Meu pai trabalhou por 20 anos como bancário, transferências constantes, o que levou nossa família a residir em mais de 10 cidades. Toda mudança uma preocupação:
Como serei acolhido?
Por ter essa experiência de vida sempre fiquei muito preocupado com os chamados novatos. É motivo de angustia o primeiro dia em tudo: seja na aula, no trabalho, numa outra cidade, em instituição espírita ou não.
Pois bem, já não bastavam as mudanças na época de infância e adolescência e eis que, já com certa idade, mudo de Bauru SP para Salvador BA.
Entretanto, dei sorte e fui bem recebido e acolhido pelos baianos. No início algumas dificuldades, mas depois engrenou. Uma coisa é você ir numa terra como turista, outra coisa é vir a trabalho.
O importante, contudo é que fui acolhido.
Então, vinculei-me a duas casas da capital baiana e, por necessidade das instituições, além das palestras assumi outras tarefas.
Entre elas: o atendimento a quem chega pela primeira vez ou primeiras vezes ao centro espírita. Essa atividade eu realizo num centro espírita localizado no bairro do Uruguai, periferia de Salvador. Realidade difícil, onde a rapadura além de ser bem azeda é mais dura que de costume.
Após a triagem inicial os atendentes encaminham as pessoas para o setor onde estou. E vamos conversar. Não é um atendimento fraterno, mas um bate papo, uma escuta.
Experiência bem diferente das tribunas e da literatura, porém, também muito rica. Interessante que quase todos têm uma necessidade básica: serem escutados. Querem apenas isso, uma escuta, 15 minutos de atenção, alguém que ouça os seus problemas e não emita julgamentos, não censure, não recrimine suas atitudes e pensamentos.
Ao iniciar o trabalho nessa frente percebi que o ser humano busca acolhimento.
Claro que a palestra instrui, o seminário alimenta o conhecimento, os livros fazem-nos viajar pelas terras do saber e a cesta básica “enche a barriga”, mas com o coração vazio tudo fica mais difícil. Com o coração vazio não se concentra, a fome parece que dobra e até a cesta básica tem seu poder momentâneo reduzido.
Dia desses recebi uma senhora de 50 anos. Bonita, porte elegante e muito bem vestida. Engatou a falar… Ela e o marido dedicaram toda a vida somente a buscar os bens da matéria. Obtiveram sucesso, enriqueceram os bolsos, porém empobreceram a relação e o coração.
Não tinham tempo um para o outro envolvidos que estavam na corrida pelo ouro.
Redescobriram-se quando a enfermidade bateu na porta. Uma simples cirurgia do marido para retirada de um cálculo renal acabou sendo um fracasso e o deixou por 3 meses no hospital, entre a vida e a morte. Ela teve de deixar seus afazeres para acompanhá-lo na saga.
Percebeu que nem todo o dinheiro acumulado ao longo dos anos foi capaz de poupar-lhes de um erro médico.
Aconselhada por uma amiga, procurou o centro espírita. Falou ininterruptamente por mais de 30 minutos. Ao final, disse:
– Estou aliviada! Obrigada, fui acolhida neste lugar que escutou o meu dilema. E, de certa forma, tenho de agradecer a dor, pois foi graças a ela que eu e meu marido nos reencontramos.
Graças a dor, ela e o marido voltaram a amar um ao outro. Voltaram a acolher um ao outro.
Onde há amor, há acolhimento.
O Espírito de Verdade informou:
Espíritas amai-vos, espíritas instrui-vos.
Allan Kardec ponderou:
A natureza deu ao homem a necessidade de amar e ser amado.
Observe que amar vem em primeiro lugar.
E amar equivale a, antes de tudo, acolher.
Ninguém ama sem primeiro acolher.
Ninguém instrui sem acolher.
Eis um desafio para os espíritas:
Acolher quem chega, estancar a dor, enxugar as lágrimas.
Após os primeiros socorros, após o acolhimento, instruir.
A ideia não é minha, é do Espírito de Verdade.
Relembrando:
Espíritas amai-vos, espíritas instrui-vos.
Portanto, a pergunta que não cala é:
O que vem primeiro?
Pensemos nisso.