legislativo, criando a lei; Judiciário, aplicando a lei e Executivo, fazendo cumprir a lei), especialmente condenando os que praticam friamente crimes hediondos, os criminosos insensíveis e calculistas, também de modo aberrante, estará, de forma ainda mais cruel, agindo com data e hora marcadas, de modo “cientificamente”requintado – injeção letal, cadeira elétrica, câmara de gás, fuzilamento, enforcamento, decapitação, etc. -, e até contando com servidores públicos da hora – carrascos oficiais ou profissionais do extermínio -, pagos pelos cofres estatais, para a execução da funesta missão de matar, agora, não mais em legítima defesa, mas num hipotético “exercício regular de um direito”, o que só envergonha a condição do ser humano, que se diz “pensante” e “civilizado”.
Para o Espiritismo, com base na justiça divina da reencarnação, matar o criminoso, ao invés de fazê-lo cumprir a pena que lhe permita a reflexão e a correção de sua vida, é cortar-lhe a oportunidade de progredir, e – o mais grave – representa um cruel ato de vingança, contrário a qualquer princípio cristão.
A Doutrina Espírita ainda será, em futuro não distante, a base segura para os autênticos criminólogos e penalistas que, abolindo todas as formas de preconceito, queiram alcançar a verdadeira justiça, visando a uma sociedade mais humana e fraterna.
(*) Bismel B. Moraes, Mestre em Direito Processual pela USP, Professor da Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra” de São Paulo e da Faculdade de Direito de Guarulhos, é ex-Presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo.
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