Psicologia
Nossa intenção aqui não é a de dar uma noção completa da psicologia, mesmo
porque não temos conhecimento suficiente para isso, mas apenas de trazer alguns
conceitos que podem ser úteis para desfazer as confusões que possam surgir entre
o que estudamos no Espiritismo e o pouco que aprendemos de Psicologia, tentando
relacionar paralelos entre os conceitos espíritas e os conceitos psicológicos de
interesse para nós.
A palavra psicologia é derivada de duas palavras gregas: psiquê que significa
“alma”, e logia que significa “estudo de”. Os filósofos gregos, observando e
descrevendo o comportamento e a experiência do homem tratavam a conduta do
indivíduo como produto das manifestações da alma. Já Aristóteles dizia que “nada
há na mente que não tenha passado pelos sentidos”, querendo dizer assim que as
ideias eram produto das influências do meio sobre o organismo. Hoje a Psicologia
não é a ciência da alma, mas a ciência do comportamento e da experiência do
homem. Quando um psicólogo fala da alma humana, se ele não for religioso, estará
falando de uma alma material, da mente enquanto função cerebral.
Todo comportamento tem uma causa ou motivo. Segundo a Psicologia os motivos
são decorrentes de uma necessidade. Há um provérbio árabe que diz: “Podemos
levar um cavalo à fonte, mas não podemos fazê-lo beber”. O cavalo só beberá se
algo internamente o levar a isso, como uma necessidade que vai gerar o motivo.
Portanto a Psicologia define o motivo como um fator interno que inicia, dirige e
sustenta o comportamento do indivíduo. No passado esse motivo era o destino:
tudo o que fazíamos era uma fatalidade. Posteriormente, no período racional, era
a razão que determinava o comportamento do homem. Mais recentemente, Descartes
estabeleceu que alguns motivos vinham da parte racional do homem e outros
nasciam dos seus instintos. Com a Psicologia evoluímos para o conceito de que as
necessidades são as fontes básicas das energias motivadoras.
Com o Espiritismo podemos acrescentar aos motivos acima as influências
espirituais, tanto as anímicas quanto as dos desencarnados, como fonte de
motivação para nosso comportamento. É importante notar que uma não exclui a
outra, ou seja o Espiritismo não exclui a Psicologia e vice-versa. Da mesma
forma, o Espiritismo e a Parapsicologia não são mutuamente exclusivos, havendo
fenômenos que são melhor explicados por um do que pelo outro.
As necessidades podem ser classificadas em cinco tipos:
- Fisiológicas
Fome, sede, respiração, descanso, exercícios físicos, moradia, proteção dos
elementos e necessidade sexual. - Segurança
Proteção contra o perigo, segurança futura, preparação para a vida - Sociais
Participação, associação, aceitação, amizade e amor, prestígio, auto-afirmação
social - Satisfação pessoal
Auto-respeito, auto-confiança, autonomia, competência, conhecimento,
reputação, reconhecimento, apreciação - Auto-realização
Compreensão das próprias potencialidades, autodesenvolvimento, criatividade
Uma necessidade satisfeita não é mais um elemento de motivação. Quando um
nível de necessidades está razoavelmente satisfeito, surgem as necessidades de
nível imediatamente superior que passam a motivar. É fácil ver porque poucas
pessoas conseguem atingir a auto-realização.
Podemos ser impedidos de alcançar certos objetivos que satisfariam nossas
necessidades por causas internas, como falta de habilidades específicas, ou
externas, como falta de dinheiro. O indivíduo adota então um comportamento de
reação contra a barreira. São exemplos de reações o comportamento agressivo
(tentar vencer pela força), a regressão (passar a agir como criança), a
sublimação (dedicar-se a atividades religiosas), a resignação (desativar a
necessidade) e o comportamento assertivo (comportamento adulto).
Uma necessidade gera uma tensão e sua satisfação relaxa a tensão. Algumas
tensões determinam comportamentos dirigidos a objetivos concretos, realizando-se
assim a nível de realidade, enquanto outras levam apenas a pensamentos, ficando
no nível da irrealidade.
Para os Espíritas, aquilo que a Psicologia chama de irrealidade, pode ser
mais real que o mundo material, sendo a verdadeira vida aquela que começa após o
desencarne. O mundo da matéria é então considerado como o mundo das ilusões.
Continuando, diremos que os motivos que levam uma pessoa a agir podem estar
ocultos em sua consciência. Se um indivíduo hipnotizado for ordenado para sair
com óculos escuros em um dia de chuva ele o fará e dirá que pensou que o sol ia
se abrir, ou que estava com uma irritação na vista. Esses motivos são chamados,
em Psicologia, de racionalizações.
A Consciência é a parte lúcida em nós. Ela é a própria personalidade, podendo
ser dividida em Ego, Id e Superego. O Ego, ou consciência propriamente dita, é a
personalidade enquanto atua no momento presente. Sua função é ajustar o homem à
realidade física e social. O Superego tem funções semelhantes, interiorizando as
normas, as leis, as exigências dos pais, e da sociedade. O Id, ou inconsciente,
é onde estão as necessidades ou impulsos básicos do homem, os fatos não
evocáveis, as vivências reprimidas ou esquecidas, as energias instintivas. Não
reconhece valores, bem, mal e moralidade, não se orientando por normas sociais.
Pode ser o responsável por comportamentos estranhos, devido a motivos
desconhecidos e não óbvios.
Para o Espiritismo o Espírito imaterial é o ser inteligente. Quando encarnado
toma o nome de Alma, esquecendo toda a experiência das vidas passadas.
Entretando, como ensina Kardec, ficam a intuição ou a voz da consciência, e as
tendências instintivas:
“…Suas atuais tendências más indicam o que lhe resta a corrigir em si
próprio e é nisso que deve concentrar-se toda a sua atenção, porquanto, daquilo
de que se haja corrigido completamente, nenhum traço mais conservará. As boas
resoluções que tomou são a voz da consciência, advertindo-o do que é bem e do
que é mal e dando-lhe forças para resistir às tentações.”
(Allan Kardec. “O Evangelho Segundo o
Espiritismo. Capítulo VI. Bem Aventurados os Aflitos Item 11.Esquecimento do
Passado.)
Segundo Hermínio Miranda (em As Sete Vidas de Fenelon), o inconsciente é
nossa individualidade, nosso espírito imortal completo, nosso Eu, com toda a
sabedoria acumulada durante muitas vidas, a fonte da intuição. Enquanto que o
consciente, uma parte do espírito, é o que normalmente denominamos de alma,
nossa razão, nossa personalidade nesta vida atual. Para Hermínio ainda, a alma
instala seus sensores no hemisfério cerebral esquerdo, o verbal, sendo sua
linguagem expressa em palavras; enquanto o espírito, tem seus sensores
implantados no direito, não verbal, simbólico, sendo sua linguagem expressa em
idéias. Decorre daí a dificuldade de comunicação, enquanto encarnado, entre
estas duas partes do mesmo Espírito, dificuldade esta que é temporária, sendo
removida quando o espírito se afasta do corpo, seja pela morte ou seja nos
sonhos.
Há uma reconhecida dificuldade para expressar esses conceitos por falta de
palavras adequadas. Para evitar a criação de novos termos foram usados alma e
espírito. Não é demais frizar entretanto que o espírito é um só, sendo a divisão
acima apenas didática. O importante é que se tenha entendido o que se quiz dizer
e não as palavras usadas para expressá-lo.
Estando o espírito encarnado, ligado ao corpo material pelo perispírito
“átomo a átomo, molécula a molécula”, sendo portanto constituído de órgãos dos
quais os órgãos materiais são “mera cópia imperfeita”, parece ser lógico
entender que uma parte correspondente do perispírito está ligada ao cérebro
esquerdo e uma outra parte ao cérebro direito. A parte ligada ao cérebro
esquerdo, é a que participa do aprendizado da expressão verbal, do comanda da
mão direita, ocupada com a escrita e a maior parte das tarefas normais; enquanto
que o cérebro direito, ficando mais ocioso, se desenvolve para um maior contato
espiritual, em linguagem simbólica. Fazendo uma analogia com o computador,
podemos dizer que o cérebro esquerdo é a nossa RAM, e o direito, nosso HD. Na
RAM residem os programas que estão sendo executados (vida atual) e no HD todos
os outros programas que já foram executados (vidas passadas) mas que estão agora
(isto é, nesta vida) aparentemente inativos. Esta a explicação de nosso
esquecimento das vidas passadas enquanto reencarnados: a alma, a parte
consciente do espírito, atua no cérebro esquerdo, na RAM, sem acesso a todos os
dados do HD, a não ser àqueles transferidos especificamente, como na Terapia de
Vidas Passadas e nos momentos de inspiração.
O espírito quando reencarna traz uma missão de aprendizado, de resgate de
faltas passadas com as pessoas com quem vai conviver, de expiações e de provas
para testar sua evolução. Muitas vezes essa missão é escolhida pelo próprio
espírito que não consegue se livrar do remorso pelo mal que tenha causado em
vidas anteriores. Após o nascimento o espírito encontra-se confuso, amortecido,
ligado a um cérebro ainda sem desenvolvimento, tentando expressar-se através
dele. Aos poucos o cérebro vai se desenvolvendo e aprendendo a interpretar os
impulsos que recebe do mundo exterior através dos sentidos. Recebe também
intuições interiores, provenientes do espírito, que algumas vezes são
conflitantes com as solicitações externas. Esta situação conflitante pode
permanecer não resolvida por toda a vida, sem que o indivíduo saiba se deve
ouvir a voz que lhe aconselha internamente ou se atende à lógica do mundo.
Procura provas da existência do lado espiritual e não as encontra de forma
convincente, recebendo por outro lado argumentos materialistas para se ligar
apenas àquilo que pode ser comprovado e ser de utilidade ao seu progresso
material. O espírito fica assim em dificuldade para se expressar plenamente nos
atos conscientes que são elaborados no cérebro esquerdo e que em muitas pessoas
é o único atuante durante o estado em que permanece acordado, pois graças ao
treinamento recebido, foi o único que se desenvolveu no relacionamento com o
mundo. Devido à grande intensidade dos impulsos materiais que nele penetram,
ficam muito reduzidos os impulsos que lhe chegam do espírito, provenientes
principalmente do cérebro direito, limitando-se a intuições sutis que são quase
sempre suplantadas pelo raciocínio material. Daí advém o “esquecimento” das
experiências das vidas passadas que, na verdade, continuam no espírito mas que
não conseguem ser recebidas a nível consciente. Acrecente-se a isso o problema
da diferença entre a linguagem verbal do cérebro esquerdo e a linguagem do
cérebro direito, que é a linguagem do espírito, simbólica, intuitiva, na forma
de hologramas, conforme nos é ensinado no livro “A Estrutura da Matéria segundo
os Espíritos”.
Quer me parecer ser esta a grande lacuna, o grande vazio que existe na vida
de todos nós. A falta de uma explicação de quem somos, do que estamos fazendo
aqui, de para onde vamos, enfim, de uma filosofia ou ciência que nos explique de
forma lógica, coerente, o sentido da vida para que tenhamos um objetivo, um
caminho demarcado orientando nossos atos em direção a um crescimento de nossa
personalidade. Uma personalidade adulta deve atingir
uma maturidade emocional que se manifesta por aceitação de si mesmo, sabedoria,
auto-confiança, respeito ao próximo, paciência, aceitação de responsabilidades,
capacidade de recuperar o ânimo, senso de proporção, objetivismo e senso de
humor. No Espiritismo temos as respostas para todas essas questões, o guia moral
e ético para as nossas ações, a cura de nossos males e a estruturação de nossa
personalidade através a Reforma Íntima.
Portanto, o Espiritismo não exclui a Psicologia mas a amplia.
Rio de Janeiro, 30 de Junho de 1999.
Referências:
- “As sete Vidas de Fenelon” de Hermínio C. Miranda, Ed. LaChâtre, 1ªed,
1998. - “Psychology”, Gardner Lindzey, Calvin S. Hall, Richard F. Thompson. Worth
Publishers, Inc. 1976. - “Psicologia Moderna” de Antonio Xavier Teles. Ed.Ática, 1978..
- “Psicologia Geral” de Lannoy Dorin Ed. do Brasil, 1978..