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Vedetismo e Cisão

Vedetismo e Cisão

Rogério Coelho

“Todo reino dividido contra si mesmo é devastado; e toda cidade ou casa, dividida contra si mesma, não subsistirá.”
Jesus. (Mt., 12:25.)

Merece profunda reflexão, com espírito de humildade e lúcido discernimento, o conteúdo do editorial da revista “O Espírita” de Brasília – D.F., número 99 do trimestre jan/mar/98, intitulado: “Messianismo Religioso” e um artigo interno intitulado: “Chico – Oportuna Advertência”, de autoria do Dr. Carlos Antônio Baccelli e também já publicado no periódico “A Flama Espírita”, que se completam ao abordar um tema delicadíssimo, mas, sem embargo, de muita atualidade e utilidade, um tema, enfim, que exige coragem e firmeza para ser abordado.

Julgamos oportuno dar mais ampla divulgação aos seus teores, a fim de que, isentos de quaisquer laivos de animosidades, orgulho e vaidade, possamos chegar a sadias e oportunas conclusões para minimizar ou erradicar por completo a ferrugem que vem corroendo o movimento espírita brasileiro, como um câncer em metástase.

Ei-los na íntegra:

MESSIANISMO RELIGIOSO

“Por que as religiões perdem qualidade, quando crescem quantitativamente? O fenômeno é relativamente fácil de explicar: é um misto de vaidade com ausência de conhecimento verdadeiramente cristão.

Inexpressiva do ponto de vista numérico, qualquer religião obriga seus líderes a uma maior vigilância para que ela não se auto-destrua em sua fragilidade e, por ser pequena, mas sendo alvo de atenções não excita a vaidade humana.

Bastam crescer materialmente para que surja a preocupação com a administração, com a arrecadação de fundos, com a aquisição de computadores, com a construção de templos, geralmente faustosos, com eleições, com o poder… A disputa hierárquica se estabelece e os “representantes” do poder divino aparecem.

A ocupação do espaço pela “autoridade” substitui o sentimento de simplicidade evangélica e o orgulho pessoal se manifesta.

Num mundo viciado como o nosso, os adeptos de todas as crenças, de uma forma geral, admiram o poder e aplaudem os que aparecem, porque também não têm consciência mais profunda do exato sentido dos princípios trazidos por Jesus. Quanto mais vaidoso, mais inseguro é o ser humano, necessitando do reconhecimento público, dos elogios, do comando para se realizar em suas fraquezas. Por isso, só o tíbio e o insensato lutam por cargo e se desesperam por mantê-lo.

O movimento espírita, em muitas instituições, passa por essa fase. Chapas diversas disputam diretorias, nos moldes deprimentes da política mundana. Há médiuns que “recebem mensagens” induzindo a escolha, identificando os protegidos de “Bezerra”, “Emmanuel”, “Ismael” e, até mesmo de “Jesus”. Querem o direito de decisão, por se sentirem “salvadores de alma” e “enviados do Alto”.

Há, ainda, os que invocam encarnações passadas, para justificarem suas pretensões. Muitos desses “messias” se acham o retorno de Paulo, de Lutero, de Kardec, etc…, numa comprovação tácita de obsessão.

Deveriam lembrar-se de Bias, o notável cidadão da Priena, ao responder àqueles que estranhavam o seu desapego aos bens materiais e do destaque social: “eu trago tudo dentro de mim”.

“Os verdadeiros líderes, que contam com o apoio de elevados benfeitores, são aqueles que ocupam cargos sem ambicioná-los, trabalham por amor e estudam com humildade. Não são arrogantes nem pretensiosos. Servem e passam, distribuindo sem contar o que dão. Não ofendem os companheiros nem os princípios imáculos da Doutrina.

Eles são identificados pela nobreza do caráter, pela permanente dedicação e pela simpatia que tipifica o equilíbrio necessário a qualquer nível de liderança.”

CHICO – OPORTUNA ADVERTÊNCIA

“Lembro-me bem. Foi em uma das derradeiras reuniões a que o Chico compareceu no “Grupo Espírita da Prece”, antes de recolher-se à sua casa por problemas de saúde. Conversávamos, naquele sábado, descontraidamente. Enquanto autografava, de seus fluíam apontamentos maravilhosos. Todos permanecíamos atentos a tudo o que dele partisse… De repente, um companheiro de fora entrou a falar sobre as dificuldades do Movimento Espírita. Referiu-se às polêmicas infindáveis através das páginas dos jornais… Observou que, em sua cidade, os centros espíritas eram quase todos rivais uns dos outros.

Até então sorrindo, notamos que o semblante do Chico se fechara…

Deixou que o amigo falasse, certamente aproveitando-se da ensancha para efetuar qualquer desabafo.

Sem nada dizer, recordei-me de certa palavra do médium no “À Sombra do Abacateiro”, de nossa lavra, em um seu diálogo com a inesquecível D. Yvonne do Amaral Pereira. A devotada medianeira de “Memórias de um Suicida” e tantas outras obras de inexcedível valor doutrinário, interpretando o pensamento do Dr. Bezerra de Menezes, dissera que ‘os espíritas no Brasil haviam conseguido uma proeza: tornar-se “inimigos íntimos”…’

Quando, finalmente, levantando os olhos do último livro que autografara na noite-madrugada, de sábado para domingo, Chico disse o que, de pronto, valendo-se de um pedaço de papel sobre a mesa, registramos:

“O Senhor tem razão… Os católicos não precisam mais preocupar-se conosco, nem os evangélicos… A continuar assim, os próprios espíritas se destruirão!…

Reflexivos, fomos para casa, lamentando que nós, os companheiros de ideal, não assimilemos de Chico o exemplo de tolerância fraterna, já que, em ‘nenhuma’ oportunidade, em nossos longos anos de convivência com ele, ‘o vimos tecer a menor crítica a quem quer que fosse.’”

(Publicado no Boletim GEAE Número 308 de 01 de setembro de 1998)