Caros amigos,
Após duas semanas mal dormidas acompanhando integralmente todos os eventos
olímpicos pela televisão, não posso deixar de repartir com vocês meu sentimento
em relação ao episódio envolvendo o maratonista brasileiro Vanderlei Cordeiro no
último dia de disputa dos jogos.
Sou fanático por esportes e patriota ao extremo, e faço o possível e o
impossível para acompanhar e torcer por todos os brasileiros que disputam os
jogos. O esporte realmente não me importa tanto, taekwondo, tiro, vôlei, hipismo,
enfim, o que importa é ver a bandeira do Brasil estampada na borda de baixo da
tela da televisão e torcer pelo sucesso de nossos atletas.
Ontem porém falhei. Estava viajando de São Paulo para o Rio de Janeiro de
automóvel, exatamente no horário da disputa da maratona, última prova das
olimpíadas. Falha pior ainda, foi pensar que não tínhamos um competidor com
chances de medalhas. Já quase chegando no Rio de Janeiro minha esposa me liga
vibrando ao telefone dizendo que um brasileiro liderava a prova com folga
faltando apenas dez quilômetros para o fim. Fiquei louco dentro do carro, aquilo
era bom demais para ser verdade. Em plena Atenas, na prova mais emblemática da
história das olimpíadas um brasileiro estava próximo da vitória. Imediatamente
comecei a imaginar o hino nacional tocando, e o Brasil fazendo história,
enquanto acelerava o carro para ver se chegava a tempo de ver a chegada.
Impaciente dentro do carro, e a fim de saber como a prova se desenrolava liguei
novamente para casa para saber se ainda estávamos na frente. Foi quando soube da
noticia do que havia acontecido com o brasileiro. Um louco havia invadido a
pista, arrastado ele para a multidão e derrubado-o ao chão. Mesmo assim o
brasileiro havia conseguido desvencilhar-se e seguiu mancando até recuperar o
ritmo e continuar a corrida. Estava agora em terceiro porém, sem chances do ouro
olímpico. Não consigo descrever o ódio que senti na hora. Minha vontade era de
pegar um avião para a Grécia e espancar até a morte aquele idiota. Não, a morte
não seria suficiente para ele. Tentava então pensar em castigo pior que
iguala-se ao ódio que sentia.
Cheguei em casa, com cara de poucos amigos, e corri para a televisão para ver
as atitudes que estavam sendo tomadas pelos dirigentes. Fui logo contemplado com
o replay da imagem do brasileiro chegando imitando um avião e fazendo um coração
para o público. Não é possível – pensei – aonde está o ódio dele? Seguem as
transmissões, e mostram uma entrevista com o brasileiro logo após a chegada. É
agora! É chegada a hora do corredor falar tudo que pensa sobre aquele palhaço,
estúpido, idiota que tirou o ouro dele. Novamente uma surpresa. Suas palavras
não são de ódio, mas sim de júbilo. Perguntado se o incidente havia lhe custado
o ouro, respondeu que nunca seria possível saber, e que o momento era de
comemorar o histórico terceiro lugar. O repórter insistia, perguntando o que
faria em relação ao manifestante. Novamente outro tapa na minha cara, o
brasileiro disse que gostaria de lhe oferecer as flores com que seria
presenteado. Após estas palavras, pergunta humildemente a repórter se pode dar
uma volta olímpica no estádio para comemorar seu feito. Pega a bandeira do
Brasil e sai carregando-a pelo estádio, sendo ovacionado de pé pelos milhares de
espectadores, atônitos com que acabavam de presenciar.
Ficou para mim e para o mundo um eterno exemplo de superação, humildade,
patriotismo, honra e perdão. Confesso que ficará difícil despertar interesse por
um dos milhares de livros de auto-ajuda existentes no mercado literário depois
do exemplo real que pude presenciar nas atitudes do brasileiro.
Acredito que será de pouca valia os sermões dos padres, monges e pastores
sobre o perdão e a bondade após o que demonstrou com seus atos o brasileiro após
a prova. Como pode alguém ter coragem de falar de superação, após a cena de um
maratonista que após 35 quilômetros de exaustiva corrida, é assustado,
derrubado, e tira forças não se sabe de onde para continuar a prova. As palavras
ficarão inexpressivas diante deste exemplo.
Que isto sirva de exemplo para um mundo que carece de heróis de verdade. Um
mundo que por vezes não acredita mais no perdão. Um mundo que mirado nas
atitudes de seus governantes, chega a se questionar sobre a natureza boa do
homem. Um mundo que precisa aprender a se levantar do tombo, buscar forças e
chegar! Nem que não seja em primeiro lugar. Talvez daqui a 50 anos ninguém se
lembre de quem venceu a prova de ontem, mas certamente se lembrarão de um
brasileiro franzino, que se transformou em gigante, e deu motivos para bilhões
de pessoas sonhar que o bem não está só escondido nas letras vazias de nossos
livros de cabeceira.
Parabéns Vanderlei, o ouro não é nada perto de seu feito.