Dessa errata, apenas o último item foi incorporado às edições posteriores,
embora somente a partir da 10aedição. Apresenta-se aqui uma série de
dúvidas de natureza histórica, cujo esclarecimento requer dados não disponíveis.
Mesmo assim é útil enumerá-las, analisando-as como pudermos, para que saibamos
doravante o que fazer com a errata em nossos estudos espíritas.
Por que a errata apareceu somente na 5a edição? Por que, com a
apontada exceção, não foi incorporada ao texto das edições subsequentes? Pode
ser que razões econômicas tenham se anteposto a isso, pois com o sistema de
impressão da época qualquer alteração que exigisse repaginação implicaria
refazer todo o texto daquele ponto em diante. Inspecionando graficamente o
original, no entanto, nota-se que isso ocorreria apenas com os itens 226 e 285,
as demais alterações sendo incorporáveis sem repaginação. Se uma alteração foi
incorporada, por que não as outras três? Pode-se supor que aqui Kardec levou em
conta a natureza das alterações: a do item 586 é imperiosa, pois
configura um erro – certamente um lapso, e não alguma falha de observação ou
raciocínio –, enquanto que as demais são em certa medida opcionais.
Essa suposição é bem plausível no caso dos itens 437 e 479, que são meras
indicações de referências cruzadas. Quanto à outra mudança que não requereria
repaginação, a do item 165, trata-se de um esclarecimento bastante útil acerca
do processo de desencarnação. Teria Kardec julgado que ainda faltava apoio mais
sólido ao que afirmou na errata? De qualquer forma, à luz do que sabemos hoje
não parece haver falhas nas afirmações feitas.
São igualmente interessantes as alterações referentes aos itens 226 e 285,
cuja incorporação no texto apresentaria dificuldades gráficas. A última
complementa de forma muito relevante a resposta inicial, um tanto obscura,
referente ao modo de reconhecimento dos Espíritos. Essa complementação foi
corroborada plenamente pelos estudos espíritas ulteriores, especialmente pelos
relatos mediúnicos detalhados de que dispomos hoje, como os de André Luiz,
Philomeno de Miranda, Yvonne Pereira, etc.
Finalmente, quanto ao item 226, nota-se que Kardec procurou, na errata,
restabelecer o sentido próprio da expressão Espírito errante. Ora, com o
desaparecimento da errata e a não incorporação dessa correção às edições
subseqüentes, esse objetivo acabou não sendo alcançado. Cristalizou-se em toda a
literatura espírita o significado que Kardec reconheceu como impróprio, segundo
o qual Espírito errante é sinônimo de Espírito desencarnado,
independentemente de sua condição.
Tentemos agora, para concluir, avaliar a errata de forma geral, para nortear
nossos estudos daqui para diante, e sugerir diretrizes aos editores da obra
fundamental do Espiritismo.
É inegável que o único erro propriamente dito é o do item 586, que foi
corrigido por Kardec, embora tardiamente. Dele estão isentas as edições
correntes em francês, português, inglês e esperanto a que tivemos acesso; devem,
pois, ter se baseado em edições posteriores à 10a.
As referências cruzadas, do penúltimo e antepenúltimo item da errata, são
evidentemente úteis, devendo pois ser incorporadas às novas edições. O mesmo
vale, com mais forte razão, para os esclarecimentos sobre a perturbação
espiritual conseqüente à desencarnação e sobre a aparência dos Espíritos
desencarnados.
Quanto ao adjetivo errante, é claro que a reversão do uso corrente no
meio espírita é difícil, quando não impossível, ao menos a curto prazo. Isso não
impede, porém, que a observação de Kardec seja inserida nas edições futuras.
Além disso, seria interessante que os escritores e expositores espíritas
levassem em conta esse ponto, o que gradualmente induziria ao restabelecimento
do sentido etimológico do termo.
Resta a questão editorial: as novas edições devem reproduzir a errata no
final ou incorporar as alterações ao longo do próprio texto? Não temos dúvida de
que a segunda opção é preferível. Primeiro, a errata está disponível para os
pesquisadores em sua versão original, na edição histórica da FEB. Depois, e mais
importante, o leitor espírita médio de hoje certamente terá mais facilidade para
perceber as mudanças se elas estiverem no próprio texto. É claro que neste caso
deve haver notas de rodapé indicando precisamente cada alteração, com uma
referência histórica geral à errata numa introdução ou apêndice do editor.
A descoberta e publicação da errata foi uma contribuição relevante para os
estudos referentes ao Livro dos Espíritos, e portanto ao Espiritismo de
um modo geral, não devendo, por isso, ficar confinada ao restrito círculo
daqueles que puderam ler o importante volume editado pela FEB.
(Texto publicado em Mundo Espírita, setembro/2002, p.
10.)