Todos nós nos dizemos espíritas, porque todos queremos ser espíritas. Será
que somos, realmente? Será que sabemos ser espíritas? Eis duas perguntas
aparentemente fáceis de responder, mas, na realidade, tão difíceis quanto ser,
verdadeiramente, conscientemente, espírita.
De certo modo, somos espíritas, porque acreditamos nas manifestações das
almas desencarnadas no mundo físico, porque os fatos nos trouxeram a convicção
inabalável dessa maravilhosa realidade, além de evidências outras que provam, à
saciedade, a existência do plano invisível. Disse Kardec que é espírita “o que
tem relação com Espiritismo: adepto do Espiritismo aquele que crê nas
manifestações dos Espíritos” (“O Livro dos Médiuns”, pagina 411).
Mas, há diversas gradações de espíritas. Uma condição distingue o espírita
perfeitamente consciente de seus deveres doutrinários: a vontade de estudar,
para compreender, cada vez melhor, os problemas que nos darão meios de conhecer,
em toda a sua extensão e profundidade, o Espiritismo Cristão, a Doutrina
Espírita, que é a sua espinha dorsal. Estudando, o espírita adotará uma atitude
serena em face de qualquer manifestação fenomênica, nada afirmando ou negando
sem demorada reflexão, seguindo, a este respeito, o exemplo do eminente Allan
Kardec. Para os gratuitos desafetos do Espiritismo, somos demasiado crédulos,
acreditamos sem vacilação em tudo que nos apareça de natureza espiritual.Ora,
isso não é totalmente verdade.Há sem dúvida, e isso não acontece somente no
Espiritismo, os crédulos sistemáticos, mas há, igualmente, os que seguem o
exemplo e as recomendações de Allan Kardec, examinando e refletindo antes de
aceitar, em definitivo, certas manifestações mediúnicas. E são esses os que
beneficiam o Espiritismo pela segurança de suas opiniões, pelo equilíbrio dos
seus pontos de vista, quando defrontam os cépticos sistemáticos, os cépticos de
encomenda, a serviço de credos bolorentos e falidos, que lutam desesperadamente
para sobreviver, assim como os enfatuados da meia-ciência, que, não estudando a
fundo os fenômenos, buscam sempre uma justificativa para negar a sua natureza
espirítica, pretendendo explicá-los diferentemente, sem, contudo, chegar a uma
conclusão lógica, sensata e, sobretudo, imparcial.
É dever dos espíritas mais aptos esclarecer os que não possuem o recurso do
estudo meticuloso da doutrina e da fenomenologia espíritas. Os fatos espíritas
não serão jamais modificados pela atitude dos negadores, sejam eles de que
procedência forem. Fatos são fatos. Mas, é indispensável que, dentro do
Espiritismo, procuremos demonstrar que nem tudo quanto acontece é devido à
interferência de Espíritos.
Léon Denis, cuja autoridade permanece íntegra, tantos anos após a sua
desencarnação, pelo equilíbrio de suas opiniões, pela pujança de seus argumentos
e também pela pureza de seus sentimentos, afirma:
“Nada é mais prejudicial à causa do Espiritismo que a excessiva credulidade
de certos adeptos e as experiências mal dirigidas”. (1) E temos observado o
acerto desse reparo. Já ouvimos pessoas de gabarito intelectual dizerem, com
ares de superioridade, que os espíritas são vítimas da própria imaginação e
aceitam como boas as fantasias que ouvem, que vêem ou que lêem … Mas,
convidados a ler alguma coisa de substancial sobre o Espiritismo, sorriem,
sempre superiormente, e recusam o oferecimento … Negam a luz porque estão de
olhos fechados e não querem abri-los, por isto ou por aquilo … Se há espíritas
simplórios, há também espíritas instruídos, investigadores e desejosos de fatos
reais.
“O homem crédulo é dotado de boa fé; a si mesmo se engana inconscientemente e
torna-se vítima de sua própria imaginação. Aceita as coisas mais inverossímeis e
muitas vezes as afirma e propaga com entusiasmo extravagante. É isso um dos
maiores estorvos para o Espiritismo, uma das causas que dele afastam muitas
pessoas sensatas, muitos sinceros investigadores, que não podem tomar a sério
uma doutrina e fatos tão mal apresentados. É preciso não aceitar cegamente coisa
alguma. Cada fato deve ser objeto de minucioso e aprofundado exame. Só nessas
condições é que o Espiritismo se imporá aos homens estudiosos e racionalistas.
As experiências feitas superficialmente, sem conhecimentos de causa, os
fenômenos apresentados em más condições fornecem argumentos aos cépticos e
prejudicam a causa a que se pretende servir”. (2)
Mesmo na intimidade das casas espíritas, é preciso haver mais rigor na
observação das manifestações, de maneira a distinguir, das legítimas, as que são
produto da auto-sugestão, do animismo ou da simulação. Tal cuidado se torna
imprescindível, para a própria segurança dos serviços mediúnicos. A mediunidade
não se improvisa. O médium tem características fáceis de notar. Alem disso, não
é possível padronizar a faculdade, dada a variedade de suas manifestações. O que
se deve é observar cada médium de per si, de modo a aproveitar ao máximo o
potencial que ele demonstrar possuir e, adequadamente, metodicamente, traçar-lhe
o programa de exercício para o apuramento dos seus dons. Não devemos esquecer,
em nenhum instante, que o “estudo da mediunidade prende-se intimamente a todos
os problemas do Espiritismo; é mesmo a sua chave”, segundo ainda a palavra de
Léon Denis. Esse mesmo apóstolo da Terceira Revelação, na obra a que nos estamos
reportando, salienta que “a mediunidade apresenta variedades quase infinitas,
desde as mais vulgares formas até as mais sublimes manifestações. Nunca é
idêntica em dois indivíduos, e se diversifica segundo os caracteres e os
temperamentos. Em um grau superior, é como uma centelha do céu, a dissipar as
humanas tristezas e esclarecer as obscuridades que nos envolvem”. Em face de
tudo isso, é meridianamente clara a impossibilidade de se pretender padronizar a
mediunidade, como já tem sido tentado em alguns “centros”.
Não nos podemos atribuir a condição de espírita se não nos empenhamos,
seriamente, em praticar os deveres determinados pela nossa Doutrina, mesmo que o
façamos com falhas, desde, porém, que nos anime o desejo permanente de melhorar
mais e mais. Falíveis todos o somos. Uns, mais, outros, menos. A nossa vontade
de progredir é que nos mostra até onde nos poderemos considerar espíritas. Se
sentimos essa preocupação de vencer as nossas próprias deficiências, lutando
contra nós mesmos, erguendo-nos depois de cada queda, com o propósito de
diminuir os tombos, então já somos espíritas.
A Doutrina deve ser o guia dos nossos passos diários. Não importa que outros
estejam mais adiantandos que nós. O essencial é que nos esforcemos por progredir
moralmente, apoiados na Doutrina e no Evangelho, porque, assim, venceremos
também o mundo, pelo menos o nosso mundo individual, preparando-nos para
desbravar o caminho do Mundo Maior.
Parodiando Hamlet, monologamos: “Ser espírita ou não ser espírita, eis a
questão”.Não nos preocupemos em mostrar aos outros que somos espíritas.
Procuremos, pelo exemplo, pela humildade, sentir que o somos, sem qualquer
preocupação com o juízo que possam fazer de nós os pretensiosos, os arrogantes,
os agitadores, porque cada um terá a sua parte, contada e dividida, quando
chegar a hora.
(1) Léon Denis, “No invisível”, edição FEB, página 58, 59 e 113.
(2) Idem, ibidem.
Reformador – fevereiro de 1972.