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Por Que Ser Voluntário?

Noeval de Quadros

“E voltando para os seus discípulos, achou-os adormecidos e disse a Pedro: Então, nem uma hora pudeste velar comigo?” – (MATEUS, 26:40)

Vários juízes recém-aprovados no concurso participavam de uma atividade no Curso de Iniciação Profissional para a Magistratura. Passavam o dia na Penitenciária. A Coordenadora do Curso percebeu que muitos juízes não estavam se sentindo bem por estar pela primeira vez naquele ambiente, ali almoçando, com a administração do presídio.

Ao final da visita, o administrador da Penitenciária dirigiu a palavra aos juízes:

” _ Os senhores estarão dentro em pouco trabalhando nos processos e julgando as pessoas. Se posso pedir uma coisa, nas penas pecuniárias não condenem mais apenas à entrega de cestas básicas. Estamos cheios de comida. Falta-nos aqui coquetel para AIDS, esparadrapo, band-aid, lápis, borracha, papel, caneta, remédios para depressão e pessoas voluntárias para ajudar na alfabetização“.

O grupo foi tomado de surpresa. Mas para a Coordenadora da Escola da Magistratura do Distrito Federal, a então Des. Fátima Andrighi, hoje Ministra do Superior Tribunal de Justiça, se o curso de ingresso dos juízes terminasse ali, já estaria de bom tamanho.

A impressão foi a mais favorável possível. Todos saíram refletindo muito sobre aquele dia diferente.

Nunca tinha passado pela cabeça daqueles jovens magistrados perguntar sobre o que é que faltava para aqueles presos.

E a experiente magistrada coordenadora saiu feliz, pensando quanto tinha sido útil aquela visita …

Assim como acontece com o projeto “Amigos da Escola”, a proposta agora é da Escola Nacional da Magistratura e destinada a todos os profissionais do Direito: engajar-se em algum trabalho voluntário.

Não é suficiente indignar-se com a situação. Não basta esperar que o Governo faça sua parte. Não resolve apenas criticar. É preciso colocar mãos à obra, fazendo a nossa parte como cidadãos.

Não é apenas porque 2001 foi cognominado como o “Ano Internacional do Voluntariado”.

Pode ser por uma razão de ordem pessoal, um chamado interior, uma busca de realização ou experiência de vida. Pode ser por uma razão de ordem social¸ na luta por um ideal ou uma causa. Pode ser uma forma de retribuir à sociedade o que ela nos deu, em oportunidade de estudo e de trabalho.

No Brasil, 54% dos adolescentes querem ser voluntários, mas apenas 7% realizam algum trabalho comunitário; nos EUA, 62% dos jovens o fazem. Esse índice é quase o mesmo entre os adultos.

Por exemplo: o Presidente da Fundação Smithsonian, que cuida de crianças carentes, é também o Presidente da Suprema Corte dos EUA.

Aqui, muitos não sabem por onde começar.

Há pouco tempo a sociedade brasileira começou a despertar para a necessidade da participação como forma de promoção da solidariedade e cidadania.

Apesar de sermos um povo criativo e generoso, ainda nos falta organização.

O embrião desse trabalho de maior envergadura parece ter acontecido no início dos anos 90, com o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, liderando a Ação da Cidadania contra a Miséria, que abalou com as estruturas da sociedade acomodada.

Antes, apenas os aposentados ou pessoas ligadas a algum movimento religioso é que se dispunham a colaborar.

Agora, o voluntariado empresarial já dá mostras de vitalidade. Grandes empresas, como a Shell Brasil, a TV Globo, a Nestlé, o SERASA, a Bosch, o Grupo Abril, a Iochpe, o Banco Itaú, incentivam seus funcionários e até flexibilizam seus horários, para que possam comprometer-se com algum trabalho voluntário. Há um `efeito contagioso’, contaminando de forma positiva vários empregadores e promovendo uma atmosfera de simpatia e boa-vontade que extrapola os limites das empresas envolvidas.

Há outras áreas muito promissoras, onde já se constata grande progresso: a dos pequenos e médio empresários, a das escolas e universidades.

E, agora, a Escola Nacional da Magistratura engaja-se firme na luta pela adesão dos profissionais do Direito.

A contar pelo peso das pessoas que lançaram esse programa, de humanização da justiça, pela adesão ao trabalho voluntário, dia 26 de junho, em Brasília, muito pode acontecer: lá estavam presentes, além do Min. Costa Leite, Presidente do Superior Tribunal de Justiça, o Min. Hélio Mosimann, a Min. Eliana Calmon, a Min. Fátima Nancy Andrighi (todos do STJ), o Des. Viana Santos (Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros), o Des. Sidnei Benetti (Diretor da Escola Nacional da Magistratura) e a Coordenadora Nacional do Programa Voluntários, Mônica Corullon, além de 60 outros juízes, Diretores das Escolas da Magistratura Estadual, Federal, Militar e do Trabalho de todos os Estados brasileiros.

Há muito talento que pode ser colocado à serviço da sociedade. É possível fazer muita coisa, como, por exemplo, já está acontecendo, no caso da comissão de alto nível que está sugerindo medidas para o combate à violência, em nosso Estado. Ou na consultoria à organizações não-governamentais. Na política legislativa, no aconselhamento familiar, na promoção dos direitos humanos, nas comissões de Direito, na área da cultura (como, por exemplo, lecionando em cursos pré-vestibulares para carentes ou dando algumas horas de contribuição em sítios históricos ou de importância ecológica).

Também se pode atuar em áreas totalmente diversas, como de lazer, auxílio ou diálogo em hospitais, creches, centros de saúde, escolas, asilos, instituições filantrópicas, prisões etc. de acordo com as preferências e habilidades de cada um.

Na área do Judiciário, temos pelo menos dois exemplos clássicos, que sempre deram bom resultado: os antigamente denominados `comissários de menores’ e os cidadãos que coletam e apuram votos na justiça eleitoral.

São pessoas trabalhando voluntariamente, no cumprimento de um dever cívico e de grande importância para a Nação.

Isso não desonera o Poder Público de suas responsabilidades. Pelo contrário. São mais vozes, organizadas e respeitáveis, a fiscalizar e exigir o cumprimento das políticas de bem-estar e de promoção social.

Notadamente no caso do juiz ou do promotor de justiça, que são líderes na sua comunidade, pessoas com a capacidade de unir todos os segmentos da sociedade em que trabalham, a participação é muito importante. O seu trabalho na e com a comunidade é uma ação socialmente relevante, que vai além da simples observância e aplicação das leis aos casos concretos.

Nos momentos de trabalho voluntário, esses profissionais compreendem, melhor do que nunca, a dimensão do ser humano que está por trás de cada processo com o qual se ocupam.

Pelo engajamento no voluntariado, se pode dar até mais que o acesso à justiça: pode-se permitir o acesso aos benefícios da sociedade para um maior número de pessoas.

É aqui que se compreende o verdadeiro espírito da proposta de humanização da justiça.

Pode também o advogado ou o estudante de Direito, com o conhecimento que tem, levantar esta discussão no seu âmbito de influência, promovendo amplo debate com as lideranças locais, da sua empresa, do seu bairro, da sua universidade.

Hoje as entidades perderam o medo de aceitar o trabalho voluntário. A lei nº 9.608/98 regulamentou essa atividade, tranqüilizando, de certa forma, as direções das instituições que antes se sujeitavam a inúmeras reclamações trabalhistas e fiscais.

O Paraná tem um trabalho que começa a se estruturar. Em Curitiba, por exemplo, afora as inúmeras entidades religiosas que mantêm diversas atividades de apoio e promoção social, as pessoas podem procurar a Ação Voluntária ou o PACTO1, programa este de iniciativa pioneira do Poder Judiciário, que cadastra voluntários e entidades, fazendo o “casamento” entre as possibilidades daqueles e as necessidades destes.

Resta a questão da falta de tempo. Quando, porém, estamos conscientizados das nossas responsabilidades como cidadãos, percebemos que o trabalho voluntário tem a ver com a qualidade de vida do ser humano. Passamos, então, a reservar algumas horas por semana dentro da nossa agenda de compromissos para contribuir, de forma concreta, para que as mudanças que almejamos no plano social se tornem realidade.

O espírita tem razões de sobra: sabe que “fora da caridade não há salvação” que “deve aprender a doar-se, se deseja atingir a prática legítima do Evangelho” (do livro `Espírito e Vida’).

Além do mais, sabe que toda vez que procuramos prestar serviços ao próximo de forma desinteressada nos ligamos a uma grande falange de obreiros do bem, tanto no plano terreno quanto no plano espiritual.

E existe recompensa maior do que vivenciar desde já na companhia desses irmãos augustos, começando pela dedicação aos que esperam de nós uma mão amiga?

A exortação inicial continua atual como nunca: é preciso acordar, para velar com Jesus, nem que seja por “uma hora”, para que o despertar na realidade espiritual não nos traga amargas surpresas.

1 PACTO – Programa de Ação Comunitária Total