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Quatro Horas Dorme o Santo

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Enéas Canhadas

Quatro horas dorme o santo, cinco o que não é tanto, seis o caminhante, oito o preguiçoso, nove o porco, e as mais o morto.

Encontrei essa “pérola” entre provérbios portugueses e me pus a pensar nas várias mensagens que ele pode nos transmitir ou os vários alertas que ele nos traz.  Obviamente está falando da preguiça ou da irresponsabilidade. Dois versos do livro de Provérbios de Salomão no Velho Testamento sugerem que tenhamos nas formigas um exemplo para combater a preguiça. Em Provérbios 6:6 encontramos “Vai ter com a formiga, ó preguiçoso, considera os seus caminhos e sê sábio” e em Provérbios 30:25 encontramos “As formigas são um povo sem força, todavia no verão preparam a sua comida”. Dois alertas, um sobre o trabalho e as suas virtudes, outro sobre a previdência, isto é, sobre as preocupações com o dia de amanhã. Quase passando despercebido está também o alerta que, talvez, os santos não tenham que se preocupar com o rigor e a necessidade do trabalho, se bem que se o preguiçoso dorme por oito horas enquanto o santo dorme apenas quatro, então temos que o santo não é tão sossegado assim nem podem se dar ao luxo de descansar demais.

Estamos, pois pensando sobre o quanto o trabalho nos solicita para o nosso próprio bem. Não é nada casual que ao pensar na importância do trabalho necessariamente sejamos levados a pensar em responsabilidade. Muito interessante é o seu significado “responsum” que é a forma latina do verbo “responder”, o que nos leva a compreensão de responsabilidade como a habilidade de responder, de dar respostas. Sem dúvida podemos incluir o trabalho como uma maneira de responder à vida, às realizações que buscamos, principalmente porque é através do trabalho que vamos tendo as oportunidades, muitas vezes sutis, outras vezes nem tanto, de buscar durante as nossas vidas os verdadeiros sentidos que nos movimentam na existência.  Já pensei muitas vezes que os trabalhos que fazemos durante a nossa vida inteira, na verdade são apenas meios para que tenhamos oportunidades de significar coisas para o aprimoramento do nosso espírito. Nas dificuldades pelas quais passamos e que temos de enfrentar que, na verdade são apenas os aprendizados, vamos encontrando os verdadeiros sentidos das nossas próprias experiências. Quem ainda não teve a sensação de ter vivido algo e, momentaneamente ficar sem entender porque aquilo aconteceu na sua vida? Os que têm a paciência e perseverança necessárias, dizem que ainda hão de entender porque tal coisa lhes aconteceu. Os outros talvez se considerem desafortunados ou até mesmo azarados perante as situações que a vida nos apresenta.

O ser humano problematiza a sua vida, exatamente para que a ele venham os significados. Tomemos a palavra problematizar num bom sentido em nosso favor, pois quando assim o fazemos, estamos na verdade traçando metas e objetivos para os nossos próprios desafios. Isso nos vale como uma espécie de margem de ação e horizonte a ser atingido. Não há caminho se não houver um horizonte que possa alimentar a nossa esperança, pois é esse sentimento que nos movimenta para a vida e para o futuro. É o sentimento do qual se alimenta também a nossa fé, como nos dizeres do apóstolo Paulo “é a firme convicção das coisas que se esperam e a certeza das coisas que ainda estão por acontecer”. Só mesmo trabalhando com fé e esperança.  Mas o trabalho tem uma função muito exclusiva e íntima para quem o realiza. Não há satisfação interior, pessoal, se não houver a realização que conseguimos com o resultado de um trabalho realizado. É como praticar um esporte. Só aquele que o faz pode sentir a adrenalina e as endorfinas produzidas pelo seu sistema nervoso pela atividade física desenvolvidas. Eu posso me alegrar junto com o outro, posso vibrar por ver os feitos do atleta, mas não posso sentir a adrenalina correndo no meu sangue como ele está sentindo naquela hora. Assim acontece porque nenhum de nós pode sentir prazer no lugar do outro. Ainda bem que igualmente não podemos sentir as dores dos outros, apenas compartilhá-las num dado momento. Posso sentir a minha dor, do meu jeito próprio ao compreender a dor alheia, e é por isso que o sofrimento e o prazer de cada um são exclusivos e uma experiência inalienável. Também não podem ser devassadas por ninguém que deseje interferir na vida alheia. Muitas vezes nos queixamos de que alguém nos faz feliz ou infeliz. Mais prepotência ainda existe naquele que afirma fazer alguém feliz. Pura intenção de um amor louco que não sabe o que é amar. Talvez esteja querendo apenas ter posso do outro naquilo que supõe ser o seu amor dedicado àquela pessoa. Nada disso é possível. Podemos agradar aos outros, sermos gratos, dedicados e amoráveis, mas o sentimento surgirá lá do íntimo profundo de cada um podendo perceber e sentir a dedicação de que é alvo.

Nesse sentido, ser feliz é um estado solitário e sua conquista depende de uma maturidade emocional, pois quer dizer que conhecemos um pouco nossos próprios sentimentos e emoções e uma maturidade espiritual que bem pode ser o significado do menino que foi levado ao templo para o profeta Samuel e que “ia crescendo em estatura e em graça diante do Senhor, como também diante dos homens”. Mesmo que não conheçamos as palavras do livro do Velho Testamento, a expressão nos parece própria para pensar a nossa evolução espiritual. Crescer em merecimento das benesses do Pai tem um efeito diretamente proporcional a crescer em estatura e em honra diante dos nossos semelhantes e ser por eles considerado. A honra do espírito que começa a ser forjada na valorização da responsabilidade que o trabalho nos inspira, bem pode ser a honra que espiritualmente almejamos nas encarnações sucessivas para buscar a condição de ser iluminado. Afinal de contas, a centeia divina que arde dentro de nós, ao contrário da vela que se extingue conforme queima a parafina, tende a se intensificar pelo aprimoramento da experiência cumulativa que a sabedoria do viver constrói e consolida dentro de nós.