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Quem Não Vê Não Peca

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Enéas Canhadas

Nessa forma de pensamento está o velho ditado que “o que os olhos não vêm, o coração não cobiça”. E com eles vamos confirmando a ideia de que os nossos olhos são nossos inimigos. Não basta que os poetas cantem que “os olhos são as janelas da alma”, ainda assim parece que nos é mais ajuizado pensar que os olhos podem nos levar à perdição.  No entanto, um dilema se coloca: os mesmos olhos que nos fazem perder até mesmo a alma são os que permitem nos conhecer melhor e também conhecer o mundo ao nosso redor. Podemos, a partir dessas ideias, criar um sofisma, por assim dizer. Então melhor é pecar e assim ver, assim poder discernir. Mais ainda, melhor será que pequemos como forma de discernimento. Então podemos concluir que pecar é necessário para que possamos obter o conhecimento. Não estou falando aqui de olhar para dentro, mas o olhar para fora mesmo, esse que pode nos levar à salvação ou à perdição.  Interessante questão essa que, tal atitude, em nos levando a olhar e discernir, sejamos também levados ao erro. Entre as ilusões que os nossos olhos podem nos proporcionar, encontra-se a da folha retorcida que, ao olhar de relance, sejamos levados a ver um pássaro no chão. O primeiro impulso nos leva a pensar em pegá-lo e até mesmo chegamos a perceber o pássaro se mexendo, pronto para fugir das nossas mãos, sempre menos ágeis do que o esperto pássaro. Quando ao chegar bem perto, vemos então a folha retorcida que estava vez ou outra sendo movimentada por uma brisa suave. Mas não vimos, de fato, um pássaro que agora parece ter se transformado numa folha ressequida? Ou vimos uma folha seca que quiséramos que parecesse um pássaro, passeando distraído e inadvertidamente, por alguns momentos, estivesse ao nosso alcance?  Em geral ficamos presos à peça que os nossos olhos nos pregam e poucas vezes atentamos para o que desejamos enxergar, isto é, nem sempre olhamos para o nosso querer, na verdade os nossos verdadeiros desejos. Os nossos olhos nos enganam quando colocamos para fora no nosso campo de visão o que está dentro de nós como desejo de querer enxergar.

Costumamos olhar para o que queremos ver e para os nossos desejos, esses sim, sempre existentes dentro de nós e sujeitos à nossa vontade e aos nossos caprichos e ambições. Mas alguém pode contestar. Não é assim mesmo? Não precisamos ter ambições para então construirmos planos, estratégias, fantasias e sairmos em busca de realizações? Importante questão a ser considerada é que pode haver uma distância entre o que desejamos e o que os nossos olhos permitem ver.

Os nossos olhos são dependentes das condições de luz e sombra, cores e formas, experiências vividas e o desconhecido que se apresenta ao nosso campo de visão. A íris possui dois músculos: o músculo dilatador torna a íris menor e, conseqüentemente, a pupila fica maior para permitir que mais luz entre no olho. Já o músculo esfíncter deixa a íris maior e a pupila menor, permitindo que menos luz entre no olho. A camada mais interna é a retina: a porção do olho que percebe a luz. Ela contém células bastonetes, que são responsáveis pela visão em condições de pouca luz, e as células cone, responsáveis pela visão de cores e detalhes. Na parte posterior do olho, no centro da retina, está a mácula. No centro da mácula há uma área chamada fóvea central. Esta área contém apenas cones e é responsável por enxergarmos claramente detalhes específicos. A retina contém um composto químico chamado rodopsina. Ela é a responsável por converter a luz nos impulsos elétricos que o cérebro interpreta como visão. As fibras nervosas da retina juntam-se na parte posterior do olho e formam o nervo ótico, que conduz os impulsos elétricos ao cérebro.

No entanto, os nossos desejos são livres e por isso podem ser alimentados pela fantasia, imaginação e criatividade. Os nossos desejos são frutos dos nossos impulsos, mas também dos nossos mais verdadeiros quereres. Não estamos falando ainda se eles são lícitos ou ilícitos, possíveis ou não. Estamos falando de um querer livre para existir e povoar a nossa mente construindo as nossas percepções e intenções, mesmo as que não serão possíveis para os nossos braços, pernas e mentes limitadas.

O impulso livre talvez tenha a extensão do Espírito fora de suas limitações, mais precisamente a mesma liberdade da consciência que pode se expandir eternamente, perpetrar todos os pensamentos e caminhar livremente por todas as entranhas das experiências do estar vivo no Universo. Qual sonda ainda inimaginável, pode caminhar por onde quiser cujo arremedo já pode ser feito pelas mais recentes conquistas da ciência com a produção dos nano robôs.

Outro sofisma pode ser construído. Se for preciso pecar para ver, e se Deus fez os nossos olhos como obra de sua criação à sua imagem e semelhança, então Deus nos fez equipados para pecar. Se Deus nos aparelhou assim então Deus quer que sejamos pecadores e nos deu esse caminho para o conhecimento. Se fomos feitos à imagem e semelhança do Criador, podemos deduzir que Deus usa o mesmo recurso que possui: peca para discernir. Donde se conclui que Deus é pecador.

Vejam como os sofismas nos enganam constituindo exemplos do que estamos falando. Os nossos desejos são livres, mas os nossos olhos são dependentes. Resta-nos santificar os nossos desejos? Ou nos sobra a opção de aceitar que demonizamos os nossos olhares? Você se arrisca a uma terceira possibilidade?