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O telespectador da vida alheia

O telespectador da vida alheia

“E se o mundo for uma espécie de show? E se todos nós formos apenas talentos
reunidos pelo Grande Descobridor de Talentos lá de Cima? O Grande Show da vida!”

Essas foram as palavras proféticas do romancista Philip Roth, ditas em 1970.
Essas palavras prenunciaram a moda dos programas de reality show (“TV
realidade”), que em seu sensacionalismo expõe gente comum, como celebridades em
gincanas exibicionistas em cenários que vão de ilhas desertas a casas lacradas
ou paragens agrestes.

Foi na Suécia em 1997 que tudo começou com a exibição de Expedition
Robinson
, programa de grande sucesso naquele país, onde um punhado de
pessoas eram deixadas em uma ilha deserta e tinham que se arranjar de alguma
maneira.

Depois foi a Holanda que criou um programa que se tornaria padrão para os
reality shows
, o já conhecido de todos, Big Brother, que tem como
referência o romance 1984, do inglês George Owell. No Big Brother,
o monitoramento era total em uma casa alugada onde era feita uma mistura de
cárcere com cenário de novela. O sucesso foi total!

Nos Estados Unidos, o programa Survisor colocou o índice de audiência
em nível estratosférico, a CBS exibiu o programa durante 13 semanas de 2000.

O Brasil não poderia ficar de lado nessa briga por audiência e a TV Globo
criou a versão verde e amarela do reality show, com a exibição do No
Limite
, o SBT (arqui-rival da Globo), não quis ficar de lado nessa história
e passou a exibir Casa dos Artistas e não demorou muito para que a TV
Globo depois de muito estardalhaço publicitário exibisse o “Big Brother”
em sua versão nacional.

Diante desse exibicionismo global, onde as mazelas humanas são expostas na
telinha da TV com sensacionalismo escorchante, onde estamos mais preocupados com
a reforma alheia do que com nossa reforma pessoal, ficamos estarrecidos diante
da artificialidade da vida de muitos que se comportam como fantoches diante dos
apelos da mídia. Até parece que o planeta Terra não passa de um circo e nós
artistas no picadeiro a representar pateticamente nossas imperfeições.

O pensador romano Sêneca, em sua coletânea “Da brevidade da existência”
advertia com bom-senso:

“É um erro viver segundo a maneira alheia e fazer uma coisa unicamente porque
outros a fazem. Inestimável bem é pertencer a si mesmo.”

O insigne Codificador Allan Kardec, como sempre vem ao nosso encontro e
acompanhado pelos Espíritos superiores, coloca a questão da seguinte forma:

903. Incorre em culpa o homem, por estudar os defeitos alheios?

“Incorrerá em grande culpa, se o fizer para os criticar e divulgar, porque
será faltar com a caridade. Se o fizer, para tirar daí proveito, para evitá-los,
tal estudo poderá ser-lhe de alguma utilidade. Importa, porém, não esquecer que
a indulgência para com os defeitos de outrem é uma das virtudes contidas na
caridade. Antes de censurardes as imperfeições dos outros, vede se de vós não
poderão dizer o mesmo. Tratai, pois, de possuir as qualidades opostas aos
defeitos que criticais no vosso semelhante. Esse o meio de vos tornardes
superiores a ele. Se lhe censurais o ser avaro, sede generosos; se o ser
orgulhoso, sede humildes e modestos; se o ser áspero, sede brandos; se o
proceder com pequenez, sede grandes em todas as vossas ações. Numa palavra,
fazei por maneira que se não vos possam aplicar estas palavras de Jesus: Vê o
argueiro no olho do seu vizinho e não vê a trave no seu próprio.”

Bibliografia:

  • Revista Superinteressante, Edição 171, dezembro de 2001, pág. 26.
  • Os Césares, Apogeu e Loucura de Ivar Lissner, tradução: Oscar Mendes,
    Editora Itatiaia Ltda., 1959, pág. 170.
  • O Livro dos Espíritos, Allan Kardec, tradução: Guillon Ribeiro, 75ª
    edição, 1994, pág. 415.

(Publicado na REVISTA INTERNACIONAL DE ESPIRITISMO, Ano LXXVII, Nº 03, pág.
123, Abril de 2002).